Capítulo 191 — Segunda Pintura: As Cinzas do Orgulho (1)
Uma hora atrás.
— Central, falo do Polo 06. O Traidor foi avistado — informou um membro do esquadrão de patrulha do Clã Nerai, com a voz ofegante por estar correndo nas vielas.
Onde a luz das lâmpadas não mais iluminavam com clareza, sentado num banco confortável e pequeno, com os braços relaxados nas pernas, o Patriarca do Clã Nerai, Amaitryra Nerai, escutava os anúncios de olhos fechados.
Logo a frente do Patriarca, onde duas lâmpadas amareladas criavam um círculo de contraste, Metcroy observou friamente. Com as manoplas cruzando-se nas costas, o Emissário da Força analisou a estatura de Amaitryra: era um mistério.
Um homem magro e definido, com longos cabelos pretos dominados por fios brancos, vestindo roupas pretas e vermelhas largas — com uma faixa azul na cintura.
— Central, estamos em perseguição! Um dos membros do exército de Alsuhindr está nos auxiliando na captura!
Ao escutar a citação do membro do exército de Alsuhindr — no caso, Artur — Metcroy se mostrou prestativo.
— Quer que eu vos ajude nessa captura? — indagou o Emissário, sendo interrompido friamente pelo Patriarca.
— Não será necessário — disse de olhos ainda fechados, com um tom determinante. — Lhe chamei aqui apenas para dispensar seus serviços, como membro da aliança entre as famílias Dür e Nerai.
Levantando-se do banco, Amaitryra caminhou para uma estante no fundo do cômodo, sendo pouco iluminado.
— A relação entre as duas famílias se sustentava a partir de uma promessa de casamento entre Amira e Gerdir, o filho de Pendaculos com uma de suas concubinas. Mas, após nossa reunião de ontem, Pendaculos e eu chegamos a conclusão de que, tanto nossas ideologias quanto nossas atitudes são completamente divergentes. Portanto…
Abrindo uma das portas da estante, o Patriarca exibiu onze suportes para espadas; cada um segurava uma espada diferente — desde catanas até espadas mais sofisticadas — sendo que a décima primeira espada encontrava-se descansando na bainha pendurada no cinto de Amaitryra.
Cada espada só poderia ser suja com o sangue daqueles que romperam um dos dez mandamentos do Clã Nerai, sendo eles, respectivamente; seguir ao Patriarca e suas escolhas, não importando a quem se alie…
Não desperdiçar palavras para insultar seus semelhantes; não insultar a honra daqueles que lhe deram a vida; não furtar; não trair o Clã; não desrespeitar o domínio do irmão; não pecar contra a alma; não seguir o coração; não influenciar os outros a caminhar pelas sombras; e, por último e o mais inquestionável entre todos os mandamentos; não tirar a vida de uma pessoa.
Aklazir Bond’Mer, o traidor do Clã Nerai, cometeu o rompimento do quarto e quinto mandamento. Portanto, sem pensar duas vezes, o Patriarca dos Nerai resgatou as espadas quatro e cinco da estante, amarrando-as firmemente na cintura.
— Metcroy, você tem vinte minutos para retirar todos os homens de Pendaculos do meu complexo. Após isso, os portões de Dür serão fechados e, todos os que estiverem desse lado, mas pertencerem à ideologia daquele falso profeta, serão capturados como prisioneiros de guerra.
Os olhos do Emissário brilharam como a estrela mais bela.
Aquilo significava…
— Vossa Alteza tem absoluta certeza de que esta é a tua vontade? — indagou Metcroy, escondendo um sorriso sádico por debaixo de uma feição estupefata.
— Sim… Diga a Pendaculos que esta é a minha declaração de guerra à família Dür e suas demais linhagens, assim como é a declaração de aliança entre as famílias Nerai e Zal. Assim, então, está declarado o rompimento de laços.
— Entendido… — respondeu Metcroy, sem medir esforços para revelar o sorriso mais sádico que aquela bela feição poderia orquestrar. — Sendo assim, creio que seremos inimigos de guerra na próxima vez em que nossos olhos se cruzarem.
Observando de canto enquanto terminava de equipar as duas espadas, Amaitryra deixou que um único e repudiante sentimento tomasse o coração: nojo.
Ele sentia nojo, e também piedade, de Metcroy.
O cenário na mente daquele homem era… Nojento, digno de pena. Uma mente tão perturbada que não deveria agir na realidade.
— Não é como se você não desejasse isso desde o momento em que nos vimos… — disse Amaitryra, fechando as portas do armário. — Eu sinto pena de você, Metcroy. Você não irá sobreviver para ver o último raio cair nessa terra…
— Eu não preciso! — respondeu com um sorriso vislumbrante. — Se o Pai for o causador, e a verdadeira presença nesse último instante, meu objetivo estará cumprido.
— Viver para os outros…
Rindo, Metcroy virou-se de costas e agarrou a porta que transitava entre o cômodo e pátio externo. Encarando os dois guardas ao lado de fora, o Emissário da Força inclinou o rosto à cima do ombro e retrucou:
— Esses homens e mulheres não são diferentes.
Puxando a porta violentamente, Metcroy deixou o Patriarca do Clã Nerai à mercê da escuridão.
Enquanto descia os degraus, o Emissário sentiu um leve desconforto — algo que ele julgava irrelevante noutras ocasiões, mas, naquela foi motivo de alarde.
Para a Sala do Trono, um pequeno cômodo isolado do restante do Casarão Korv’s, havia um enorme pátio onde, à esquerda, jovens eram treinados e, na direita, soldados participavam de sessões intensas.
Assim como ao redor da pequena rua que ligava a Sala do Trono ao Casarão Korv’s, soldados armados ficavam virados observando os aposentos do Patriarca.
Sufocado, continuou caminhando cabisbaixo e evitando olhar para os soldados.
“Metz, onde você está?” perguntou mentalmente, com um sorriso neutro no rosto.
“Estou na torre… Como planejamos. A garota está comigo, fazendo o que você instruiu.”
O Emissário do Céu, vendo Amira cortar fibras de palha com uma faca no canto de um cômodo luxuoso: embora simples, era bem iluminado e decorado perfeitamente como o quarto de uma princesa.
Entretanto, no canto onde Amira estava, fardos de palha estavam sujando o lugar, espalhados desajeitadamente.
“Ótimo… O pai dela acabou de me dispensar e declarou guerra contra o Pend…” disse Metcroy, entrando no Palacio Nerai.
Os olhos de Metzerai não esbanjaram surpresa: na realidade, ele já esperava aquela atitude. Estava preparado para ouvir aquelas palavras.
“Então…” Metzerai suspirou.
“Nosso plano está sendo executado. Aklazir Bond’Mer está arrastando as cortinas para o teatro.”
Correndo por uma viela movimentada, um homem de cabelos e barbas grandes, vestindo trapos bege, derrubava caixas de mercadorias e saltava por cima de tendas.
Os comerciantes, que ficavam o amaldiçoando, tentavam derrubá-lo ao chão para ajudar o esquadrão de captura.
— Central, estamos no corredor trezentos e vinte! O fugitivo está causando prejuízos aos comerciantes! — Um guarda notificou, correndo alguns metros atrás de Aklazir.
“Pela minha família…” pensou Aklazir, correndo por debaixo de uma bancada ao ver que um grupo de pessoas se reuniam para o impedir.
Logo em cima, uma nuvem de areia densa subiu ao vento. De repente, quando Aklazir cobria os olhos, Artur surgiu descendo o pé em um chute de calcanhar.
Contudo, usando apoio do chão, o fugitivo deslizou para o lado de desviou do ataque. Enquanto o agente de Alsuhindr se recuperava, Aklazir levantou-se e correu para fora da tenda — pois cidadãos estavam prontos para pular em suas costas.
Ao sair, derrubou uma pilha de caixa de madeira logo na saída da viela.
Artur, não ficando para trás, saltou rapidamente por cima das caixas que ainda se quebravam ao chão. Chegando fora da viela, o agente de Alsu ficou irritado: era mais uma rua cheia de tendas, barracas e carroças comerciais.
— Aí já virou putaria… — disse Artur, suspirando.
Passados alguns segundos, Aklazir entrou numa pequena loja de conveniência: infiltrando-se no armazém da loja e, em seguida, saindo pela rua dos fundos em mais uma viela apertada.
— Se você fizer isso, prometo que sua família ficará viva e não sofrerá nas mãos do Patriarca.
Após prometer para Aklazir, um membro da guarnição do clã Nerai ficou em silêncio, esperando a resposta do estrangeiro.
— Você… Tem certeza disso? — perguntou Aklazir, relutante. — Eu só quero sair…
— Tenho certeza. Vocês ficarão bem. Enquanto chama a atenção dos Korvs Nerai, iremos tirar sua família do complexo. Então, quando for preso, voltaremos e iremos lhe tirar da prisão…
— Ninguém foge da prisão dos Nerai! — Aklazir respondeu nervoso.
— Nós fugimos. Apenas faça o ordenado…
“Pela minha família…” pensou, correndo novamente por uma viela movimentada.
Suor escorria pelo rosto, as pupilas dançaram perdidas.
As pernas de Aklazir fraquejaram…
“Eu preciso chegar lá… Pela minha família!”
Vendo a luz no fim da viela, iluminando a rua que ligava diretamente ao portão do Complexo Nerai, Aklazir sentiu que poderia fugir.
Seus olhos encheram de lágrimas.
Se ele saísse por aquele portão, Aklazir não era mais um problema do clã Nerai; agora, respondia a Pendáculos. E, por Pendáculos estar ao lado de Metcroy, o traidor dos Nerai estaria salvo junto de sua família…
Era uma mentira, lógico.
Metcroy jamais iria falar a verdade. A ideia era totalmente outra.
A razão por usar Aklazir como traidor, era unicamente para chamar a atenção de todo o clã Nerai: enquanto as forças estavam voltadas para prender um traidor, Metcroy e Metzerai tiraram Amira do complexo.
Assim, Amaitryra não veria que sua filha estava além do alcance.
E quanto a família de Aklazir?
Metcroy os matou; desde os dois filhos até os pais idosos.
Um traidor é um traidor, independente de amigo ou inimigo.
Quando estava vendo o portão, a salvação… Quando o sol tocou sua pele… Aklazir caiu de cara no chão. Tropeçando em alguém que o esperava ansiosamente.
— Finalmente te peguei! — anunciou Artur, saltando nas costas do traidor para agarrá-lo e impedir que fugisse novamente.
Tirando uma algema do cinto, Artur pôs o joelho nas costas de Aklazir e o algemou, impedido que pudesse se mover.
— Não! Jovem de Alsu, solte-me! — exclamou Aklazir, com um sotaque forte. — Eles irão me matar! Irão!
O traidor se desesperou ao ver um grupo de soldados correndo na direção deles.
— Não irão. Se tranquilize…
— Vão sim! Eles vão!
Ao chegarem, os soldados do clã Nerai agarraram os braços de Aklazir, deixando que Artur pudesse soltá-lo.
Sacudindo-se enquanto era arrastado até o portão do Complexo Nerai, o traidor gritou até a garganta falhar:
— Ajudem-me! Eles irão me matar! — berrou com intensidade.
Mas, todos os cidadãos do Complexo Nerai queriam aquilo. Ele era um traidor, afinal. Não apenas um traidor, como um ladrão que roubou de humildes comerciantes.
Eles desejavam aquilo.
Descalço, os pés de Aklazir rasparam no asfalto quente.
— Eles irão me matar! — gritou uma última vez.
— Não, eles não irão… — proclamou Amaitryra, surgindo na frente do portão; tal qual foi fechado imediatamente.
O Patriarca do Clã Nerai havia ordenado que todos os portões fossem fechados; e o tempo limite havia acabado.
Naquele momento, o plano de Metcroy foi executado perfeitamente.
— Eu irei — disse o Patriarca.
Artur arregalou os olhos; porém, membros dos Korv’s Nerai tomaram a frente, impedindo que qualquer cidadão tomasse uma atitude.
Uma multidão foi formada ao redor do evento.
— Este homem, acolhido por nossos braços, alimentado por nossos trabalhadores, abrigado por nosso solo sagrado.
Apontando a quarta espada para Aklazir, o Patriarca continuou a discursar.
— Te acolhemos quando seu próprio sangue não mais o queria. Quando sua cultura o abandonou! Demos lugar à sua família, e você nos respondeu com ingratidão! Nos traiu, nos furtou!
A quinta espada foi apontada para a cabeça do traidor.
— Eu havia lhe dado a vida que precisava, e você me respondeu com uma facada nas costas… Por isso, quem for contra a execução imediata do traidor, que levante a mão!
Todos se calaram; era unanimidade. Mesmo que houvesse alguém, ninguém poderia fazer. Morreriam ao lado do traidor.
— Aqueles que estão a favor, que berrem com a alma!
Engolindo em seco, os ouvidos de Artur foram inundados por uma poluição sonora jamais sentida: mais de mil indivíduos, dos vinte mil residentes do Complexo Nerai, berraram até a garganta doer.
Artur, no entanto, encontrava-se paralisado e abismado.
Cruzando os braços com as lâminas para lados opostos, Amaitryra despencou com dois cortes profundos e fluidos, mirando nos ombros do traidor: que, até no último momento de sua vida, pensou que sua família estava viva e segura.
Ele achou que a traição pela liberdade havia valido a pena para quem amou, mas foi a sentença para todos.
Partido ao meio brutalmente, o corpo de Aklazir caiu em frente ao portão que deveria ser a salvação.
Balançando as espadas para tirar o excesso de sangue, Amaitryra as guardou novamente e caminhou na direção de Artur.
Com um toque no ombro, lhe disse:
— Bem-vindo à nossa cultura. Espero que sejamos aliados quando aquele céu se tornar vermelho…
Artur estava paralisado, vendo os soldados limparem o corpo de Aklazir do chão.
— Jrotis, se assegurem de que este jovem soldado de Alsu irá chegar bem ao Castelo de Zal. Apenas vocês deverão sair do Complexo nesta noite.
— Sim, senhor! — exclamou Jrotis, um dos soldados que acompanhava Amaitryra. — Iremos pelo bonde, ou prefere outro…
— Vamos caminhando — disse Artur, cabisbaixo e em tom frio.
Sem objeções, Jrotis o acompanhou até o portão.
Após ter a passagem permitida, o agente de Alsu esperou o portão explodir com as travas. De frente a uma rua escura, onde os postes se acendiam gradualmente, Artur se jogou para trás; sentando-se escorada no portão, refletiu frustrado.
Aklazir tanto o pediu socorro, tanto gritou por ajuda… Mas, teve um fim que Artur o afirmou que não teria.
Os olhos desesperados do traidor inundou as memórias, com o sangue pintando o chão. Embora soubesse do risco da objeção, Artur pensou que poderia impedir. Mas não conseguiu mexer o próprio corpo…
“Eu…” pensou, afogando-se em frustração. “Estou do lado certo?”

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