Capítulo 45 — Laços (2)
— Eu me chamo Luka Aurélio — apresentou-se esticando a mão para Theo com um sorriso simpático estampado no rosto.
— Sou Theo De Lawrence. É um prazer… — respondeu aceitando o aperto de mãos, porém, foi logo interrompido por um puxão de Luka.
Agnes se intrometeu, puxando a calça de Theo para trás. Olhando para baixo, viu sua irmã desviando o olhar enquanto mordia a massa com frango, mas, ao mesmo tempo, evitou que os dois se aproximassem.
Luka entendeu o “protesto” e soltou Theo, sentando de pernas cruzadas no chão posteriormente. Após Agnes soltá-lo, Theo fez a mesma coisa que o outro rapaz. Ambos se encararam, porém, agora amistosamente.
— Você gosta da lua, Theo? — perguntou Luka, apontando para o colar de Theo com seus olhos.
— Sim.
— É um ótimo colar. Isso é uma ametista? — indagou olhando o cristal lilás.
Theo assentiu que sim.
— Me permite harmonizar os discos de chakras e a minha energia nuclear.
— Já ouvi isso. Você segue os ensinamentos de Alunne? Ou Ártemis?
— Eu faço parte do exército de Alunne — retrucou Theo, enquanto passava a mão na região inferior dos olhos de Agnes, em suas olheiras. Por sua vez, ela franziu as sobrancelhas com a resposta do irmão.
— Pensei que era constituído apenas por mulheres — comentou Isabel, sentando ao lado de Agnes.
— Sou uma carta rara por lá.
Luka se afastou para o lado, abrindo espaço para seu amigo se sentar. Alisando seus cabelos cacheados e cor de chamas, ele falou:
— Você foi chamado pela deusa ou indicado por alguém?
— Me levaram até lá. Depois vieram com a história de que fui escolhido por Alunne.
— A qual grupo pertence? — indagou o outro jovem.
— Lua carmesim.
— Nunca ouvi falar — respondeu Luka, inclinando a cabeça perpendicularmente. — E você, Nikolas?
— Também não.
— Ninguém ouviu falar. Aparentemente sou o único — concluiu Theo.
— Perdão, escolhido — brincou Nikolas.
Isabel estendeu a mão e ofereceu um copo para Theo, com um suco de fruta natural.
— Isa! — exclamou Edina, abaixo de uma laranjeira. — Posso pegar essa fruta? — apontou para uma laranja no topo da árvore.
— Pode. Se alcançar… — respondeu Isabel.
Edina tentou pular três vezes para alcançar, mas falhou miseravelmente. Para ajudá-la, Theo forçou uma pequena ventania que derrubou o fruto e o carregou até as mãos da garota.
Luka se apoiou nos braços enquanto enxergava traços da breve ventania. Ao mesmo tempo, Theo sequer olhava para a direção de seu feitiço ou fazia gestos com a mão.
— Um controlador? — indagou Nikolas.
— Ele é um híbrido — respondeu Agnes.
Theo se arrumou e olhou para Luka, que se encontrava perdido em pensamentos.
— Você é um seguidor de Surya? — perguntou Theo, analisando uma tatuagem na mão de Luka.
Um sol de três faces, uma das principais características do deus sol Surya. Luka olhou para a tatuagem e assentiu.
— Sim.
— E frequenta a ordem de Myrddin?
— Não. Eu sou de Vagus — retrucou Luka. — Frequento a academia Ambrosius, que foi fundada por membros da ordem de Myrddin. É alguma parceria entre as duas ordens. Então eu, judicialmente, faço parte das duas ordens. Enquanto a você? É de Wispells?
Theo concordou, afinal seu traje já deixava óbvio a qual ordem pertencia.
Seguia um padrão militar e tradicional da realeza de Gran-Empire, é uma característica única de Vagus. Como terno cobrindo um colete e gravata — porém Theo se recusa a usar, pois o sufocava. A única forma de diferenciar as academias em Vagus é através da cor dos uniformes, sendo Wispells representada pela cor branca.
— Sou da classe especial — completou Theo.
— Wow. Privilegiado — brincou Nikolas. Luka o perfurou com seu olhar. — Fazer o quê? É um fato.
Vendo como Agnes estava perdida no próprio mundo, Theo buscou se deitar no colo de sua irmã, para despertá-la um pouco. Relaxando apenas a cabeça nas coxas de Agnes, Theo a encarou com um olhar de serenidade.
Somente com uma troca de olhares, eles também trocaram palavras. Sabiam exatamente como o outro estava se sentindo, no que estavam pensando. Agnes segurou um pouco de suas lágrimas.
Aquele instante lembrava a ela momentos do passado, onde ela e Theo se sentavam no telhado da mansão Lawrence e olhavam para o horizonte, jogando desabafos diários para o vento levar ao norte.
A garota desviou um pouco o olhar, vendo seus amigos ocupados com outras coisas. Luka e Nikolas estavam conversando entre si, provavelmente com alguma reunião futura no templo de Surya. Isabel tinha se retirado dali, pois havia ido ajudar Edina a cortar laranjas. Tentando escapar dos demais, Agnes soltou um suspiro que juntava saudades com felicidade enquanto jogava a franja de Theo para cima.
Contudo, ao mexer na franja de seu irmão e o encarar por um breve segundo, Agnes vivenciou uma imagem do passado. Sangue escorria pelas duas pontas da boca de Theo, enquanto sua roupa branca estava totalmente ensanguentada. A única memória revisitou todos os outros momentos que traumatizaram ela: a mulher na janela quando sua mãe deixou o mundo físico.
A falta de sono estava deixando-na frágil.
A visão de Agnes embaçou momentaneamente, porém retornou ao normal quando tossiu desenfreadamente.
— Você está bem? — perguntou Theo, com um tom de preocupação.
— Estou. — Tossiu novamente, dessa vez mais forte. — Deve ser alguma gripe.
— Toma — disse Edina, estendendo a mão com uma fatia de laranja. Agnes aceitou.
Theo se levantou, arrumando novamente no chão. Se sentou de pernas cruzadas e buscou novamente por Luka e Nikolas. Já que Isabel e Edina estavam voltando, Theo se tornaria esquecido entre o quarteto. Além disso, por pura curiosidade, ele queria saber como os membros de Surya pensam.
Após o primeiro encontro com Dr. Alexander, Theo começou a querer ver como as pessoas enxergam o mundo. Mesmo que não tenha conseguido pôr isso em prática.
Contudo, os dois garotos estavam estranhos. Ambos se alongavam dos pés à cabeça. Luka esticou a mão para o sol, de olhos fechados, como se estivesse suplicando para o deus sol abençoá-lo.
— Hey, lua carmesim. Vem conosco? — chamou Nikolas, apontando para um bosque logo atrás dele. — É propriedade de Myrddin, então há bastante material para estudo. Pode ter algo relevante para você.
— Pensei que nós tínhamos marcado esse almoço para se livrar dos estudos — comentou Edina.
— Nunca se deve ter pausa para obter conhecimento. A pausa deve estar num curto período onde você executa esse tal conhecimento de maneira cansativa — retrucou Theo, se levantando do chão. Alisando os cabelos de Agnes indagou-lhe: — Já volto, tudo bem?
Sua irmã assentiu, ao mesmo tempo que abraçou sua perna direita e o deixou ir. Theo foi em direção aos garotos, que logo desapareceram no relevo do bosque.
— Se eles não vão comer, eu vou — disse Edina, pegando um dos salgados que Theo havia trago.
☽✪☾
Os três jovens caminhavam pela floresta sem preocupação. Nikolas era o mais animado, brincando com literalmente todos os animais não importando se eram roedores, aves, serpentes ou insetos. Nikolas fazia questão de interagir com todos.
Até que ele decidiu mexer com uma serpe; um dragão, não tão raro quanto outros que carregam tal nome, aquela espécie em específico era comum no bosque de Myrddin.
A criatura tinha cerca de dois metros, era magra e suas asas pareciam membranas. Sua cauda era fina, mas podia ser usada como chicote. De pele verde, a língua rosa podia enrolar a própria cabeça.
— Por que foi mexer com quem está quieto? — brincou Luka.
Nikolas estava caído no chão, enquanto a serpe, parada numa pedra em um modo hostil, soltou um tipo de rosnado intimidador contra o garoto.
— Theo, esbanje sua aura — pediu Luka.
— Como assim? — indagou Theo.
Luka se apoiou no ombro de Theo, repousando o braço esquerdo apenas para cochichar:
— Eu vi aquela pintura dourada que representa sua aura. Ela é bem refinada, porém ainda é fraca. Quer testar o potencial dela? Deixe-a fluir. Qualquer criatura teme a alma de alguém superior. É a melhor maneira de finalizar um combate que sequer iniciou…
“Vaze.” ordenou Theo, mentalmente com olhos fechados.
Ele enxergava apenas o breu absoluto; a luz não alcançava mais seus olhos. Contudo, uma mancha dourada lhe tomou, como pinceladas numa tela escura. Semelhante a uma pintura no vento, a aura de Theo se representou como uma névoa de ouro; tóxica e hostil.
“Esse é quem você é, Theo De Lawrence?” pensou Luka, sentido todas as sensações e sentimentos que a aura de Theo transmitia.
As sensações que uma aura transmite representa quem você é. Afinal, a aura nada mais é do que uma representação de sua alma no mundo físico. Tudo o que você é, seus sentimentos, sensações, pensamentos, tudo é transmitido pela névoa que o envolve no momento.
Naquele instante, Theo estava envolto por: medo, insegurança, hostilidade, solidão e ansiedade. Mesmo demonstrando confiança num sorriso sereno.
A serpe recuou na pedra, guardando suas asas e recuando todo seu corpo para trás, como uma pequena opressão. Logo mais, o animal voou para uma árvore e caçou um roedor.
— Viu? É a melhor maneira.
Estendendo a mão para Nikolas, Theo relaxou novamente e descansou a própria aura.
— Até que é uma dica útil — disse Theo. Nikolas, por sua vez, ficou sem entender.
“Ele está constantemente refinando a energia em seu núcleo. Até mesmo enquanto caminha. Como ele consegue manter o estado de concentração mesmo em movimento?…” pensou Luka.
— Cara… Você espantou uma serpe com facilidade. Que inveja — comentou Nikolas.
— Theo. Você já viu a representação da criação? — perguntou Luka, apontando para o lado com seu polegar direito.
Como resposta, Theo assentiu negativamente. Luka o conduziu, junto de Nikolas, por pedras e árvores até finalmente chegarem numa praça ao meio do bosque. No meio da praça estava a estátua de uma mão segurando em sua palma um cristal arcano que gerava água. Tornando assim, uma fonte quase natural que despencava num pequeno riacho.
A estátua era gigante o suficiente para comparar Theo à apenas uma de suas unhas. O cristal se tornou somente uma pedra no meio, tendo como a única finalidade gerar água e criar a cachoeira natural. Onde a água saia do cristal, deslizava pela mão e descia pelo punho até cair na fonte que logo era despejada num riacho cortando o bosque.
Paralisado e admirando o movimento, Theo teve sua visão poluída por Luka. O jovem seguidor de Surya caminhou até a estátua e abriu seus braços, louvando o criador.
— No primeiro segundo, existia apenas o nada — contou Luka.