Capítulo 1 - Liam Mason
No leito de morte, Liam se lembrou.
Somente ao Kaiser!
Tu deves seguir ao Kaiser! Tu deves viver pelo Kaiser!
Kaiser adora e serve a Deus, e tu serves ao Kaiser!
Deves baixar a cabeça e ajoelhar-se somente ao Kaiser!
— Kaiser! — gritaram os soldados, numa multidão interminável. Todos rodearam a carruagem do Kaiser Egon IV, imperador de Egon, que desfilava pelo acampamento militar.
Batalhões gritavam aos montes, sorrindo com orgulho do imperador.
— Kaiser!
Na plataforma mais alta da enorme carruagem do imperador, Kaiser Egon IV acenou friamente acompanhado pelo Marschall Vens. Rodeado por ouro e o manto vermelha tingido por fragmentos de diamantes, correu os olhos para analisar criticamente os próprios soldados.
“Frágeis como vidro” pensou Kaiser, sem ao menos fingir um sorriso falso.
— Tantos machucados… — comentou Idna, irmã caçula do Kaiser.
Abaixo da plataforma superior, as duas irmãs mais novas do imperador comentavam, zombavam e criticavam o estado dos soldados que a eles serviam.
Entre eles, Liam era o único a não gritar o nome de Kaiser; mas, o primeiro a se mostrar. Ficou à frente dos demais, com a postura mais densa e destacante entre a multidão. Com olhos afiados, encarou o imperador.
— Olha aquele lá… — disse Idna, apontando na direção de Liam.
Por instinto, os olhos de Kaiser correram para encontrar o alco da crítica da irmã.
— Todo mutilado… Aquele corte na garganta parece ser o pior. Tadinho — comentou fazendo bico.
— A cicatriz na ponta do lábio é agonizante. Mas, ele ainda é bonitinho, não é? — retrucou Kayna, segunda irmã do Kaiser.
— É sim! Irmão, eu quero ele! — berrou Idna.
— Não! Ele vai ser meu! — protestou Kayna, pegando no ombro de sua irmã.
— Quê? Você disse que a cicatriz dele é agonizante! Fica com o outro loirinho dos olhos fechados ali!
Encarando o Kaiser diretamente, Liam massageou a garganta e pigarreou de desconforto.
— As irmãs do imperador parecem estar discutindo, que dramático… — disse James, um agente ao lado de Liam; cujos cabelos loiros escondiam as orelhas e permanecia com os olhos entreabertos.
— Quem se importa com elas? — disse Liam, fazendo uma careta de dor na gargante posteriormente.
— Eita. Você precisa de água, né?
Consumido pelos berros dos demais agentes, que exaltavam o Kaiser apaixonadamente, Liam optou por poupar as palavras. A garganta doeu devido ao corte profundo e cicatrizado, fazendo-o encarar o imperador com uma expressão amarga.
Kaiser, no entanto, sentiu-se ameaçado.
— Der Kaiser… — chamou Marschall Vens, com as mãos cruzadas nas costas. — Aquela é a vigésima sexta unidade, comandada pelo Oberst Hans Mason. Gostaria de destacar os dois indivíduos que…
— Quem é aquele dos olhos azuis, cheio de cicatrizes? — perguntou Kaiser, interrompendo Vens.
Coçando a garganta, retornou.
— Justamente. Aquele é Liam Mason Le Fay, o tenente da unidade. É conhecido por nunca ser ferido em uma missão, mesmo passando um ano na linha de frente contra Mikoto.
— Nunca foi ferido em batalha? E todas essas cicatrizes?
Confuso com a declaração do Marschall, Kaiser franziu o cenho esperando a explicação.
— O próprio pai. Aparentemente, Liam foi membro do programa de reabilitação mental… Existem vários relatos de que o Oberst Hans Mason educava o próprio filho com… Uma garrafa de vidro.
— Ah… — Kaiser resmungou.
— Liam se tornou tenente um mês após iniciar a missão em campo de guerra. Aos dezoito anos.
— Uau. Tenente aos dezoito… — cochichou interessado.
Os olhos de Kaiser brilharam: não por alegria, mas por pura magia. O imperador de Egon não tinha um poder absoluto; mas olhos que tudo veem.
Kaiser podia ver uma manifestação metafísica dos indivíduos, o espirito, cujo se manifestava como um mantra denso de energia, era o símbolo que todos definiam. Uma cor, um significado…
Quanto mais claro fosse a aura de um individuo, mais amoroso, ingênuo, carinhoso e positivo era — logo, mais fraco. Porém, os mais fortes eram o oposto…
Cruéis, abomináveis, monstros. Cores neutras e, às vezes, extremamente escuras.
Porém, quando olhou para Liam, a postura do imperador despencou.
— Tem uma frase que rodeou no último ano… Dita pelas unidades que viram o Tenente Le Fay lutar… — disse Vens, olhando para a expressão do Kaiser.
Os olhos do imperador estavam arregalados numa êxtase perfeita.
— A ciência é o que define as leis humanas, e a magia é a forma que a teoria se mostra para o mundo. Mas, Liam Mason… Está acima do mundo.
O mantra de Liam não portava uma cor desconhecida. Era uma mistura quase diabólica de cores neutras, destruídas, feridas abertas. Uma sensação única, que o coração de Kaiser nomeou impulsivamente: Vazio.
Com um salto sem aviso, Kaiser pousou no campo de barro grosso. O manto vermelho revelou o interior, colorido por azul-royal, enquanto o brilho das pedras de diamante correram ao vento.
Caminhando estritamente para Liam, apossou-se de um sorriso genuíno.
— Você, apresente-se. Etnia e idade… — disse Kaiser, parando frente ao tenente.
— Tenente da vigésima sexta unidade Liam Mason Le Fay, dezenove anos. Egoriano e Le Fay… — apresentou-se, sendo interrompido pelo imperador.
“Só dezenove?” pensou Idna, arrumando-se na cadeira.
— Este é Kaiser Egon IV, seu imperador, tenente Le Fay. Sugiro baixar a cabeça um pouco — disse Vens, tomando a frente do imperador.
— Senhor, perdão! — Uma voz calou o tumulto que berrava por Kaiser.
Hans Mason, pai de Liam, surgiu empurrando o tenente para trás. As medalhas grudadas no peito fizeram Kaiser dar-lhe atenção, pois um Oberst estava se responsabilizando por uma atitude irresponsável do próprio filho.
— Sou o Oberst Hans Mason, responsável pela vigésima sexta unidade.
Puxando Liam pelos ombros, James o tirou do olhar de Kaiser e arrastou para a multidão.
— Maluco… Você sabe que aquele é o imperador, não é? O homem que manda em todas as nossas vidas. Se quiser, ele coloca todo mundo aqui para te matar e… — disse James, agarrando o traje militar de Liam.
— Como se pudessem — retrucou desviando o olhar.
Suspirando com a teimosia, James arrumou o traje de Liam e recuperou a postura.
— Veja só. Esses caras amariam que o Kaiser os olhasse nos olhos por um segundo… Estou mentindo? — perguntou a um soldado qualquer.
— Não! — retrucou, intrigado com a indiferença de Liam.
— Viu? Você sabe ao menos o que isso significa?
Liam virou o rosto e cruzou o rosto, mas atento ao que James contou.
— Irmão… Nos conhecemos na mesma circunstâncias. Um feiticeiro sempre herda um gene de um dos antigos feiticeiros, infelizmente, herdamos de Morgana.
— Eu sei, idiota.
— Me escuta aqui, cacete! — Conteve-se, mas irritado.
Com a alteração do companheiro, Liam o olhou novamente; mas com um olhar afiado.
— Dizem que os genes da família Egon estão sempre relacionados aos olhos: o antigo imperador conseguia detectar a afinidade do seu gene, era assim que escolhia seus Marechais e Generais. Já o Kaiser…
Olhando de lado para o imperador, Liam irritou-se com o sorriso meigo que estava esboçado para ele.
— Pode ver o fluxo de energia que reside em cada feiticeiro. Algo além do que o mundo físico está proposto a entrega. Ele enxerga nosso Weltna… E, para ele, quanto maior for o brilho, mais fraco és. A escuridão nas nossas almas é afetada pela mentalidade e força de um individuo….
— E o que isso deve significar para mim? — perguntou, sua voz rouca perdendo força.
— Cara… Olha a tua vida! O assassino de Xoguns… O duelista da morte… Aquele que causou a morte dos duzentos… Tua vida foi uma desgraça desde que respirou pela primeira vez, como acha que está teu Weltna para o imperador?
Destruído, vazio.
— Tenente, reapresente-se — Kaiser o chamou, deixando o peito estufado. — Já foi até a capital?
Andando entre os soldados, Liam encarou seu imperador nos olhos quando respondeu: — Apenas quando recebi a patente.
Com um sorriso meigo, Kaiser deu um passo para trás. Acompanhado por Vens, caminhou em direção à carruagem em passos convidativos.
— Venha, você e seu sub-tenente.
Com um forte empurrão de James, sendo forçado a seguir o imperador, Liam caminhou em passos firmes e confiantes; sem ao menos demonstrar respeito ao Kaiser.
O tipo de atitude irritou Vens, que o interrogava com o olhar por cima do ombro. Era desprezível, ainda para alguém com alta patente, rejeitar o próprio imperador.
Até por que…
Tu deves seguir ao Kaiser! Tu deves viver pelo Kaiser!
Kaiser adora e serve a Deus, e tu serves ao Kaiser!
— Você deveria baixar um pouco esse nariz, jovem tenente… — Vens sugeriu, quase como um conselho paterno.
Porém, não era assim que Liam se sentia.
Deves baixar a cabeça e ajoelhar-se somente ao Kaiser!
Sentindo o olhar julgador de Hans, que vigiava a ida de Liam, este ergueu ainda mais o queixo.
— Devemos baixar a cabeça somente ao Kaiser… Não é? — indagou, parando sua viagem.
O silêncio dominou o acampamento. Aos mais próximos de Liam, esperavam um comentário verdadeiro e completamente polêmico.
Se Kaiser podia ver a essência de um individuo, Liam via a força… Tomado por um sentimento neutro e quase vazio, a voz rouca escapou por um ensaio de lábios.
— Mas, eu rejeito a ideia de me curvar a alguém tão mais fraco do que eu.
Mas, em algum momento de sua vida, ele se curvou.
“E eu me curvei…”
Não que fosse um ressentimento, ou arrependimento, mas curvar-se a alguém inferior foi o que levou Liam Mason a este estado.
Largado numa pedra em meio a uma clareira, o brilho de uma lua carmesim banhava seu corpo. Um toque etéreo, divino, um festival de partida… Para alguém que não o merecia.
Com a fraqueza tomando o corpo, Liam se esforçou para tocar o local que foi atingido pela última vez; o estomago. Não sentindo os movimentos abaixo do peitoral, tocou o abdômen perfurado e banhado pelo próprio sangue.
Erguendo os dedos, viu a viscosidade do sangue cair em sua face.
O filho legítimo do universo, foi um dos apelidos designados a Liam. Titulo dado ao equivalente da força que portava, todavia…
Onde estava essa força?
Se não atacar, você morre. Esse era o lema de Liam…
— Hesitei… — cochichou, tossindo sangue logo após.
O relinchar de um cavalo ecoou em seus ouvidos; o último cântico.
As entranhas de Liam estavam expostas; o vento frio correndo por dentro do corpo; os órgãos parando de funcionar um após o outro.
‘Liam Mason Le Fay…’ chamaram-no, uma voz correndo como um assobio de vento.
“Este seria o momento para se arrepender das minhas escolhas?”
‘Não te arrepende?’
“Por nem um minuto… A inveja que senti em vida me trouxe até aqui. Não me arrependo de quem sou, quem fui… Só espero que não tenha um inferno após tudo isso, pois dele já provei…”
‘Tratarei isso como um contrato assinado… Direi que aceitou tua morte.’
Desaparecendo no bosque, o galopar de um cavalo cortou o vento.
O corpo de Liam pesou, os olhos caíram. Mesmo que não, sentiu-se esmagado por um momento.
Segundos passados, no entanto, sentiu o corpo leve. Quase flutuando no ar…
O sentimento da morte era etéreo.

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