Capítulo 190 — Primeira Pintura: O Traidor (2)
Paralisado, Theo abriu os lábios.
— Creio que seja nosso primeiro encontro, General Mason. Ou posso chamá-lo de Theo? Igual Nik’Hael te apresentou a mim… — disse Nietsz, o verdadeiro e legítimo braço direito do Imperador de Alsuhindr.
Theo engoliu em seco.
— Oh! Não falará nada? — perguntou olhando para Nihaya, enquanto descia o último degrau da escada.
Passeando pelo pátio, contornando os três no centro, Nietsz agiu como se estivesse encenando.
— Finalmente, imperador. Estou aqui, livre, vendo o sol! Já que me deixou no Castelo de Alsu, me proibindo de sair, para que eu não estragasse a fantasia do glorioso Imperador Nihaya, pois não podiam nos ver no mesmo ambiente enquanto estivesse nessa… Forma.
Ao chegar próximo de Jeanne, Theo empurrou a princesa para trás de suas costas e a protegeu como um escudo. Nietsz trocou um olhar sereno com o general, mas continuou andando até Nihaya.
— Mas, veja bem. Estou aqui, para que tudo aconteça perfeitamente! — berrou, parando ao lado de Nihaya. — Em nome do Pai.
— O que você quer? — cochichou Nihaya, encarando a alma de Nietsz carregando o último sentimento que um djinn deveria sentir…
O ódio mais genuíno de todos.
— O que foi? Estou explicando quem eu sou…
Dando passos largos e chamativos, Nietsz olhou para Jeanne.
— Nihaya, não acha que ela está cansada?
Engolindo em seco e recuando o rosto, Jeanne deixou seus pensamentos falarem.
— Nihaya? Do que fala, seu transmorfo? O pai não está aqui. Ele não veio com a mãe… — Jeanne disse, se recusando a crer nas palavras de um invasor.
— Ele não veio… Ele sempre esteve aqui! Desde o momento em que você deixou os portões de Alsuhindr, princesa. Ele sempre esteve com você!
Os olhos de Jeanne, caídos e desacreditados, correram para encarar Nihaya.
Ela não quis acreditar.
Criou fantasias… mentiras…
Mas, ela tinha que acreditar.
— Vamos, imperador! Mostre tua face! Mostre quem tu és para tua própria filha, covarde! — gritou, abraçando Nihaya por de trás e chacoalhando o corpo do imperador.
— Ele é covarde? — disse Theo, com um tom que escondia o desespero momentâneo. — Ou será tu, aliado de Cepheus?
— Aliado? Achas que eu sou aliado? Como é mesmo o termo que você utilizou para se referir ao Apóstolo?…
Nietsz pôs a mão no rosto, fingindo estar pensando.
— Ah, claro! Um avatar! Nihaya… Diga… Quem é o Emissário conhecido por manipular pensamentos e sonhos? O mais poderoso entre os filhos do Pai…
— Noxiz…
— Noxiz! O todo-poderoso Senhor da falsa vida! — comemorou, afastando-se do djinn.
— Um avatar de um Emissário? Você é um lixo mais descartável do que imaginei… — disse Nihaya, finalmente se mexendo.
Ele se virou para o traidor; a faca nas costas que ele carregou sem perceber.
— Descartável?
O ego de Nietsz havia sido atingido. Contorcendo a face, tentando recuperar o orgulho, retornou dizendo:
— Ora, não me chame disso, imperador. Fui útil por muito tempo para ti.
— Theo… — murmurou Jeanne, agarrando a cintura do general.
Mas, antes que ele pudesse escutar as palavras da pequena deusa, Nietsz interveio novamente.
— Oh, pequena princesa. Theo? Você é mais inteligente do que isso… Ou, deverá ser pelo cansaço de estar tanto tempo procurando uma solução para essa guerra?
— Do que você tá falando? — Theo inquiriu, montando uma postura defensiva, mas agressiva.
— Do que será, Liam Mason?
Os olhos de Theo se abriram em alerta.
— Você sabia, lady… Seu amado general, e honorável pai, os dois homens que você mais sente o coração ferver, são os culpados por segredos que jamais contariam a você…
— Do que… — Jeanne olhou para os olhos de Theo, que estava tenso.
Primeiramente, seu pai estava sendo exposto daquela forma.
Agora…
— Seu general reencarnado não poderá fazer muito.
A surpresa nos olhos de Jeanne não poderia ser mais mórbida. Ela olhou para Theo novamente; agora, este estava completamente furioso e confuso.
Sua confusão, no entanto, logo cessou e deu origem a uma conclusão.
— Não sabe, né? Mas, no mundo real, este homem à sua frente é Liam Mason, o general egoriano mais forte de todos. Você causa um tumulto enorme entre os deuses, Liam. Foi o que eu soube pelo avatar de Belial.
Nietsz passou para o lado, longe de Nihaya.
— Essas mãos que te protegem…
Agarrando firmemente a cintura de Jeanne, o general se manteve direcionado para o traidor.
— São banhadas por um sangue tão puro e inocente…
Cerrando os olhos, Theo escondeu o rosto de Jeanne — que tentava o ver.
— Criador das chamas da morte… O homem que negou o sentido da vida, e abraçou uma falsa justiça… Agora, lhe pergunto, Liam… Com toda tua vida, você é tão diferente de mim?
Ele baixou a cabeça. Se escondeu através do próprio ego…
Jeanne tremia, não aceitando as palavras, acreditando que Nietsz estava mentindo.
Por uma parcela…
A verdade era absoluta.
— Vocês não são diferentes de nós! Então, por que nos demonizam?! Por que nos tratam como seus inimigos?! — Nietsz bateu no peito. — Somos iguais! Moedas repetidas, ração de um mesmo saco!
— A diferença é que… — disse Theo, levantando o rosto lentamente. — Para mim, você está errado. E apenas a minha verdade é o que importa.
Apontando para o jovem general, Nietsz assentiu como se concordasse, mas, seu ponto estava comprovado.
— É aí que a verdade se torna relativa…
— É aqui que a verdade se diverge. Você e os Emissários escolheram um lado. Uma moeda não possui o mesmo símbolo; apenas um valor. Somos moedas diferentes, Nietsz. Grãos diferentes… Você está mentindo, está errado.
Empurrando Jeanne levemente para trás, Theo ameaçou soltá-la para diminuir a distância entre ele e Nietsz, porém…
“Não a deixe!” exclamou Nihaya, entrando em contato com a mente de Theo.
Rapidamente, o general agarrou a princesa novamente.
— Liam Mason ficou lá, largado, sozinho, com um buraco no estômago no meio de uma guerra. Mais uma guerra… Uivos da morte, semblante de seus cavaleiros correndo pelas árvores… Até a lua sangrou. Olhe nos meus olhos, Nietsz.
O traidor virou o rosto para trás, onde o reino de Kiescrone era banhado pelos últimos raios de sol.
— Olhe nos meus olhos!
Dando um leve salto de ombros, Nietsz se assustou com a atitude de Theo. O avatar de Noxiz ficou incrédulo e admirado.
— Acha mesmo que eu me importo com isso?! Acha que eu ainda carrego esse fardo?! Vocês querem que sim, não é? Por que se Belial sabe quem eu sou, vocês temem quem eu serei…
— Justamente… Achei que você iria ficar intimidado, mas, Nik’Hael viu errado. Será um prazer lutar com você nos próximos dias, Theo. Nos próximos dias…
Passando para o centro da escada, com o reino de Kiescrone à paisagem. Virando o corpo para os três, Nietsz abriu os braços, esticando para frente.
— Eu vim aqui, falei coisas sem sentido, explanei seus segredos… Arrisquei tudo. Mas, um enredo mal feito como este deve seguir um detalhe mais belo… Uma pintura deve se organizar diversas vezes para esconder o erro de seu artista.
“O que esse cara tá pensando?” Theo perguntou para Nihaya.
“Em nada. Eu… Não posso ler sua mente…” O imperador disse, armando a postura.
“Você não vai…”
“Moleque…” A voz madura de Nihaya interrompeu todas as ações de Theo. “Que o mundo acabe, mas… Não solte a minha garota.”
— Estou aqui como um verdadeiro Emissário! Assim como um anjo desceu há seiscentos anos em Midgard para ser o emissário do salvador da humanidade, eu estou aqui para anunciar a minha própria salvação!
— E ainda quer discutir sobre a minha verdade? — Theo zombou, buscando tempo para Nihaya.
— Vejam, gênios e deusa… O teatro, as pinturas, a ação que preparamos para vós… Esta foi a primeira pintura. Agora vejam, com seus olhos cansados, a segunda pintura da arte de uma guerra!
Subitamente, o chão de toda Kiescrone tremeu.
Assustados, Theo protegeu Jeanne enquanto tentava detectar a fonte daquele tremor. A base da montanha do Castelo de Zal chacoalhou: tijolos se racharam, nuvens desapareceram, o mundo rugiu…
Juntamente ao terceiro tremor, uma nuvem de fumaça subiu da enorme cratera no centro de Kiescrone. Chamas incendiaram um local vital para Zal.
Theo arregalou os olhos, tentando esconder o rosto de Jeanne em seu peitoral; mas, a pequena deusa ainda conseguiu ver aquela catástrofe.
Um pequeno sussurro vazou da boca do general…
— O Complexo do clã Nerai…
Novamente, o mundo rugiu. Porém, o rugido desta vez foi próximo a um berro de dor, uma desconexão com o céu.
— O céu… Está caindo…

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