Capítulo 186 — O primeiro trovão
“Quanta chatice…” resmungou Artur, sentado em uma torre no centro da zona comercial do Complexo Nerai.
Ele esfregou os dedos nos cabelos quase raspados e esverdeados, expressando um cansaço tedioso. Artur havia sido designado para cuidar da segurança do Complexo Nerai ao lado de sua Legião, enquanto Malcolm, o general, estava na expedição pelas catacumbas.
O final de tarde sempre era doloroso, não importa em qual profissão. Quando o expediente está perto de acabar, mas outras funções surgem inesperadamente; cansam a mente e causa o desanimo completo.
Artur estava passando por esse tédio: alguns vendedores pendurados nas bancas, esperando apenas o relógio bater para que pudessem ir para casa. As pessoas, apressadas e desesperadas, corriam em busca do que não conseguiram realizar durante o dia.
Mas, para alguém que estava designado a passar dia e noite vigiando aquelas ruas, esse ciclo maldito não era nada além de um detalhe.
Artur sabia que a probabilidade de algo acontecer era baixa, mas não zero. Ainda assim, ele esperava, ao menos, um momento para se alongar.
Cansado, ele tocou o ouvido.
— Sara, como está indo na Cidadela d’El Dios? — perguntou sem um tom de voz expressivo.
Sara custou alguns segundos para responder, mas foi ligeiramente objetiva.
— Os fiéis estão caminhando para a escadaria da Catedral de Dür novamente, nada de novo… Deve ter outra missa em duas horas, então, estão se preparando — respondeu — E pelo Complexo Nerai?
— Nada de novo… Não teve nenhum daqueles criminosos?
— Nadinha. Estão comportados, até… Todos os estabelecimentos que o Nietsz mapeou antes estão sendo vigiados pelo Esquadrão da Santa Teresa, e eu e Jess estamos vigiando o Bispo Jósia e o Padre Elias durante dia e noite. Como está indo o auxílio de patrulha com os Korv’s Nerai?
Artur suspirou, relaxando o corpo.
— Tedioso! Não tem nada para eu fazer, pô! Prefiro treinar com vocês…
— Quanto desânimo, Art! — berrou Jess, indevidamente alterada. Sua voz estrondou pelos fones de Artur e Sara.
— Jess?! — exclamou Sara, pondo o microfone dentro da boca. — Caralho! Você saiu para beber novamente?!
— Nada a ver, mana… Tô boa toda. Olha, o Bispo e Padre estão organizando o altar aqui. Quer vir vigiar eles não? Tô meio mal…
— Porra! Por quê será?!
“Ela tá xingando bem, hein…” pensou Artur, vendo o linguajar de Sara.
— Tá, tá! Deixa que eu vou! Chama o Titã Javier para te cobrir e volta para o Castelo.
— Precisa não! — berrou novamente.
— Sim! Pra ontem! Art, até mais.
— Até… — disse perdido.
Artur suspirou querendo rir, mas manteve controle. Ele estendeu a perna para fora da torre e olhou novamente para o horizonte.
O céu estava se tornando laranja, enquanto o enorme complexo Nerai estava se dissipando em um fim de dia comercial.
Artur notou que alguns membros dos Kov’s Nerai, a elite militar do clã Nerai, estava se mantendo presente naquele fim de tarde — um comportamento irregular para eles.
Foi quando, por decisão própria, ele entrou nos canais de comunicação dos Nerai.
— Central, aqui é do Polo 01. O traidor não foi relatado.
“Polo 01? Estou bem próximo, não?”
Artur levantou-se e se equilibrou no alto da torre, vislumbrando todo o Complexo Nerai com exatidão. Ele estava no Polo 03, pouco mais de meio quilômetro do Polo 01.
Antes de se locomover de área sem aviso e permissão do clã Nerai, Artur saltou rapidamente entre os telhados, para descer com mais velocidade, até cair na calçada ao lado da patrulha.
Ele caiu poucos metros à frente, evitando contato surpresa — os Kov’s Nerai eram extremamente rigorosos, e contato pelas costas poderia ser interpretado como um ataque surpresa.
— Olá, membro do exército de Alsu. Podemos lhe ajudar? — indagou um dos guardas, deixando seu grupo e se dirigindo a Artur para uma conversa privada.
— É…
Artur pensou em como iria falar que escutou o canal de comunicação do clã Nerai sem permissão. Mas, ele preferiu não esconder.
— Como o dia estava tranquilo, decidi escutar o canal de vocês, e escutei sobre um tal de traidor. Podemos ajudar de alguma forma?
O guarda sentiu-se ofendido por um momento, mas, logo hesitou. Ele aceitou gesto de Artur com bom grado.
— Há um ex-membro dos Kov’s Nerai, Aklazir Bond’Mer, responsável por furtar de alguns comerciantes do Complexo Nerai. Estamos casando ele, pretendemos encontrar antes da meia-noite.
— Por que um membro da elite estaria furtando comerciantes?
Antes que Artur concluísse, o guarda interrompeu afirmando:
— Ele não é membro do clã Nerai. Foi um forasteiro, refugiado de Alsuhindr. Apoiamos sua família… Mas ele decidiu nos trair por algumas misérias moedas. Agora, ele furta dos comerciantes para vender aos traficantes fora do nosso complexo…
— Entendi…
Os Nerai jamais iriam assumir pequenos, ou qualquer tipo de furtos dentro do complexo. Lá dentro, tudo é estritamente comandado e protegido. É como um bairro governado por um rei ditador… Mas, que volta suas energias para destruir o crime organizado.
Traidores eram repudiados até após a morte.
— Como posso ajudá-los? — indagou ao guarda.
— No momento? Alertando seus companheiros… Apenas isso.
Sem expressar gratidão, o guarda virou as costas e caminhou para seus companheiros.
***
O sol tocou o antigo campo de batalha. Agora, sem nenhuma vida e vegetação, o lugar que antes era a basa da árvore do mundo, serviu apenas como um enorme palco de memórias.
As nuvens estavam afastadas do local, abrindo um buraco enorme no céu. O calor incessante do sol queimava as costas dos agentes, que admiravam com paixão o ambiente.
Parecia que o próprio chão contava uma história única.
Bastien, no entanto, manteve-se aflito durante todo o tempo. A energia de Zethíer ainda estava na atmosfera, mesmo que o combate tenha sido há dois meses.
— É sobrenatural — comentou o Arauto de Hades.
— Todos eles são — afirmou Nihaya, agachado e analisando a estrutura que foi deixada após o confronto. — É… Conclui. Estamos longe do continente, quase do outro lado do mundo. É uma pequena ilha, um novo continente…
— Está tudo no mesmo lugar? — perguntou Bastien, olhando para o céu.
Nihaya assentiu que sim.
— O reino onde seu Titã lutou contra um Dragão, onde eu os conheci a princípio. Onde a tumba de Ceptos se encontra…
Os olhos do imperador se arregalaram. Uma conclusão precipitada havia lhe despertado um sentimento que djinns não costumavam sentir.
Um sentimento que fazia o coração acelerar e a mente embaçar… Os dedos tremerem e a voz falhar no momento errado…
O medo.
— Temos que ir embora — decretou Nihaya.
Malcolm, ao escutar aquele tom de voz vindo de seu imperador, ficou preocupado. Embora perplexo por descobrir a verdadeira identidade de Nietsz, o que mais lhe surpreendeu foi aquela expressão que Nihaya estava esboçando.
— Por qual motivo? — perguntou Bastien, desprezivamente.
‘Serach!’ exclamou Nihaya, entrando em contato com Selina por pensamentos.
“Oi?” respondeu, completamente assustada.
‘Chame o loiro e todos os membros da Quinta Legião. Convoque Marelia e seus capitães enquanto estou retornando…’
“Onde você está?”
Estreitando os olhos e olhando para o chão, Selina pôs os dedos nos lábios.
‘Em um lugar que não deveria existir. Escute… Todos vocês.’
A voz de Nihaya estrondou pela mente de todos os agentes da Quinta Legião, exceto por Theo — que ainda estava em seu plano espiritual. Parando suas tarefas ao reconhecer a voz do djinn, atentaram-se ao aviso.
‘Os Emissários de Bvoyna… Estão todos neste mundo.’
Aquela afirmação travou a garganta de Zypher. O agente estava quieto, focando em sua respiração enquanto escutava Nihaya engajar sua informação.
Seus olhos se arregalaram, quase soltando da face.
“Puta merda…” pensou, abismado.
‘Zypher, notifique ao Theo, agora!’
“Mas… Ele está no plano espiritual dele…”
Nihaya se calou, deixando o corpo relaxar. Ele não poderia arriscar acordar Theo repentinamente — poderia, de alguma forma, prejudicar o desenvolvimento de Theo sob o plano espiritual.
‘Certo. Deixe que eu resolverei isso.’
Levantando-se, Nihaya virou o corpo para os agentes que o acompanhava, mostrando seu rosto pouco desesperado.
— Imperador? O que faremos? — indagou Malcolm, extremamente aflito. Suor frio escorria pelo rosto.
— Apressar as coisas. Eu e Malcolm passaremos por Alsuhindr e notificaremos à imperatriz sobre a situação. Vamos levar Alsu até Kiescrone nos próximos dias…
Nihaya roeu os dedos; pela primeira vez diante seus braços direitos.
— Bastien, Carl. Vocês dois irão até essa localização. Tomem cuidado! Não sabemos se os Emissários já estão em Kiescrone, ou estão escutando nossa voz nesse exato momento.
Pegando um pequeno mapa projetado rapidamente pelo djinn — feito com projeções de energia — Bastien fez uma cara estranha.
— O que eu devo fazer aqui?
— Pegar o máximo de informações na Tumba de Ceptos. Iremos entregar à Aidna, para que ela possa desenvolver o experimento do antigo Alquimista de Cepheus… Será uma das nossas salvações — explicou, de forma apressada e ansiosa — Malcolm, vamos.

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