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    Embora fosse filho de Camille Campbell, uma graduada na Academia de Arte do Norte Imperial reconhecida mundialmente pelo desempenho artístico e dedicação aos estudos, e ainda mais de Ethan Caesar, um gênio por natureza, Theo não demonstrou seu talento nos anos iniciais de sua escolaridade.

    Ele não conseguia se concentrar, aprender e demonstrar interesse durante o jardim de infância. 

    Por um conflito linguístico, Theo desenvolveu uma série de problemas relacionados à comunicação; desde um atraso na fala — balbuciando apenas algumas palavras, e às vezes formando frases sem sentido — dificuldade na escrita e misturando palavras de três idiomas.

    Isso porque em Romerian, império que Theo nasceu, é obrigatório o aprendizado de dois idiomas: romeriano e latim (idioma conhecido por ser universal; todos os moradores da Grande Aliança Mundial devem falar este idioma).

    Entretanto, algumas memórias de Liam Mason residem na mente do Jovem Mestre… Algumas o suficiente para seu amadurecimento ser precoce e falar egoriano.

    O conflito desses três idiomas fizeram Theo não conseguir se comunicar, além da dificuldade em prestar atenção — por estar sempre mergulhando nas memórias de uma antiga vida, embora soubesse que Liam Mason não era ele.

    Para a sorte de Theo, ele estudou na escola pública de Loureto, sendo aluno da renomada professora Beatrice que, mesmo sendo nova, já era conhecida na região como uma das melhores mentoras para crianças.

    Ainda na primeira semana de aula, ela notou o comportamento de Theo antes que seu estado neurológico piorasse.

    — Jovem Mestre, tudo bem? — disse Beatrice, se agachando ao lado de Theo.

    Levantando as sobrancelhas como se estivesse para responder, Theo encarou Beatrice esperando novas palavras.

    Olhando para o caderno de Theo, a professora viu a dificuldade da criança em escrever palavras no idioma nativo. Invés disso, ele escrevia diretamente em latim.

    — Não, Jovem Mestre. Você tem que copiar exatamente como está no acima… Vamos… Alpha…

    Theo traçou o símbolo alfa no caderno, mas saiu imperfeito.

    Beatrice apagou o grafite subitamente.

    — De novo… Alpha… — Ela esperou que Theo repetisse.

    — Al… pha. — disse Theo, separando as sílabas.

    — Beta…

    Invés de seguir o símbolo de beta, Theo escreveu um b casual, do alfabeto latino-romano invés do beta do alfabeto grego.

    Sua professora também apagou.

    — Faça direitinho, para que a duquesa não faça apagar quando chegar em casa. Vamos, você consegue…

    Sem falar uma única palavra, Theo continuou tentando escrever, mas confundindo os alfabetos.

    “Hm… Ele não vai sequer falar suas dificuldades?”

    — Glauben Sie, dass es so besser ist? 1 — Theo perguntou mostrando as letras no caderno.

    “Quê?” Beatrice se assustou.

    Após um silêncio mórbido, Theo resolveu olhar para sua mentora e entender por que ela havia se distanciado.

    Beatrice estava pasma e olhando fixamente para Theo, tentando processar as palavras que ele falara e buscando traduzir para algum dos cinco idiomas que ela tinha fluência… Mas não se familiarizou.

    — O que o senhor acabou de falar? Perdão…

    Theo ergueu as sobrancelhas.

    — Ah… — Theo processou que ele havia falado como Liam Mason. — Senhora… Está melhor assim?

    O Jovem Mestre sorriu desajeitado conforme uma gota de suor descia por sua testa.

    — Hum… — Beatrice fingiu ignorar aquele idioma, mas decidiu olhar o que ele havia escrito.

    Ela se surpreendeu.

    “Isso é sério? Ele não… Escreveu nada certo…”

    Theo havia escrito tudo no alfabeto latino-romano.

    Beatrice, no entanto, não estava decepcionada com àquela situação. Era normal para as crianças daquela sala, exceto pelo fato do idioma falado por Theo…

    “Isso vai parar nas mãos do Sir Ethan.” Beatrice levantou-se e caminhou por dentro das cadeiras até chegar na louça. “Todos os alunos daqui tiveram alguma peculiaridade… Desviantes são realmente complicados, mas essa geração está superando a antiga.”

    Rabiscando algumas informações no quadro, Beatrice respirou fundo e raciocinou.

    “É claro, Beatrice. Afinal, todos dentro dessa sala, incluindo você… São super-humanos.”

    Vilarejo Midian, interior de Loureto

    Ao norte de Loureto encontra-se o maior Vilarejo do ducado, responsável por fornecer algumas das maiores fontes de renda de Lawrence: o trigo, o leite e carne bovina.

    O líder do vilarejo; Michel Hansen, cedeu à Ethan após anos e decidiu se tornar um fornecedor do próprio Duque. Uma parceria que favoreceu a ambos: enquanto o vilarejo Midian foi gradualmente saindo de apenas um aglomerado de casas para uma enorme e uma das maiores fazendas do Estado, o Ducado Lawrence se consagrava como uma das três casas mais ricas do Império.

    Devido à parceria, as plantações de trigo em Midian tornaram-se algo além dos horizontes…

    Campos quase eternos, esbanjando a cor perfeita do trigo quando tocados pela luz do sol.

    Aos olhos de Theo, parecia um campo de chamas… Ele se perdia ao encantar-se com aquela beleza natural.

    Andando de mãos dadas com o Duque Ethan por uma estrada entre a plantação e o bosque, Theo endeusava os campos de trigo.

    Ao lado direito da estrada, estavam as plantações de trigo enquanto os trabalhadores de Midian caminhavam pelas estradas de terra.

    Quanto ao lado esquerdo, estava um dos locais mais perigosos do mundo: o início da floresta das Ninfas.

    Um território natural, capaz de cobrir a maioria do continente com suas matas e clima hostil, é a combinação pura e feroz de inúmeros biomas comandados, primordialmente, pelas criações do mitológico Governante dos Mares.

    Criaturas de origens míticas dominam toda a extensão; seja nos pântanos, nas florestas escuras, nos bosques, nas cavernas…

    Seres mágicos e inteligentes, espirituais, brutais e que não seguem a ética humana. Governados por fadas; elfos negros; druidas e majoritariamente; ninfas.

    Embora 60% do território da Floresta das Ninfas seja dominado pela zona da morte, onde uma onda de névoa mórbida esconde os verdadeiros perigos do mundo mágico, outros 30% fazem parte da zona habitável, onde os humanos ainda podem coexistir com as criaturas.

    Por última, se encontra um lugar tão inalcançável para os humanos, que parece um mito: o coração da floresta. Especulasse que o coração da floresta domina 10% do conjunto de biomas, mas é pura especulação.

    Ninguém andou mais de um quilômetro na névoa da morte para saber o que realmente é o “coração da floresta”.

    E quem andou além desse limite, foi esquecido pela história.

    Theo costumava sonhar com essa névoa; querer vê-la, mas era impossível.

    Portanto, ele vivia apenas na zona habitável, onde a vivência humana ainda é permitida pelos grandes impérios.

    Theo admirou o bosque à esquerda, mas logo retornou a olhar para o campo.

    — Olá! — gritou Ethan, para um grupo de fazendeiros saindo da plantação.

    — Saudações, Lorde Ethan!

    Pegando Theo nos braços, eles caminharam até os aldeões.

    — Onde está o senhor Michel? — O duque inquiriu aos fazendeiros.

    — Ele entrou no bosque com o Iert e Jliner, foram buscar uma quantidade boa de lenha.

    — Está em falta de novo?

    — Não. Michel quis pegar reservas para a casa dele.

    — Ah, sei… — Ethan suspirou. — Edward! Fique com o Theo.

    Edward, que estava na estrada anterior, deu atenção ao seu irmão.

    Pegando na mão de Theo, Edward caminhou ao lado de Ethan e ficou na entrada da floresta, no pé de uma árvore, enquanto o duque caminhou para dentro.

    Sentado e com um graveto encontrado no chão, Theo riscou a areia para passar o tédio.

    Caminhando sozinho por uma trilha do bosque, Ethan passou a refletir sobre alguns conselhos dados por Beatrice meia hora antes.

    Quando saiu do escritório para retirar Theo da escola, Beatrice pediu uma palavra ao Duque e explicou o comportamento do Jovem Mestre Lawrence nas primeiras semanas de aula.

    Infelizmente para Ethan, seu filho não era muito diferente de toda sua linhagem…

    Todos os irmãos do Duque tiveram o mesmo comportamento; uma personalidade reservada pelos primeiros dez anos de vida. Algo que ele verdadeiramente temia. Pois, após crescer, Ethan percebeu que a comunicação era a verdadeira essência da humanidade.

    Ethan sabia que deveria correr contra o tempo, a fim de evitar que seu filho crescesse assim como seus irmãos.

    Embora Theo tivesse somente dois anos e seis meses, para os desviantes, super-humanos com o desenvolvimento cognitivo acelerado, o comportamento não era apropriado.

    Ethan colocou as mãos na cabeça e suspirou fundo, relaxando so ombros enquanto se mantinha atento ao clima da floresta.

    Era outono em Romerian. As árvores estavam amareladas e dominadas por tons quentes, as folhas estavam jogadas pela trilha à medida que Ethan caminhava.

    Um vento úmido balançou as folhas pelo caminho; esses ventos eram comuns em Romerian. Mas o clima do outono trouxe um aspecto único ao ambiente.

    “Amiah… Como você me quebrou? Como me tirou do mundo de gelo, para o calor que eu sou?”

    Ethan coçou a nuca.

    “Ser pai de menina foi tão mais fácil…”

    Thays não demonstrou um comportamento igual ao de seu irmão caçula, quando tinha a mesma idade de Theo.

    “Comparar meus próprios filhos parece injusto…” Ele refletiu. “Talvez eu devesse tomar vergonha e cuidar disso.”

    Caminhando mais alguns metros Ethan parou na frente de um riacho, que corria para o leste, ele decidiu sentar-se em algumas rochas no leito e olhar para o outro lado.

    Sentado e respirando profundamente, o Duque olhou para a floresta das ninfas. O limite da zona habitável; a transição para a zona da morte. Uma névoa começava literalmente quando as árvores tocava o leito do riacho, ficando cada vez mais densa ao longe.

    “Quão longe eu posso chegar? Qual o limite do maior monstro da humanidade, dentro desse lugar?”

    Cerrando os olhos e tendo pensamentos intrusivos sobre entrar de fato na zona da morte, Ethan foi interrompido.

    — Duque Ethan? — Michel chamou ao longe, trazendo uma carga de lenha nos ombros.

    Virando o rosto, os olhos de Ethan se encontraram com os olhos castanhos de Michel; um boné de palha cobria seus curtos cabelos ruivos, enquanto uma barba de mesma tonalidade se estendia para além do queixo.

    — Michel…

    — Tá fazendo o que aí, sozinho?

    — Vim aqui para procurar vocês. Alguns aldeões falaram que vocês estavam por aqui.

    — O que aconteceu? — Michel enrugou as sobrancelhas.

    — Nada de mais, relaxa — Ethan se levantou das rochas — É época de colheita, então…

    — Sim, sim. Está na hora de fornecer…

    — É — Ethan suspirou desconfiante.

    Não era uma atitude nativa do Duque, alguém que costumava ser confiante e cabeça erguida. Aquilo apertou um alarme no líder do Vilarejo de Midian.

    — Iert, Jliner, vão na frente…

    Os outros dois aldeões carregaram a lenha pela trilha, caminhando para a plantação novamente.

    Antes que Ethan pudesse sair, Michel jogou toda lenha que havia pegado nos braços do Duque.

    — Quê?

    — Lady Camille vive na minha casa, entregando livros para a minha filha e neta, tentando ensinar crianças a ler… E às vezes citou o quão criança os adultos podem ser.

    Enquanto recuperava a lenha que havia caído no chão, Michel continuou.

    — Eu vejo quando um homem está com problemas… E você é o único homem de verdade que conheço por quilômetros. O que está havendo?

    Agachando e catando a lenha desperdiçada, Ethan respondeu num tom casual:

    — Meu filho mais novo, Theo, está tendo um comportamento desagradável para mim.

    — Está muito agitado?

    — Não. Ele está o oposto disso… Há alguns dias, ele despertou um núcleo de energia, e temo que isso esteja afetando a cabeça dele.

    Michel saltou com os ombros para trás.

    — O Jovem Mestre despertou como um desviante?

    Ethan suspirou como uma forma de confirmação.

    — O núcleo às vezes cria ilusões, sabe? Principalmente na nossa cabeça… A depender de quanta energia um desviante tem, não importa quantos anos tenha, se entende ou não o que significa poder, nossas mentes são inundadas por pensamentos arrogantes e ignorantes…

    — Você… — Michel gargalhou. — Você acha que o Jovem Mestre, com dois anos, vai pensar assim? Ele é um deus para nascer sabendo, por acaso?

    — Bom… Desviantes são considerados semi-deuses, não é?

    — Para mim, não… — retrucou. — Para mim, vocês são só uns idiotas que aprenderam a como usar a energia do corpo para executar feitiços e coisas grandiosas. Mas, não são deuses, herois, salvadores… Eu não acredito em nenhum desses falsos mensageiros da paz.

    — Então, eu sou um zé ninguém para você?

    — Não… Você é um cara muito forte. O mais forte que meus olhos camponeses já tocaram… Mas, é o cara que coloca dinheiro no meu bolso. Você não é um herói para mim, entende?

    — Mesmo que… Eu salve sua vida?

    — Eu serei grato, mas, nada além disso.

    Colocando a lenha no ombro, Ethan sorriu de canto.

    — Mas… Quanto ao Jovem Mestre… Você está se preocupando muito com uma solução simples.

    Ethan atentou-se às palavras de Michel.

    — Você tem apenas o quê? Vinte e sete anos? Está muito ocupado com a liderança desse ducado, enquanto cuida da sua família. Vocês moram cinco quilômetros fora da capital, longe de qualquer outro vilarejo ou interação que o Jovem Mestre possa ter; tendo apenas uma irmã, um tio, os pais e um bando de empregados.

    Michel deu um tapa no ombro de Ethan e o fez desequilibrar.

    — Como ele vai sorrir, sendo que está preso em uma casa e em escola? Deixa o moleque solto por Midian. Correr, quebrar um braço, rasgar o joelho, se sujar, aprender a xingar, aprender sobre a vida… Vamos, me leve até ele. Eu vou ensinar ele a ser gente.

    Pegando a lenha no ombro direito, Ethan jogou no peito de Michel e disse:

    — Não sei não… Eu vou acompanhar.

    Michel, então, jogou a lenha contra Ethan novamente e reclamou:

    — Ei, ei! Eu sou um velho de setenta anos, vai mesmo me tratar assim?!

    — Você mesmo disse. Estou colocando dinheiro no seu bolso. É para você trabalhar, não eu!

    — Chefe vagabundo… — Michel resmungou virando o rosto.

    — É o quê?!

    — Ah, blá, blá, blá. Vamos, mete marcha!

    Passeando pelas folhas caídas o outono, Ethan e Michel deixaram a névoa da morte cada vez mais longe.

    1. A Senhora acha que é melhor assim?[]

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