Índice de Capítulo

    Correndo apressadamente pela porta de entrada do Palácio da Família Augustus, Sthefanny Caesar estava preocupada e vasculhava uma mochila infantil. Em contrapartida, sentado tranquilamente num banco perto da porta, estava Theo, recebendo um cafuné de Luanne.

    O menino, com o braço esquerdo enfaixado e com os olhos perdidos na situação, apenas acompanhou sua tia procurar defeitos.

    — Estou esquecendo alguma coisa? — comentou Sthefanny, uma mulher ruiva de cabelos cacheados. — Theo, lembra se eu peguei suas roupas limpas com as criadas?

    — Sim — respondeu.

    — Seus cadernos? Seu diário? Tá levando algum lanche?

    — Tia…

    — Luanne, se lembre se limpar o braço para não criar fungo…

    — Tia Sther…

    — Onde será que deixei o caderno de anotações?

    — Sthefanny, ele é teu filho? — indagou Elijah, o tio mais velho de Theo. Assim como Ethan, seus cabelos brancos e longos, no entanto, escondiam um óculos retangular.

    — Não… — respondeu desanimado e descontente.

    — Ainda sim, se preocupa com ele. Que bela tia, não é, Tê?

    Um sorriso sínico incomodou a Theo. Por pura educação, ele concordou com as palavras de Elijah.

    “E você faz questão de obrigar as empregadas a te ajudar a traí-la…” pensou Luanne, virando o rosto para não ter que encarar Elijah.

    Tentando evitar um clima antipático, Sthefanny procurou novamente pelo caderno de anotações que ela tinha feito com Theo.

    Um silêncio constrangedor se estabeleceu apenas com a presença de Elijah. Afinal, sua própria personalidade, sua aura causava a sensação de um clima moribundo e rodeado por falsidade.

    Mesmo Theo compreendia aquela personalidade. Porém, a única que não via Ethan com aqueles olhos era…

    — Tê! — exclamou Chloe, a filha de Sthefanny e Elijah, descendo a escadaria erguendo um caderno preto.

    — Está aí — disse Sthefanny — Obrigada, filha.

    Após entregar o caderno à sua mãe e receber um beijo na testa, Chloe caminhou até Theo.

    — Você vai mesmo embora? — Sua voz infantil ficou melancólica.

    — Uhum.

    — Por quê? — Ela fez um biquinho.

    — Por quê ele precisa verificar o braço dele novamente. E também, precisa ver a mamãe — disse Luanne, com uma voz doce. Agachando ao lado das duas crianças, Darkmoon disse: — Mas vocês estarão juntos em breve. Acredite em mim. Não é, Theo?

    Theo não afirmou nada, pois não sabia do futuro. Eles moravam nos extremos do continentes; Theo morava em Nethuns, Estado sul de Romerian. Enquanto Chloe morava em Zethian, o estado norte do império. Em circunstância normais, eles se veriam em um intervalo de três meses de viagem (cerca de cem dias, a depender dos meses).

    — É sim — confirmou Ethan — Afinal, estudarão juntos nas Quatro Grandes Ordens.

    — Isso vai ser daqui a uns dez anos… — comentou Elijah.

    — Mas, passarão grande parte da vida juntos — disse Luanne, alfinetando Sthefanny com um olhar meigo.

    Entendendo a indireta, Sthefanny deu uma cotovelada na costela de Elijah e pisou em seu pé.

    “Que foi?!”

    Abotoando a manga do terno branco, Ethan concluiu:

    — Vamos rápido? Se sairmos agora, chegaremos no Condado de Lincoln até o anoitecer. Será rápido para chegarmos em Loureto.

    — Ué? Não seria melhor ir por Hardian? Por que vai para outro império? Não quer atravessar o Deserto de Hardian? — perguntou Elijah.

    — O Trem de Durham foi inaugurado há uma semana, pelo que Lincoln avisou. Se pegarmos a rota privilegiada, devemos chegar lá até o anoitecer, e amanhã pela tarde chegamos a Loureto.

    Elijah cerrou os olhos.

    — Mesmo depois do que essas máquinas proporcionaram, você ainda apoia isso?

    — Claro, isso é o futuro. Enfim, vamos?

    Theo assentiu e concordou com seu pai. Luanne se levantou e, após cumprimentar Sthefany e pegar as malas de Theo, se dispôs a voltar para a carruagem.

    Cuidadosamente, Chloe abraçou seu primo, já sentindo saudades antes mesmo que ele se fosse. Aquela dependência passou a preocupar Ethan…

    — Até mais, Chloe! — disse Theo, sentindo uma pontada no braço… O abraço de Chloe foi forte demais para ele.

    — Vai em paz, Tê…

    — Tomem cuidado!

    ☽✪☾

    Assim como Ethan calculou, enquanto o sol estava se preparando para iluminar a outra face do mundo, eles tinham chegado em Gran Empire e estavam indo em direção à região oeste, onde os dois impérios se dividiam.

    O trem de Durham estava funcionando perfeitamente, utilizando o núcleo de energia para impulsionar a velocidade e funcionamentos dos vagões. O conforto do veículo, entretanto, não deixava nada a desejar. Sendo revestido por couro no interior e mobiliado, em suma maioria, por almofadas e evitando utilizar materiais como aço e ferro.

    Aos olhos de Luanne, a decoração era extremamente refinada.

    Theo, no entanto, não aproveitou o conforto. Assim que chegaram na estação, ele havia apagado completamente e só acordou quando chegara em Loureto.

    Com Theo sentado em seu colo, enquanto lhe presenteava com cafunés, Luanne fechou os olhos para tentar descansar minimamente. Ethan, todavia, encarava o caminho escuro fora dos vagões…

    Seu olhar distante expressava nitidamente uma preocupação pertinente. Alguns papeis em suas mãos explicavam bem o porquê. O motivo pelo qual Ethan decidiu passar tanto tempo na capital Athenian:chegar em Athenian cedo e demorar alguns dias, foi pelo seu estado de saúde…

    Ethan suspirou forte.

    “Aquela substância negra…”

    Flashes de memórias inundaram os olhos do Duque, que não sabia ao certo o que aquilo representava. Porém, ao verificar seu estado nuclear…

    Ethan era um desviante com o núcleo mais avançado; para os núcleos positivos e de cores quentes, o núcleo vermelho. Um núcleo capaz de abastecer uma grande capital inteira… Porém, mesmo estando na primeira prateleira dos desviantes, e embora os desviantes não fiquem adoecidos por doenças virais (pelo menos não as mesmas que humanos comuns), nem mesmo o Duque Lawrence está imune dos cânceres nucleares.

    Diagnóstico: Corrosão nuclear; substância irreconhecível.

    Caro Duque Ethan De Lawrence, após algumas sessões e os exames que o senhor trouxera de Loureto, nós, da clínica Fermand Fiorent, diagnosticamos que a substância negra ao qual o senhor entrou em contato, resultou no que chamamos de corrosão nuclear. Uma que, infelizmente, impossibilita completamente o uso das funções de um núcleo. Felizmente, de acordo com nossos estudos, relatamos que essa substância não irá afetar a Centelha de Phanes, mas está bloqueando a liberação da mana pelos canais de chakra. Para isso enviamos instruções aos seus médicos pessoais, a fim de realizarem um tratamento que evite o bloqueio permanente das funções energéticas.

    Rangendo os dentes de frustração, Ethan virou o rosto novamente para a janela.

    Uma vida de treinamento e amadurecimento não foi capaz de sobrepor as doenças que um núcleo poderia aderir. Sua frustração estava cada vez mais apática, tendo em vista que Ethan não seria capaz de proteger sua família… Não como antes.

    Mesmo com a Fênix ao seu lado, ter suas veias de chakra bloqueadas significa regressar a ser um mero humano.

    Ele estalou a língua em decepção.

    “Desculpem-me…” implorou pensando no rosto de seus filhos e esposa “E me deixei ser fraco…”

    — Não — retrucou Luanne.

    Ambos se encararam por um momento e Ethan refletiu o brilho lunar emanado da retina de sua amiga.

    — Esqueci que você lê mentes… — disse Ethan, distanciando-se novamente.

    — Está preocupado em não conseguir protegê-los? Olha… Que besteira. Você é o homem da casa, Ethan. O homem de uma enorme casa, de um Ducado. Seu poder vai além do que consegue conjurar com essas mãos, com a força que pode aplicar num soco. 

    A boca de Ethan se enrugou, como se ele dissesse: é, tanto faz. Mas, para Luanne, não era um tanto faz.

    — Você não era um gênio, não havia herdado poderes extraordinários… Você desenvolveu. Tudo o que você conquistou, foi por mérito próprio. Veja bem, até mesmo renunciou como membro da família imperial, renegando toda fortuna, influência… Tudo isso apenas para se criar.

    — Atitudes egocêntricas escondidas por um falso altruísmo… Foi assim que vivi minha vida inteira.

    Abafando a boca com a palma da mão, Ethan ofegou com os olhos cheios de lágrimas.

    — Eu só lutava porque sabia que aquilo iria me proporcionar a evolução que eu queria… Eu almejava me tornar mais forte apenas para viver mais, viver melhor. Lutava quando não tinha minha vitória garantida, pois eu só queria ficar mais forte e proteger Camille… Joguei minha vida fora apenas para isso; ser mais poderoso. Porém… Que vida eu tenho agora? Me tornei tão forte que fui nomeado de O Maior Monstro que a Humanidade Criou… Eu ainda era até algumas semanas… Mas agora…

    Arregalando os olhos e fechando novamente, para evitar que as lágrimas se aglomerarem e caíssem, Ethan concluiu:

    — Estou com tanto medo de não ver que tipo de homem o Theo se tornará… Que tipo de carreira a Thays vai seguir da vida… Medo de deixar a Camille envelhecer sozinha…

    — E tá tudo bem para você, viver sem ela? Sabe que, mesmo com seu núcleo limitado, você viverá por séculos. Ethan… Eu entendo. Você se esforçou a vida inteira para chegar ao topo, chegou, mas caiu… Porém, você realmente perdeu tudo?

    Theo se mexeu discreta e inconscientemente.

    — Dois filhos, uma esposa perfeita, um irmão maravilhoso… Você não perdeu nada. Tua vez de lutar já passou. Foi um momento breve da vida, mas ninguém luta para sempre. Olhe para mim; tenho mais de duzentos anos, mas não preciso usar minha força há quase um século. O problema não é perder sua força, é perder o que você conquistou com ela…

    Luanne induziu cautelosamente os olhos do Duque ao encontrarem com Theo. O menino dormia como um anjo hibernando, demonstrando fraqueza absoluta.

    — Você salvou Camille de uma família conservadora. Protegeu Edward das garras malditas do seu pai, deu vida à Theo e Thays… — Luanne pausou para engolir em seco, esticando a cabeça com um certo receio das próximas palavras. — Me salvou do suicídio. Veja só, para alguém de só trinta anos, que vive numa sociedade de indivíduos milenares, você é uma criança. Ainda assim, salvou tantas vidas quanto eu já tirei. Sua força não significa nada… Ainda há tempo para recomeçar.

    Ethan coçou os olhos irritados e avermelhados. Fungando sem intervalos, ele olhou para seu filho novamente. Luanne, portanto, continuou a fazer cafunés no jovem.

    — Sabe o que ele vai herdar de você? Além do dinheiro.

    Luanne se referiu novamente a Theo, mantendo o carinho pelo garoto à medida que buscava deixá-lo ainda mais confortável.

    — Como você mesmo disse, sua vida é resumida por alguém que sempre buscou crescer, evoluir… Ser mais forte para proteger quem ama. Você foi a cura para inúmeras pessoas, Ethan. A cura para uma praga chamada solidão. Esse garoto herdou isso de você; ele será a luz na vida de cada pessoa que cruzar o caminho dele. De você, ele vai herdar a exclusiva vontade de vencer.

    Escorando-se no apoio da poltrona, Ethan se aconchegou adequadamente e suspirou fundo. Ele parou para raciocinar, tentando concluir se aquele medo era racional ou apenas uma desculpa para seu desespero.

    Mas, sem deixar o Duque ser tomado por pensamentos melancólicos, Luanne apoiou as pernas no assento de Ethan e reclamou:

    — Para com esses pensamentos e vai dormir! Aquele aldeão estava certo sobre você não ser um heroi. Simples assim. Agora, durma pois amanhã é um novo dia. Não quero ver crianças chorando daqui para lá!

    Surpreso com a rebeldia repentina de Luanne, Ethan sorriu sem jeito e se levantou. Passeando pela cabine, procurou um lugar mais adequado para descansar.

    Acompanhando a velocidade do vagão e usufruindo do vento diurno abaixo do banho lunar, uma coruja branca repousara em guarda, vigiando atentamente os arredores de sua dona.

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