Capítulo 185 — Assimilação de domínios
A temperatura nas Tumbas de Kiescrone ficou cada vez mais alta depois do primeiro mês perdido. Por estarem eventualmente entrando em contato com bases militares, o trio de exploração conseguiu se manter atualizado com o estado da capital.
Há duas semanas, quando os cidadãos iniciaram o protesto contra a atual divisão de poder na capital (onde as famílias reais não conseguiam administrar corretamente o reino, mas também não aceitavam uma reconciliação), uma revolta interna aconteceu na militância, que rapidamente se espalhou pelo presídio de Alfmorg.
Conhecido por ser a casa dos maiores traficantes e criminosos mais poderosos de Kiescrone, o presídio de segurança máxima de Alfmorg foi tomado por uma rebelião que perdurou por mais de cinco dias.
No meio da confusão, os militares recorreram a métodos não muito aprovados pela população. Depois de um seriado de negligência, o último dia da rebelião chegou: marcado como O Dia do Massacre em Alfmorg.
Trezentos policiais entraram no presídio e, em cerca de uma hora, abateram mais de dois mil e setecentos detentos, deixando quinhentos em estado grave.
O capitão Sir Galahard foi o responsável por deter e dar voz de prisão aos militares que agiram conforme, pois a ordem não nasceu da rainha Marelia.
Mas a população não desejava o pré… Eles querem um nome para pôr a culpa.
Esse era o plano de Pendaculos… Jogar a culpa para Marelia.
— A capital está bagunçada… — comentou Carl, cruzando os braços na nuca.
— É… temos que voltar logo. Maldita exploração que não acaba… — Malcolm resmungou iluminando um dos corredores.
Tendo a vista ofuscada por uma luz intensa, Bastien reclamou para Malcolm:
— Para de iluminar meus olhos! Não vou conseguir me adaptar assim!
— Do que está falando?
Malcolm e Carl surgiram sorrateiramente de um corredor atrás de Bastien, o qual tampava seus olhos com as mãos.
Olhando para o lado e vendo seus companheiros, o arauto de Hades retornou seu olhar para o corredor à frente onde uma luz intensa estava se exibindo.
Não apenas uma fonte de luz, mas também uma fonte de calor.
— Ei, tá bem iluminado por aí, né? — disse Carl, em tom sarcástico.
— Sol… — disse Bastien.
— Ui… Tão quente… — Carl gemeu ao tocar nos tijolos, que, naquela posição, estava quente se comparado as pedras de gelo de trás. — Você disse sol?
Por fim, os dois agentes de Alsuhindr acompanharam Bastien no final de um corredor extremamente inusitado. Olhando para as paredes, os três se depararam com os receptores na parede… totalmente explodidos.
Não por ações de força, mas por defeito próprio.
A fonte da energia intensa e alarmante estava no final daquele corredor.
Nenhuma palavra precisou ser dita para que os três chegassem a mesma conclusão e corressem em direção à luz.
Segurando a bainha em sua cintura, Bastien estava entusiasmado e ansioso, mas, acima de tudo, nervoso…
Ao chegar naquele corredor, ele entendeu do que se tratava. Uma energia natural e, ao mesmo tempo, artificial. Como a de um golem protetor, um guardião de um lar esquecido…
Uma gota de suor escorreu pelo seu rosto cansado.
Ele juntou forças para correr mais que Malcolm, e conseguiu. Sendo o primeiro a chegar no fim do túnel, tendo um choque de luminosidade ainda maior, Bastien encontrou o que tanto temeu.
Malcolm passou pelo Arauto de Hades dando um leve empurrão, sem saber ao certo do que se tratava.
Os agentes de Alsuhindr paralisaram em admiração.
Uma enorme arena abaixo do nível da superfície, com destroços e sinais duma longa batalha. A pressão da mana atmosférica afetou a forma que Malcolm e Carl estavam acostumados a respirar.
— Que intenso… — Carl cuspiu seco, rasgando a garganta.
Segurando o próprio pescoço, contorceu sua expressão em desconforto.
Mantendo uma postura rígida e em alerta, Malcolm analisou melhor a estrutura até escutar um objeto caindo no chão.
Olhando para trás, viu Bastien largar sua espada no chão. A expressão do arauto de Hades não podia ser descrita por outra palavra: choque.
Ele estava paralisado. Seus olhos trêmulos não conseguiam se manter estagnados, a visão ficando mais turva a cada momento.
Os olhos de Bastien percorreram pelo céu, buscando os traços do que ele desejava.
— Aqui… — A voz incrédula saiu de sua boca. — Foi onde enfrentamos Zethíer…
— O Emissário do Mundo?! — Carl exclamou estupefato.
— Tem certeza? Esse confronto foi noutro domínio… — retrucou Malcolm, franzindo as sobrancelhas.
— É exatamente isso que estou me perguntando nesse momento — respondeu confuso.
— Então… Em algum momento, encontramos uma ponte entre os domínios?
— Não. Minha intuição diz que estamos no domínio principal. Isso significa que, de alguma forma, os dois domínios passaram a fazer parte do mesmo plano dimensional…
— E agora?
A pressão na voz de Carl se expressou através dos olhares apressados do tenente.
— Como iremos relatar isso? Se voltarmos agora, não chegaremos a tempo. Demoramos dois meses para chegar até aqui, se voltarmos pelos túneis, com a pressão que estamos, iremos nos perder…
Carl ficou ansioso.
A sensação da mana remanescente de Zethíer estava o sufocando e deixando-o incomodado.
Olhando para o lado, Bastien se lembrou da devastação florestal que usaram para encontrar Theo.
— Me sigam!
Com um único salto, os três agentes alcançaram a superfície e correram pela floresta devastada. Através de uma trilha de árvores derrubadas e incineradas, passando por cima de um campo devastado por inúmeros cortes que ainda emanava uma certa quantidade de éter, Malcolm tomou coragem para perguntar:
— Essa energia é um pouco familiar, mas muito fraca… A quem pertence?
— Theo — respondeu Bastien. — Esse foi o local onde ele enfrentou o demônio da selva e teve seu despertar. Quando derrotamos Zethíer, procuramos ele por essa floresta seguindo os rastros de sua energia.
— E onde ele estava? — Carl perguntou com pressa.
— Lá — disse olhando para uma montanha logo à frente.
Carl estava ansioso devido à influência remanescente de Zethíer. Ele sabia que, não adiantava quantas vezes ele pensasse no quão fracos a Quinta Legião possa parecer para seu mundo, o fato deles terem derrotado um ser com aquela essência espiritual era…
Humilhante.
Nem em mil vidas Carl poderia cogitar matar um Emissário daquela magnitude.
“E eu ainda o julguei…” pensou entrando numa caverna na base da montanha.
A caverna foi ficando cada vez mais escura e estreita, mas logo revelou seu interior.
Uma luz azul tomou suavemente a caverna, até chegarem num renome saguão.
Assim que entraram no local, os dois agentes de Alsuhindr ficaram para examinar uma estátua logo na entrada; o demônio que Theo enfrentou, ao qual foi petrificado ao entrar na zona do sigilo de Nihaya.
— Theo lutou contra essa coisinha feia? — brincou Carl. — Mas era forte, hein…
“Isso!” pensou Bastien, subindo os degraus do altar de Nihaya. “O sigilo de Nihaya ainda está aqui… Será se… Não! Eu tenho que conseguir falar com ele!”
Parando no topo do altar, numa roda iluminada por uma luz azul e suave, Bastien pensou: “Nihaya, está me ouvindo?”
A voz de Bastien atravessou quilômetros apenas para tocar a mente do djinn. De braços cruzados dentro da câmara de âmbar, Nihaya assistia à Kyle e Selina batalhar em uma troca de golpes entre o sol e a lua.
Um enorme Halo de chamas tomou as costas de Kyle, que desviava dos cortes intensos de Selina. Posteriormente, o seguidor de Surya conjurou um feixe de chamas e disparou.
Selina, portanto, desviou e contra-atacou Kyle pela lateral.
“A furtividade dela está perfeita…” ponderou Nihaya. “O passo das sombras também melhorou infinitamente…”
Movendo-se pelas sombras causadas pelas chamas de Kyle, Selina surgiu distante do conjurador do sol.
— Esse seu passo das sombras está irritante! — exclamou Kyle, disparando outro feixe de chamas.
— Esse é pior! — disse Selina, surgindo atrás de Kyle.
Em seguida, outras duas silhuetas surgiram ao redor de Kyle. Cópias perfeitas da própria Serach.
— Clones das sombras! Que chatice, Selie!
Uma explosão de chamas tomou a câmara. Ao cessar do feitiço, ambos se ergueram novamente com um sorriso nos rostos.
“Nihaya!” a voz de Bastien ecoou para o djinn.
“Hã?” pensou.
“Está me ouvindo?” Bastien reforçou.
“Aparentemente estou…”
“Idiota! Me tire daqui!”
“O que aconteceu? Sua voz está ansiosa…”
“Me localize e… e entenda o motivo!” gaguejou apressadamente.
Concentrando-se para encontrar a posição de Bastien e os dois agentes de Alsuhindr, o djinn surpreendeu-se com a localização.
Era… impossível.
“Como vocês foram parar aí?!”
“Não sei! Os dois domínios estão no mesmo lugar…”
Arregalando os olhos, Nihaya estalou a língua em desespero.
“Droga! Os outros dois estão com você?”
“Sim…”
“Ótimo, peça para que…”
Subindo os degraus do altar, Carl e Malcolm tentaram ler as escrituras ao redor. Porém, antes que pudesse achar um idioma que eles entendessem, Bastien os chamou.
— Venham até aqui!
— O que foi? — perguntou Malcolm, pisando no topo do altar.
Bastien suspirou libertando o corpo. Seus braços relaxaram e a expressão preocupada se tornou calma, porém, ainda ansioso pelo que estava acontecendo tão repentinamente.
Estalando os dedos para descontrair a ansiedade, Bastien se virou para seus companheiros e buscou palavras.
— Não importa se tua fé for abalada, se tua verdade for desmascarada, ou se tua confiança for assassinada… Apenas me prometam que ficarão calados e não contarão a ninguém sobre isso…
— Sobre o quê?…
A luz azul suave se intensificou caindo sobre seus olhos. Semelhante a uma cortina descendo para refugiar os atores numa peça de teatro, um pequeno sol azul iluminou o topo da estrutura.
Descendo lentamente à medida que flutuava, Nihaya, em sua aparência humana e verdadeira, o mesmo imperador que enviava suas ordens para Malcolm e Carl, se revelou como uma figura etérea.
Levitando suavemente, Nihaya adotou uma expressão confusa e irritada, ainda assim, objetiva e com sede de entender o que estava acontecendo.
Nihaya tocou o chão logo atrás de Bastien, encarando seus dois soldados fieis. Os protetores de sua filha.
— Imperador? — disse Malcolm, gaguejando.

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