Capítulo 51 — Xamã do vento (3)
Agnes corria pelo calçadão. Ofegante e fraca, já não suportando mais continuar correndo. Selina estava um pouco à sua frente, acompanhada pelo guarda Frorus, que impressionantemente estava aguentando o ritmo de Selina.
— Quem era o senhor do cajado? — Selina finalmente tomou ar para falar com Frorus.
— O que vocês querem no templo de Boreas? Só então respondei a ti — retrucou Frorus.
— Somos agentes da União Imperial, serventes às quatro grandes ordens. Me chamo Selina, também atendo por Serach, a lua azul de Alunne. O garoto já se apresentou, mas esqueceu de mencionar que também serve a deusa da lua. Quanto à garota, és irmã dele.
— Então são seguidores da lua?
— Sim…!
Frorus surpreendeu à Selina, atacando-a inesperadamente com um golpe de espada. Agindo por reflexo, a seguidora de Alunne defendeu o ataque com o arco em suas mãos.
Rebatendo a espada com seu arco, Selina preparou e disparou uma flecha contra Frorus, que desviou rapidamente para trás. Por reflexo, Selina saltou ao lado de Agnes.
“Ele usa uma ignição…” ponderou Selina, ofegante. “Foi um corte superficial, com certeza ele me subestimou. Ou confia muito nas próprias habilidades.”
— Senhorita Selina! — exclamou Agnes.
— Vossa graça, dê um passo para trás. — Selina falou empurrando Agnes levemente para trás.
“Não tenho tempo para brincar com esse guarda…”
Selina preparou novamente outra flecha e atirou contra Frorus, mas o guarda desviou novamente.
— Vocês seguem outro deus e mesmo assim mancham a casa do lorde Boreas? Virarão comida para Ventrýli!
“O dragão vendaval? Acho que entramos no templo pelos portões errados…” pensou Selina.
Repousando a mão direita no rosto, Selina manteve o olhar fixo em Frorus. Por sua vez, o guarda dos portões sul banhou sua espada xifo numa aura translúcida de tons verdejantes.
Uma explosão quebrou a concentração dos dois. Frorus cometeu seu maior erro naquele instante: se distrair e olhar para trás, na direção da estátua.
Um poder amedrontador escapou pelo céu, poluindo a visão do ambiente e substituindo o clima gélido por um abraço de sangue.
Ao invés de ativar sua máscara, Selina excitou e optou por outro trunfo das seguidoras de Alunne, exclamando:
— Véu lunar, me abrace! — Sua voz saiu duplicada.
No mesmo instante, um manto fino de energia cobriu o corpo de Selina. Agarrando Agnes em seus braços, a seguidora da lua saltou para o céu em direção à estátua.
“Que se foda o congresso.” reclamou, voando pelo céu.
Frorus não ficou para trás e correu na mesma direção, mesmo que numa velocidade infinitamente inferior.
Estátua de Boreas, templo do norte
— 1 minuto antes —
— Então você não é nada agora. Nada além de uma peça morta — proclamou o homem, antes de disparar um feixe de vento contra Theo.
Momentos antes de ser tocado pelo vento, Theo notou o feitiço ser formado e esquivou para direita. Ele jogou a mochila, que estava em suas costas, para o canto e puxou a espada que recebera de Selina.
Ele avançou contra o homem, segurando a espada com as duas mãos. Theo atacou a cabeça do feiticeiro, entretanto, este se esquivou com agilidade inclinando o corpo para baixo.
Theo usou do golpe com a espada como impulso para realizar um giro, utilizando o peso da espada como uma âncora que o puxou bruscamente num ângulo de 360 graus.
Aproveitando o embalo, Theo usou da combustão para encantar o próprio corpo com chamas e chutar a costela do homem com o calcanhar. Essa tentativa obteve êxito.
O rapaz cravou o calcanhar na costela do inimigo e aproveitou do impacto para jogá-lo longe. Uma onda de calor percorreu o ambiente.
Usando o vento ao seu favor, o homem desfez o encantamento de fogo que Theo criou.
— Secre te la ventier! — conjurou o homem, invocando um corte de vento.
“Ele acabou de falar num idioma ancestral?” percebeu sendo forçado a desviar de um corte quase invisível, se não fosse pela mudança que causava no ambiente.
Antes de tocar o chão, o corte explodiu numa tempestade de vento; cortando a pele e traje de Theo, chegando ao extremo quando cortou um fio de seu colar.
O colar das três luas, pendurado no pescoço de Theo, desequilibrou para o lado esquerdo, pois havia apenas um fio segurando no lado direito.
Theo se descuidou por um momento devido ao dano causado pelo colar. Neste descuido, o homem viu uma brecha para atacar o rapaz com o cajado, cravando a arma no estômago do agente de Vagus.
Duas pontas na coroa, tal que segurava um orbe azul, atravessaram as três camadas de roupa que Theo usava. As pontas atingiram o abdômen dele, o forçando a salivar no ar.
O rapaz arrancou o cajado de seu tronco saltando para trás. Theo disparou outra onda de chamas contra o homem, buscando achar uma forma de recuar. No entanto, uma onda d’água apagou o fogo.
Posteriormente, a água se tornou numa mão que esmagou Theo contra o chão. A mão de água tomou cada vez mais pressão, afogando o rapaz no próprio desespero.
— Quando estiver no desespero, em um combate no qual não possa se divertir, evolua.
A voz de Ethan, uma voz madura e imponente mas ao mesmo tempo confortável, ditou na mente de Theo, enquanto somente o sol iluminava sua visão.
— Se o inimigo for mais poderoso do que você está disposto a demonstrar, demonstre tudo. Se mesmo assim o inimigo for mais poderoso, contorne, demonstre. Evolução não vem do dia para a noite, mas o resultado de anos de evolução chegam num segundo…
Os olhos de Theo cederam. Se fechando lentamente, o campo de visão do rapaz se tornou cada vez mais ofuscado.
— Não estou te criando para ser um moleque ignorante que não aceita o mundo. Estou te criando para poder ser aquele que entendeu o mundo, e fez este se curvar. O maior dos jogadores em um tabuleiro de xadrez.
Um peteleco ecoou em seus ouvidos, simultaneamente, Theo sentiu uma leve dor na testa. Não foi forte o suficiente para fazê-lo gritar de dor, mas o suficiente para despertá-lo.
A ametista no colar de Theo liberou uma energia dourada e vermelha que pairaram pelo ar. Uma combustão gerou chamas mais poderosas, quente o suficiente para transformar a água em vapor somente na região onde o rapaz estava.
A atmosfera estava pura até então. O mais limpo dos ventos se afastou, dando espaço a algo sangrento. Uma pintura do mais limpo céu… Sendo estragada por uma pincelada de sangue.
Theo saltou para o céu, escapando do feitiço daquele homem. Seu primeiro movimento foi atacar novamente, contudo, conjurando fogo nos punhos. Ele tentou acertar um único soco, porém, assim que tocaria seu inimigo, o atributo nas mãos dele simplesmente explodiram em algo estrondoso devido a alta concentração de energia.
O jovem deslizou pelo chão, tentando amortecer o impacto.
“Já era de se esperar… Utilizei o fogo por tempo demais. Era previsível essa explosão.” pensou Theo. “Vamos começar da maneira correta.”
Fechando os punhos com toda força, ele transbordou a energia em seu núcleo e a elevou para além de seus domínios físicos. Um enorme rastro de energia se expandiu pelo ar, elevando o poder de Theo um degrau acima.
O rapaz explodiu numa investida contra o homem.
“Se ele também usa o elemento água, então não tenho muitas escolhas. O objetivo agora é nocauteá-lo no próximo golpe.”
Correndo em alta velocidade, Theo buscou sua espada novamente, que estava largada no chão. Ao empunhá-la, ele despejou uma quantidade considerável de éter pela lâmina.
“O que exatamente você… Não. O que eu faria nessa situação?”
Pela primeira vez nos últimos dez anos, Theo se pôs no lugar de Liam; absorveu seus pensamentos e tentou entender o lado do general. O que exatamente tornou Liam uma espécie de genocida? E ao mesmo tempo, o que tornou Liam tão absoluto quanto ele foi?
Ele entraria numa estrada turbulenta e estranha, mas o estranho já fazia parte dele. Valeria mais a pena o risco de entender Liam do que continuar com o vazio no peito.
A resposta não durou muito tempo para clarear sua mente.
Liam Mason sempre foi um homem direto; se você declarasse um combate amistoso, assim seria. Mas, se você declarasse uma guerra, Liam não reduziria forças para te matar.
Matar primeiro há quem quer te matar, esta é uma lei da sobrevivência que os soldados de Egon seguiam. Não se permita apontar a arma tarde demais.
— Vai ser perigoso, mas…
Theo saltou para cima, buscando se livrar da pequena nuvem de fumaça que ainda estava no ambiente. O homem com o cajado estava ali dentro, era possível sentir sua energia. Theo conseguiu vê-lo graças ao caminho do terceiro olho, que permite ter uma visão aprofundada sobre a energia.
Porém, seus passos ainda eram imprevisíveis. Até então, aquele homem estava parado e esperando um movimento de Theo.
Theo encantou a espada longa com fogo, tornando a lâmina quente porém poderosa. Um rastro vermelho se propagou, como a cauda de um cometa rasgando a atmosfera. Com um movimento de mãos, o feiticeiro do cajado dispersou uma pequena camada na fumaça, permitindo visualizá-lo.
— Ignição; segunda configuração…
Ele inspirou a maior quantidade de ar possível. De olhos fechados, Theo se lembrou de um ataque usado por Ethan há sete anos.
Como tradição de pai e filho, os dois sempre treinavam destruindo cristais arcanos na floresta que rondava Loureto. Em tal dia, eles se encontraram com uma besta de grau seis, que fora derrotada por Ethan em um único ataque.
O brilho das chamas, formando as asas de uma Fênix enquanto se atirava contra a criatura e, segundos depois, transformando um monstro de cinco metros em apenas cinzas. Aquela cena ficou carimbada na mente de Theo.
O rapaz se inspirou completamente em seu pai.
— Ailes dell’infierno!
O feiticeiro segurou o cajado com as duas mãos, depositando toda sua força física naquele movimento. Partículas d’água envolveram um orbe na ponta do cajado.
“Entendi. Então aquele orbe é o que lhe dá o atributo água…” pensou. “… Então destruirei isso primeiro.”
Theo aplicou mais energia na espada, tornando o movimento algo além de um mero feitiço. Ele encantou a arma. Tentando aplicar a ignição enquanto executa um feitiço de larga escala, ele transformou a espada em uma fonte de combustão eterna que queimou tudo.
Os entalhes no piso estavam sendo afetados pelo calor. O próprio feiticeiro estava com dificuldade para respirar e ficava desidratado a cada segundo.
Ele tentara conjurar água para apagar as chamas conjuradas por Theo, mas o atributo foi vaporizado em instantes. Gesticulando as mãos no próprio eixo, o feiticeiro preparou um feitiço de vento.
Ambos os feiticeiros paralisaram. Theo perdeu a postura enquanto caia com a espada flamejante, enquanto o homem se ajoelhou no chão, ocultando o rosto, mas era notável seu temor.
Theo sentiu uma pressão sufocá-lo no ambiente. O oxigênio que dava origem ao atributo fogo de Theo acabou, desfazendo o feitiço do garoto por completo. Ele inclinou a espada, deixando o pequeno peso que ela tinha puxá-lo para o chão.
A zweihänder de Theo se chocou com algum objeto metálico, um estrondo agudo acompanhado por um ressoar vibrante se propagou.
A lâmina da espada estava cravada num bracelete de metal.
— Você finalmente chegou.
Segurando o fio da lâmina com dois dedos, um homem abaixou a espada de Theo com cuidado. O feiticeiro do vento o referenciou novamente.
Um bracelete preto estava em cada braço, feito de metal. A pele dele tinha um pouco de melanina se comparado aos demais feiticeiros, com uma luva fina e branca cobria a ponta de seus dedos. O físico do homem era atlético, vestindo uma shendyt.
Os fios de cabelo eram prateados, juntos a ponto de formar mechas únicas que desciam até os ombros. Seus olhos eram verdes e penetrantes, capazes de causar uma certa intimidação em Theo.
Uma máscara cobria seu rosto, com características que lembravam bastante as de um falcão. Penas de rapina desciam por sua nuca, formando praticamente duas asas que deslizam como uma capa.
Por fim, ele encarou Theo. Ao mesmo tempo que era intimidado, o rapaz não permitiu que se curvasse. Conforme aquele homem o encarava e despejava sua aura por cima de Theo, este revidava.
Não se permitir ser subjugado.
Não cair perante alguém mais fraco; não se ajoelhar perante alguém mais forte.
Você é absoluto. Maior que tudo.
Frases que Liam costumava dizer para si próprio, banharam sua mente fragilizada.
— Te espero faz um tempo, portador do vento — disse o homem, esboçando um sorriso leve e estreitando os olhos.
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