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    Aidna guiou os dois irmãos pela montanhosa torre do xamã. A secretária de Borthrit não disse uma palavra sequer durante os últimos minutos, mesmo com as perguntas quase óbvias de Agnes, posteriormente respondidas por Theo. Na maior parte do tempo, o rapaz optou por ficar em silêncio e observar Aidna caminhar.

    Sua aparência era, de fato, incomum e muito atraente. Contudo, Theo tinha certeza que alguns traços no rosto dela eram exatamente com uma raça que ele tanto estudou nos anos iniciais. Um rosto fino e largo, com covinhas aparentes. Além de seus olhos esmeraldas, que mesmo sendo uma peculiaridade dessa raça, ainda era uma característica marcante.

    Theo ficou muito tempo calado, analisando e esperando uma conclusão mais concreta chegar.

    — Você está tenso… — cochichou Agnes, buscando tirar a distância de seu irmão.

    De olhos cerrados, Theo acompanhou os últimos movimentos de Aidna, antes da mulher parar na frente de uma escada. Ela freou de vez, forçando os dois a pararem atrás dela.

    — Quando pretende se declarar a mim? — perguntou Aidna. — Desde que cheguei você está me secando.

    Aidna se virou para Theo ligeiramente. A mulher olhou Theo de cima, mesmo com a pequena diferença de altura entre eles. Ela buscou várias formas de se expor para o rapaz, mas ele a ignorou.

    — É, tenho a minha conclusão. — Theo cochichou desconfortável. — Você é uma druida, não é?

    Agnes engoliu em seco e deu um passo para trás.

    — Ah, então você não me quer? Que chatice.

    Ela suspirou para o lado, chateada com Theo. Aidna aproximou seu rosto do de Theo, chegando ao extremo, quase o tocando.

    — Sou sim, por quê? — Ela sorriu sem disfarçar. — Minha genética perfeita está despertando algo no rapazinho?

    A druida deslizou o indicador direito pelo peito de Theo.

    “Ela está usando encantamento psicológico no Theo?…” pensou Agnes, ficando um pouco preocupada com a revelação de que Aidna é uma druida.

    — Você é um dos meus tipos, então…

    — Foda-se — interrompeu Theo, quebrando a expressão ninfomaníaca de Aidna. — Só me responda algo; você está do lado genocida da sua raça, ou no lado ofuscado pelas sombras?

    Aidna se afastou um pouco, para poder olhar Theo olho a olho. A expressão da mulher virou totalmente; ela se tornou alguém totalmente fria.

    — Qual o estereótipo que vocês, humanos, têm de nós? — indagou Aidna, irritada.

    — Que vocês foram fracotes no antigo Ragnarok e cederam aos deuses. Se tornaram uma raça forte a troca de algumas bênçãos. Há alguns séculos vocês conspiraram com os demônios, contra todas as raças do mundo. Oprimindo os elfos, os mais próximos de vocês. Praticando terrorismo, intolerância religiosa, crimes de ódio e até genocídio, onde mataram um país pequeno inteiro.

    — Mas… — gaguejou Agnes, interrompendo seu irmão. — Também sabemos que nem todos foram assim, né? Alguns de vocês ajudaram os humanos a vencer a parte…

    — Genocida — completou Theo. — Por isso eu pergunto novamente. Você está do lado genocida da sua raça, ou no lado ofuscado pelas sombras?

    — Não pertenço a nenhum dos lados. Eu sou imparcial nessa guerra, reneguei ambos os lados e me abstive dos ideais manchados pelas sombras.

    A druida se aproximou dos lábios de Theo, milimetricamente.

    — Você deveria ser mais gentil com sua superior — apontou Aidna, avançando contra os lábios do rapaz.

    Theo virou o rosto de lado, deixando a druida investir apenas contra seu pescoço.

    — Superior? Você é apenas a minha guia durante minha estadia. Não estaria mais para a minha “criada”? — retrucou com um ar de imponência.

    Aidna se chateou com o desvio de Theo. Ela o agarrou pelas costas, forçando um contato mais íntimo, e deixou a marca de seu batom verdejante na pele branca do rapaz. Aidna se distanciou um pouco, pondo as mãos no queixo dele e o encarando com um sorriso inapropriado.

    — Posso ser sua guia de outras formas também.

    Agnes abafou uma risada genuína, tapando a boca com as mãos. Ela estava começando a desejar que seu irmão aceitasse a companhia da druida.

    Por sua vez, uma veia saltou na testa de Theo. De raiva pela banalidade que a druida lhe apresentava. Ele agarrou ela pela cintura e a virou de costas, posteriormente, deu um leve empurrão na mulher, que começou a descer as escadas.

    Aidna desceu as escadas sorrindo enquanto dava passos exibidos para o rapaz. No mesmo instante, ela recuperou uma postura de superioridade, e mesmo com um sorriso afrodisíaco e irônico no rosto, ordenou:

    — Venham, estamos perto.

    Agnes foi até seu irmão e o encarou, tentando esconder uma risada e falhando miseravelmente.

    — Ela é atiçada, né? — brincou a irmã.

    — Ela é banal demais — murmurou Theo.

    — Pelo menos teve atitude, ao contrário de você.

    — Ela deve ser assim comigo e com todos. Sendo filha de uma ninfa, não me surpreende.

    — Você está generalizando. Por ela ser druida, não significa que é…

    — Todas as druidas fêmeas são filhas de ninfas ou fadas. É isso que as garante uma proximidade com divindades.

    Agnes cruzou os braços.

    — Por que você é tão pé atrás com ela? — questionou, franzida.

    Ele apenas suspirou, ignorando completamente o questionamento de Agnes. Com isso, ele apenas seguiu descendo a escada e acompanhando Aidna eventualmente.

    Zona de conhecimento boreal

    Vento di conoscenza

    Tanto caminharam que as pernas de Theo e sua irmã fraquejaram. Eles poderiam ter utilizado um elevador elementar, mas Aidna quis sacanear Theo apenas por birra e os forçou a descer uma montanha de escadas — após ter descido uma serra.

    No fim, eles pelo menos puderam ter uma visão tanto quanto privilegiada. A zona de conhecimento estava no outro lado da montanha, ligada a um pequeno penhasco, onde abaixo dele estava uma imensa floresta de pinheiros.

    O lugar tinha esse nome por um único motivo; antes do penhasco, estava um pequeno gramado, utilizado geralmente para meditação ou confrontos internos. Além disso, existe uma gruta utilizada como “a fonte do conhecimento”.

    Borthrit costuma utilizar o local para palestras e reuniões dentro dos seguidores de Boreas. A escada que Aidna obrigou os irmãos descerem estava conectada diretamente nessa gruta.

    Ao chegarem, Theo analisou algumas pinturas rupestres nas paredes da gruta, em uma parte onde não estava ligada a nenhuma estante ou altar. Nas brechas das paredes, o povo de Boreas guardava seus livros e anotações de conhecimento.

    Já que o contato com o exterior era tão limitado, eles não tinham tanto conhecimento de outras cidades independentes, sequer dos grandes reinos. Mesmo em um mundo que estava prestes a entrar na revolução tecnológica, eles ainda falhavam na área de comunicação. 

    Os nobres eram os únicos informados, e alguns comerciantes que fofocavam pelos quatro pontos cardeais do globo.

    Por pura curiosidade, Theo puxou o maior livro de uma das rachaduras. Ele descartou após ver que se tratava de mais um livro sobre feitiços, e todos eram os mais genéricos possível.

    Agnes foi um pouco mais inteligente que seu irmão, buscando ver o comportamento das pessoas e o que eles estavam praticando. A maioria, naquele dia, praticava meditação. Uma pequena maioria estava praticando selos nucleares.

    Um dos garotos que treinava esse conceito soava frio. Seu rosto estava pálido, devido a exaustão e energia gasta para efetuar o movimento. Mesmo com esses sintomas, ele sequer piscava em concentração.

    — Interessada na arte da invocação? — perguntou Aidna.

    Agnes saltou para trás, levando um pequeno susto pela intromissão repentina de Aidna.

    — Arte da invocação?

    — Sim. O ato de criar uma ponte entre as dimensões; manipular a partícula da existência através da nossa própria consciência, para poder trazer seres de outras dimensões ao mundo físico.

    Aidna deu um passo em direção ao gramado, fora da gruta, e começou a mexer as mãos uma sobre a outra. A druida repetiu o gesto três vezes antes de estender os braços para frente, onde uma energia verde formou um holograma no ar.

    O holograma formou um cubo, que logo depois foi circulado por uma esfera e preenchido por energia. A esfera de energia diminuiu, a um nível que cabe na palma da mão de qualquer um.

    — Veja, esta é uma fada. Eu acabei de convocá-la de outra dimensão, criando uma conexão de consciências.

    — Conexão entre consciências… — murmurou Agnes. — Você utiliza que tipo de energia para isso?

    — Quantum. É a única entre todos os tipos de energia que não depende de um núcleo. Depende apenas do nosso conhecimento do mundo e da consciência para afetar a realidade entre as dimensões.

    Agnes ficou em silêncio por um momento, buscando uma interpretação adequada.

    — Apenas imagine que, assinando contrato com uma criatura é possível ligar-te a ela espiritualmente, como uma ponte interdimensional ativada apenas pelo quantum. É exatamente isso que o xamã Borthrit fez para me invocar na torre.

    — O xamã é um invocador?

    — Domador e invocador. Além de invocar seres espirituais, ele também domestica as criaturas bestiais. Óbvio, eu sou apenas parte de um contrato, não sou ninguém domesticada…

    — Parece ser por qualquer homem — comentou Theo, se aproximando com um livro em mãos.

    — Só por você.

    Aidna novamente se jogou no rapaz.

    — Agnes, olha o que eu aprendi — disse Theo, ignorando completamente a druida.

    Ele estendeu uma página ilustrada para sua irmã, onde a marca da ressonância estava destacada. Contudo, ao invés de somente uma, estavam as quatro; ressonância do vento norte, sul, leste e oeste. Ao lado, uma breve descrição de cada.

    Mas, não era isso que Theo queria destacar. Ele apontava para um pequeno parágrafo que mencionava algo útil para ele; existe uma forma de manter o estado elementar permanentemente.

    As sobrancelhas de Agnes arquearam. Aidna, que estava repousando o rosto no ombro de Theo, questionou:

    — Por que você quer saber das ressonâncias do vento?

    Theo não proferiu palavras, ao invés disso, ele demonstrou.  Estendendo a mão esquerda, ele ativou a ressonância momentaneamente, e desativou quando uma dor aguda tomou sua mão.

    — Oh… — murmurou surpresa. Um sorriso desconfortável surgiu em seu rosto. — Você é bem mais belo do que eu imaginava.

    Aidna se afastou e pegou o livro.

    — Sim, é possível. Só basta uma concentração incrível, ou poder espiritual para manter. Mas, dê um passo de cada vez, querido. Você demonstrou dor quando desativou, isso insinua que você está fora de harmonia com seu poder. É melhor treinar esse quesito um pouco mais.

    Ela folheou algumas páginas, retornando para trás. Parando na décima página do livro, ela apontou algo básico que Theo já deveria ter feito, mas não teve tanto tempo; usar a ressonância elementar com feitiços casuais, assim como os próprios atributos, além de alinhar a consciência, transformam o usuário e seu elemento em um só.

    “É como o alinhamento de chakra…” ponderou Theo. “Mas também é o básico. Usar um mesmo feitiço várias vezes o torna mais forte… Usar a ressonância muitas vezes, e acostumá-la com o uso excessivo, irá deixar a marca mais poderosa e, consequentemente, eu também.”

    Aidna aproximou de Theo novamente, porém, sem malícia.

    — Vai precisar de mim? — perguntou a druida.

    — Por incrível que pareça, sim — respondeu o rapaz, sem esboçar nada além de sua expressão neutra.

    — Sério? — Ela se surpreendeu.

    Assentiu que sim.

    — Depois falo com a Selina sobre o rumo…

    — Você não está dependente demais da senhorita Selina? Quer dizer, você está recorrendo a ela a todo momento… — comentou Agnes. Aidna ficou de segundo plano, com os olhos um pouco surpresos.

    — Ela é tipo o meu alto escalão agora. Cada passo, tenho que informar a ela. Vou voltar lá para dentro e estudar um pouco mais.

    Pegando o livro de volta, Theo retornou para a gruta. Ele continuou a mexer nos livros entre as brechas, procurando os mais diversos tipos de conteúdos. Fossem científicos ou históricos.

    — Ele sente bastante admiração por essa Selina… — comentou Aidna.

    — Sim — Agnes murmurou olhando para o chão.

    Gume da liberdade, ponto norte.

    Selina guardava um pergaminho, selado com um brasão da seita de Alunne; uma lua cheia, de tonalidade cinza e elegante. Ela caminhou e viu um homem parado num enorme pátio, ele segurava um gavião no braço. 

    — Senhorita! — Borthrit chamou por Selina, saindo de uma instalação nas montanhas. — Aqui, o meu pedido.

    O xamã entregou outro pergaminho, com uma tonalidade amarelada. Selado, desta vez, com um brasão de uma pena.

    — Detalhou tudo? — Selina se certificou.

    — Sim — afirmou o xamã. — Todos os meus pedidos a ordem de Vagus, detalhe por detalhe. A inquisição de missão está cem por cento.

    — Ótimo. Eles irão demorar um ou dois dias para responder, a depender do agente que decidir escolher sua missão.

    — Tudo bem.

    — Certo…

    Selina se virou para o gavião e amarrou os dois pergaminhos nas costas da ave, onde um colete de couro estava preso, propício para entrega de pergaminhos. Ela recuou três passos e informou:

    — Para o palácio das ordens, na cidade de Fulmenbour.

    O olho do gavião e do homem que o segurava brilharam como esmeralda. Não muitos segundos depois, a ave voou para o céu, rumo à cidade de Fulmenbour.

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