Capítulo 2 - Abaixo da Lua de Sangue
Após um tempo incontável, o corpo de Liam deixou de sentir o próprio valor. Sua consciência estava flutuando…
Ele não chegou a prestar atenção no que estava de fato sentindo ou pensando, mas sabia que aquela sensação, por mais satisfatória que fosse, não era um bom sinal.
Ainda assim, um vácuo rodeou sua consciência enquanto, pela eternidade, ele encontrava de viajar. A ausência de som rapidamente se transformou numa ventania com as ondas do mar, balançando as chamas de uma fogueira que se limitava em pedras.
Rapidamente, apenas o vento restou…
O assobio do elemento absoluto…
Cantarolando, invés de um couro angelical, para aquele que, embora fosse superior a tudo, encontrou a morte.
O assobio do vento se aglomerou nos ouvidos de Liam; por vezes era sugado como a criação do vácuo.
De repente, esse assobio tornou-se em sussurros… cochichos distantes vindo junto ao vento até que, num único instante… Explodiram em vozes desajeitadas.
— Pós tha iremíso?! O gios mou den anapnéei! 1
Os olhos âmbar cor de mel de Camille, a jovem duquesa do ducado Lawrence, correram pelo cômodo. Eles se encontraram em desespero ao notarem a expressão da enfermeira; uma mulher parruda e enrugada que, pela primeira vez em sua carreira, sentiu medo por não saber o que fazer.
Aquela noite deveria ser marcada pelo nascimento do segundo filho da família Lawrence abaixo do evento mágico; A Lua de Sangue que banhava o céu com seu carmesim mais esplêndido.
— Ellen! — Berrando em desespero, Camille recorreu a uma segunda enfermeira. Porém, esta era a mais nova da equipe.
Camille carregava seu filho sem vida nos braços…
Somente ao nascer, Ellen percebeu que a criança não tinha pulso.
A jovem enfermeira cruzou os dedos e os prendeu na cintura, tremendo por não saber o que responder à sua patroa.
Liam escutou os gritos, mas não conseguia entender o idioma. O idioma de Egon — equivalente ao alemão — parecia tão distante quanto o idioma de Mikoto — equivalente ao japonês.
Mesmo forçando, ele não conseguiu montar uma sílaba sequer. Principalmente pelo fato das vozes estarem tão distantes quanto o céu.
Movendo bruscamente os braços e abraçando seu filho com força, Camille despencou em lágrimas.
Porém, ao mesmo tempo, Liam sentiu-se praticamente esmagado. Uma dor que ele jamais sentiu, nem mesmo numa vida de guerras e mortes. Sua pele estava frágil e os nervos alertaram por todos os pontos de seu corpo.
A primeira e mais instantânea reação de Liam foi encolher o corpo, tentando abraçar os próprios joelhos conforme um soluço espontâneo fugiu de sua boca.
Camille fungou e segurou as lágrimas nos olhos. Ela ficou pasma…
Estava louca ou seu filho houvera de se mexer?
O abraço forte no corpo do bebê trouxe uma dor insuportável para Liam.
Ele não pôde fazer nada além de chorar em berros de rasgar a garganta.
A hesitação de Ellen morreu subitamente.
— Laídi Camille… — 2 disse Ellen, abrindo um sorriso reajustado no rosto.
Marta, a enfermeira robusta, ajoelhou-se ao pé da cama e agradeceu ao seu Deus por dar vida ao filho do duque. Não por ser da nobreza, mas por ser uma criança inocente que merecia viver.
O que ela não sabia era que a alma que trouxe a vida para aquele corpo estava tão manchada com o sangue da morte que nem apagando suas memórias ele manteria a inocência…
— Eínai kalá, dóxa to Theó… Tóra, écheis ónoma gia aftón? 3 — Marta perguntou com satisfação e agradecimento no coração.
— Naí. Tha eínai o Theo! 4 — respondeu Camille, sem tirar os olhos de seu filho.
Uma gota de lágrimas deslizou por seu rosto fino.
— Kalós írthes ston kósmo gie mou… 5 — Foram as primeiras palavras de Camille direcionadas ao seu filho caçula.
Posteriormente, ela desabou em lágrimas.
Sem saber a quem agradecer, apenas sussurrou algo para o céu, que logo foi consumido por seu choro.
— Mamá, eínai xýpnios? 6 — Uma criança questionou, surgindo ao lado de Camille na cama.
Adotando os cabelos loiros de Camille, a garota se esgueirou para abraçar os ombros de sua mãe. No entanto, os olhos azuis herdados do duque Lawrence se encontraram com seu irmão recém-nascido.
— Naí 7 — disse Camille, fungando e sorrindo.
Thays, uma criança de sete anos, olhou para seu irmão mais novo e alisou sua cabeça quase sem cabelos.
O brilho carmesim da Lua de Sangue entrou pela janela aberta, trazendo o frio daquela noite à tona.
A visão do bebê estava limitada, não enxergando nada além de um show de luzes ofuscadas e distorcidas, mas algo o encantou além…
O sorriso genuíno e puro de Camille, ao ver que seu filho estava bem, ultrapassou os limites físicos do novo corpo de Liam.
Um sorriso que ele presenciou poucas vezes noutra vida…
Um gesto capaz de acalmar o pequeno e fazê-lo parar de chorar, para apreciar o abraço materno.
Após um tempo segurando seu filho, Camille teve o recém-nascido tirado de seus braços para ela repousar. Enquanto isso, o Jovem Mestre Theo fora colocado no berço para dormir.
Os pensamentos de Liam não podiam deixar de ser o básico: O que está havendo? Por que meu corpo, minha visão… Meus sentidos estão inferiores?
Ele sentia dores até com os panos entalhados com algo que o fizesse sentir, como se sua pele ainda estivesse se adaptando ao ambiente.
Mas, mesmo com sua visão turva e ofuscada, Liam podia sentir o frio interminável daquela noite invadindo seu quarto enquanto uma luz carmesim banha seu corpo.
O mesmo brilho carmesim que Liam viu nos últimos instantes de sua vida. Por pura intuição, o ex-general de Egon determinou que era o fenômeno da lua de sangue.
Agoniado por não conseguir se ver, tão pouco falar, Liam se remexeu pelo berço durante algumas horas.
A lua estava no topo do céu, marcando a meia-noite.
Naquele momento, Liam havia se cansado de tentar alguma coisa. Ele havia raciocinado algo que não gostaria…
O ex-general, embora vivesse em um império que crê apenas no paraíso e inferno, teve contato com o general do Império Xin, o nobre Minghua.
“Aquele desgraçado… Não venha plantar seus ensinamentos religiosos novamente!”
Um ser humano sem arrependimentos, mas que carrega pendências em sua alma, jamais descansará como você deseja, Liam… Céu, inferno ou… descanso eterno… Esses são direitos reivindicados para os homens após a morte. Mas, para você, que tanto pecou e de nada se arrepende… O que acha que terá?
Liam desejava uma tela preta, em sons ou pensamentos por toda eternidade… Um descanso eterno. Mas, esse situação que ele está… Só há uma resposta para isso.
Estressado com aquilo, ele estava quase concluindo quando algo chamou sua atenção.
Um movimento suave tirou repentinamente o pano que servia de mosqueteiro, tal qual cobria o berço do recém-nascido.
De repente, uma mulher pálida como a lua de cabelos negros colocou os olhos acima de Liam.
Enquanto uma chuva de pensamentos invadiam sua mente com perguntas semelhantes à: quem é esta pessoa? Por que, mesmo com todas as limitações desse corpo, consigo enxergá-la com tanta clareza?
— Oh, renegado pelo destino… Gostaria de lamentar sua situação, e suplicar por seu perdão… Mas foi necessário que eu fizesse isso.
Com o polegar direito, a mulher alisou a bochecha do bebê como se o admirasse.
— Por enquanto, fique quieto, está bem? Sirva apenas como uma alma para fazer esse corpo criar consciência, e viva atrás dos olhos da minha criança… Devo agradecer por àqueles dois permitirem sua passagem…
Uma aura roxa acobertou Theo, nascendo do polegar da mulher.
— Minha pequena criança de ouro… Theo Augustus De Lawrence… Bem-vindo ao mundo.
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