Capítulo 48 — Deusa das ninfas (2)
Um abismo se formou nas sombras profundas do pântano, tornando-se um vácuo interminável onde a água fluía incessantemente. Gradualmente, essa corrente líquida se coalesceu em um corte elemental, assemelhando-se à lâmina de uma espada emergindo do solo e destruindo aquela região da floresta.
A destruição não resultou do ataque direto ou da força do corte, mas sim da pressão liberada durante a ejeção maciça de água. Aryna, por sorte, teve seu impacto atenuado por estar ligeiramente submersa, resultando em danos menos severos, sendo apenas arremessada para longe.
Ao colidir de costas contra um robusto carvalho e cair sobre as raízes da árvore, ela expeliu sangue na água. Menos de cinco segundos depois, inúmeras serpentes emergiram na área onde o sangue da garota se espalhou.
Ao ver as serpentes, Aryna se desesperou e recuou, dando um passo para trás e se encontrando novamente com a árvore nas costas.
Observando à frente, ela notou a armadura viva flutuando acima das águas, avançando em sua direção.
Elimirions, os guardiões dos pântanos de Elainópia, eram armaduras forjadas completamente em aqualithium, movidas por um instinto de proteção único. Essas criaturas, embora carentes de consciência, mantinham uma ligação poderosa com a água do ambiente. Pode-se dizer que o pântano inteiro agora era uma arma apontada para uma única invasora: Aryna Sabbac.
As raízes abaixo dos pés de Aryna se moviam, causando turbulência em seu suporte. Vinhas surgiram, chicoteando-a.
“Carvalhos mutantes…” ponderou, percebendo as árvores incomuns ao redor. “São sylvarius!?”
Por instinto, antes que as raízes e vinhas a atingissem, Aryna se lançou na água do pântano, mesmo sabendo que seria atacada pelas serpentes. Quando sentiu o chão, ela emergiu, conseguindo ver o elimirion flutuando em sua direção.
Estendendo a mão para cima, Aryna deixou seu atributo elemental de lado, usando mana pura para criar um fio resistente. O fio se enrolou em um dos galhos mais largos da maior árvore local. Diminuindo o tamanho do fio, Aryna se puxou para cima da árvore, ao mesmo tempo que o elimirion atacava o local onde ela estava.
Com um avanço brusco e um golpe poderoso, o guardião do pântano tentou matá-la. Caindo no galho, Aryna gesticulou uma arma de fogo com os dedos, disparando um jato d’água de alta pressão.
Um sorriso vitorioso surgiu no rosto de Aryna, sabendo que, independentemente do material, aquele ataque concentrado poderia superar qualquer defesa. Isso foi o que Theo tinha lhe dito, baseado no conhecimento e experiência própria.
No entanto, sua força ainda era insuficiente diante de uma criatura forjada por “deuses”. O disparo de Aryna apenas refletiu na armadura, sem causar dano significativo.
“Não cortou!?” surpreendeu-se. “Sequer amassou o metal…”
Novamente, o elimirion atacou Aryna. No entanto, ela conseguiu esquivar para trás, tentando manter distância. Caindo sobre uma pedra, ela tentou disparar novamente contra o guardião, substituindo os jatos d’água por projéteis.
Igual à última vez, Aryna não conseguiu proferir ameaças. Mas, desta vez, conseguiu desacelerar o elimirion.
Transformando o próprio braço numa lâmina, o guardião efetuou um estrondoso corte contra Aryna. Tão forte que, se ela não tivesse desviado, teria sido partida ao meio assim como acabou rasgando árvores e desestabilizando todo o bioma.
Notando a guarda baixa de Aryna, o elimirion aproveitou para atacar novamente, desta vez com certeza de acertar. A percepção temporal de Aryna mudou, cada segundo parecia uma eternidade. Sua mente pensava em quinhentas possibilidades, mas seu corpo não respondia.
Aryna não era uma condutora, logo era incapaz de escapar em alta velocidade. Não era uma híbrida como Theo, que poderia escapar e contra-atacar. Apesar de Theo ter afirmado que ela poderia ser superior, como alguém incapaz de escapar disso poderia superar um gênio com treinamento militar?
A crença, um ensinamento de sua mãe, uma criada vítima de um rei abusivo, guiava Aryna. Ela aprendeu a crer que há sempre uma saída. Mesmo que houvesse apenas uma molécula de oxigênio em seus pulmões, ainda haveria uma saída.
No entanto, esse pensamento positivo não adiantou. Ela não confiava em si, não acreditava em sua relevância. Aryna simplesmente fechou os olhos e se deixou escorregar para o lago. Um círculo d’água se ergueu, criando uma pequena muralha ao redor deles. Entretanto, o círculo se quebrou segundos depois.
Quando Aryna desistiu de lutar e se permitiu cair, uma mão segurou suas costas. A pressão do elimirion cessou, retornando ao ambiente suave do pântano.
A mão era forte, mas suave, pertencente a Luanne, que a segurou evitando que Aryna caísse no pântano.
— Obrigada, guardiã — agradeceu ao elimirion, que se curvou para ela.
— Lady… — balbuciou Aryna.
— Núcleo neutro é algo belo, né?
— O quê? — A tensão nos olhos de Aryna desapareceram. A garota ficou intrigada com a reação de Luanne.
— Minha intenção era outra. Mas como conseguiu atingir o estado ambiental do núcleo neutro, podemos seguir outro rumo.
— Kyrai Luanne — chamou o elimirion, sua voz era um sussurro alto e imponente, como se três pessoas falassem ao mesmo tempo. — Thaleias si na synoder?
— Eichi. Borietti no epístriep.
“Ela acabou de falar num idioma ancestral?” pensou Aryna, perplexa.
— Aryna, pelo que sei de você, desbloqueou seu atributo elemental há apenas nove meses, certo? — indagou Luanne, após trocar mais algumas palavras com o elimirion.
— Sim… — retrucou cabisbaixa.
— Certo. Nesse caso, enquanto esperamos nossa carona…
Luanne bateu palmas, e as duas surgiram em cima de um galho enorme de um dos carvalhos do pântano. Aryna olhou para baixo e viu o elimirion desaparecer nas águas.
— Existem três tipos de núcleos: o positivo, o negativo e o neutro. Cada energia possui um conceito diferente, mas você só precisa saber disso. O seu núcleo, assim como o do Theo, é um tipo raro e quase único. Os núcleos neutros, ou, núcleos verdes.
Aryna balançou a cabeça, confusa com a mudança repentina de cenário. Ficou sem entender o porquê daquela explicação.
— O núcleo verde é o mais cogitado, pois, diferente dos demais, não depende de atributo elemental para executar um feitiço elementar. Vocês conseguem manipular o ambiente, ao contrário de nós, que temos de trocar os valores da nossa energia para atributo elemental e assim acontece a bagunça que temos…
— Do que a senhora está falando?
— … Existe a ressonância elementar, que amplifica os nossos elementos. Geralmente, ela se manifesta quando enfrentamos algo que pode causar nossa morte, isso não aconteceu contigo. Mas! — exclamou Luanne, olhando nos olhos de Aryna. — Você despertou o estágio principal do núcleo neutro: o ambiente.
— O ambiente? — repetiu Aryna, recuando o rosto, mantendo distância de Luanne. A sacerdotisa de Alune parecia uma louca.
Percebendo que Aryna estava desconfortável, mesmo assim, Luanne continuou:
— Para cada núcleo, existem nove estágios, indicando os níveis de cada feitiço. No caso dos núcleos neutros, há três estágios adicionais: ambiente, tempestade e catástrofe. Há pouco mais de um minuto, você atingiu o estado ambiente quando o guardião a atacou.
— Atingi? — retrucou Aryna, perplexa.
— Sim. Você apenas manifestou. Demorará muito tempo para dominar, mas manifestou pela primeira vez. É um passo.
— Como eu manifestei isso?
— Quando você entrou em apuros. No instante em que você deixou tudo para seu núcleo, desistindo até de viver. No momento em que o guardião avançou pela última vez, as águas do pântano começaram a obedecer a você. Foi quando eu interferi.
Luanne se sentou na raiz, deixando as pernas penduradas e de braços cruzados.
— Desculpe pelo tanto de informação, mas a primeira fase da evolução é o conhecimento. Todos temos que saber o conceito por trás do nosso poder para que ele seja superior. Como veio de um lugar sem informação alguma, talvez esteja confuso. Mas, para você, Aryna Sabbac, o que é a água?
Aryna ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre a pergunta, mas logo foi interrompida.
— Não me responda. Essa resposta irá para outro ser…
As sobrancelhas de Aryna saltaram para cima.
— Outro ser? — resmungou, incrédula. Luanne parecia um anjo de um conto antigo que Aryna teve acesso após entrar em Wispells: apenas jogava informações no ar, sem ter necessidade. Ou talvez tivesse. Mas, não respondias as perguntas.
Um canto ecoou no meio das árvores. Sereno, suave e etéreo. Quando a melodia assaltou os ouvidos de Aryna, sua visão congelou. O tempo parecia desacelerar, mas era apenas uma projeção criada pelo autor da melodia.
Um par de asas largas, brancas com tons esverdeados e azulados mesclados nas penas, cortou o ar entre Aryna e Luanne. Aryna surpreendeu-se, enquanto Luanne havia arranjado um motivo para se levantar.
— Pontual como sempre, Aquilino — comentou Luanne, olhando para o pântano abaixo.
Aquilino, o barqueiro, conduzia um barco de madeira. Um homem jovem, de olhos cor de lodo e cabelos castanhos escuros, passava por debaixo delas.
— Lady Luanne. Novamente? — retrucou Aquilino.
Aquilino era responsável por levar os visitantes até o verdadeiro reino das Elinomae: Nimbrok. Um reino cuja entrada só era acessada pelo barqueiro das ninfas, o mais confiável dentre as raças subaquáticas.
— Voltei para buscar minha aprendiz.
Luanne já tinha pego carona com Aquilino naquele dia, porém, retornou para ajudar Aryna.
Um enorme pássaro pousou no ombro da menina. A ave olhou para seus olhos azuis e depois para o ambiente, movimentando a cabeça de forma tão veloz que criou inúmeros vultos.
— O Serafleto sente muita ansiedade originando na sua aprendiz, Lady Luanne… Não acha que deve cuidar dela?
— Ela sobreviveu ao elimirion. A ansiedade faz parte.
— Entendo. — Sorriu gentilmente. — Acalme-se, jovem. O Serafleto traz calmaria para o ambiente, purificando sua mente. Não se sinta oprimida.
Aryna engoliu em seco, mas logo acariciou o Serafleto, a majestosa ave de rapina em seu ombro.
Num piscar de olhos, Aryna estava no barco de Aquilino, acompanhada por Luanne, que já estava sentada na traseira do barco de madeira.
— Para onde estamos indo, Lady Luanne? — questionou Aryna, tentando se sentir confortável.
— Para Nimbrok, o reino das Elinomaes. O mais rápido que puder, Aquilino.
O barqueiro assentiu, aceitando a ordem. Juntando as duas mãos, entrelaçando os dedos, Aquilino estendeu os braços para a frente como se empurrasse algo.
O cenário foi distorcido. O pântano foi substituído por um túnel preto iluminado por um show de luzes em alta velocidade. Na verdade, eles estavam se movendo pelo pântano, mas a velocidade dava a impressão de estarem parados, envoltos por luzes radiantes.
Os olhos de Aryna tentaram processar, mas falharam. Só voltaram a funcionar quando saíram do túnel e chegaram a outro pântano, maior, com árvores monstruosas e águas menos dominadas pelo lodo.
Aquilino começou a conduzir o barco pelo pântano, tão coberto pelas árvores que sequer dava para ver os raios de luz.
Olhando para trás, Aryna viu apenas um enorme arco de mármore, coberto por musgos e plantas, servindo de habitat até mesmo para animais.
— Onde estamos?… — murmurou Aryna, perplexa e ainda mais ansiosa. Seus olhos perdidos não sabiam para onde olhar.
— Como eu já disse… No reino de Nimbrok.
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