Índice de Capítulo

    A brisa fria e tocante da madrugada abraçou a nuca de Theo. Ele caminhava atentamente entre as árvores de pinheiro, acompanhado por Selina e Aidna um pouco distante. Theo estava com uma roupa totalmente preta, com uma camisa gola alta com mangas longas, coberto apenas por um sobretudo amarelo. Ele carregava sua mochila nas costas, com a espada que ganhou de Selina amarrada em um pequeno compartimento.

    Serach segurava um mapa regional em mãos, com marcações em cinco zonas divergentes. Estava longe do amanhecer, mas, os dois — ao lado de Aidna — decidiram partir naquela madrugada para uma caçada a ordem de Vagus.

    Mesmo a horas de distância dos painéis de missões no saguão de Vagus, Selina trouxe consigo um mapa. Tal que marcava missões de grau cinco ou superior em regiões próximas de Fulmenbour. Ela não queria trazer Theo, mas ele insistiu. Seria uma ótima maneira de tomar uma proporção de como o mundo realmente é.

    Agnes também teimou em querer vir, mas Theo rejeitou de todas as formas. Mesmo com Selina e Aidna jurando protegê-la acima de tudo, ele negou a companhia dela. Logicamente, se nem ele conseguisse aguentar a missão, Agnes seria como um papel para os monstros que encontrarão.

    Em algum momento da caminhada, Aidna agarrou a mão esquerda de Theo, entrelaçando os dedos. O rapaz não rebateu, apenas aceitou o gesto e ambos passaram a caminhar de mãos dadas. 

    Gradativamente, a atmosfera ambiente passou a ficar pesada. Os grilos que antes cantavam, calaram-se e um silêncio ensurdecedor se estabeleceu. Selina sabia que estavam perto do local da missão, mesmo assim, não sabia onde era exatamente. Ela freou em uma clareira, os outros dois foram obrigados a parar juntos.

    — Estamos próximos, mas não sei exatamente onde é o local — disse Selina, fechando o mapa e buscando pela floresta noturna.

    — Eu posso ajudar. Mas precisarei de um lugar seguro — sugeriu Aidna, gesticulando com as mãos para o céu.

    Selina assentiu.

    — Theo, proteja ela. Vou andar mais um pouco, volto logo.

    Aidna olhou para Theo de lado, com um sorriso estampado. Ele se contorceu com a futilidade dela. Para guiá-la até um local seguro, o rapaz empurrou a druida pela lombar em direção a um pequeno morro. Foi um grande erro, pois a druida emitiu um som, parecido com um gemido agudo, apenas para envergonhá-lo em frente a Selina.

    Serach riu da situação, principalmente por causa de Theo. Estava desenhado na cara dele o que estava acontecendo; aquela ninfa o desejava.

    A druida guiou Theo até ao pequeno morro, onde ele se sentou no chão. Uma enorme pedra segurava o morro, quase como uma muralha natural. Theo aproveitou o ambiente para descansar. Aidna entrelaçou os dedos e projetou um pentagrama no ar, que logo explodiu em mana e invocou um enorme falcão. O animal voou para o céu.

    — Isso ainda parece magia para mim… — comentou Theo.

    Aidna sorriu e retrucou:

    — A ciência do desconhecido é a magia. Mas o que isso significa exatamente? Tudo o que nós fazemos hoje, era magia há mais de dois mil anos. É só uma questão de tempo para a magia e ciência se tornarem um só… O problema mora na magia negra.

    Ela se sentou ao lado de Theo, posteriormente se deitando no colo do rapaz.

    — O erro está na magia negra. Usar a magia convencional não é um erro. Na verdade, eu diria ser um grande acerto. Foi assim que os desviantes evoluíram ao longo dos séculos.

    — Você precisa mesmo se deitar aí? — reclamou.

    — O que foi? Tem medo que eu sinta algo?…

    Theo ficou constrangido.

    — Relaxa. Apenas me proteja.

    Aidna fechou os olhos, repousando ali mesmo. Entretanto, ela trocou de consciência com o falcão. Na verdade, ele possuiu o corpo da sua própria invocação para poder averiguar o lugar. Mesmo estando distante, ela conseguia se comunicar com Theo.

    — Me diga, loirinho. Qual o tipo de mulher que lhe atrai? — perguntou Aidna.

    — Hã?

    — Qual o seu tipo de mulher? Qual é, você deve ter uma preferência.

    Ele refletiu por um milésimo de segundo. Nunca deram a ele a oportunidade de ter uma preferência.

    — Hum… Acho que mulheres com personalidade forte. Alguém nobre, que não deixa ser rebaixada e nem rebaixa ninguém. Uma pessoa respeitável. Em questão de aparência, acho que…

    — Acha? Não tem certeza da própria opinião?

    — É que… — Theo suspirou. — Nunca me deixaram pensar sobre isso.

    — Por que não? Achei que as mães humanas desejam que seus filhos se casem aos quinze…

    — Eu sou um nobre.

    Theo estava insatisfeito e incomodado em falar isso, mas Aidna por si só causava conforto e confiança nele. Mesmo que se conhecessem há poucas horas.

    — Não um nobre baixo. Eu sou… sobrinho neto? Algo assim. Do imperador de Romerian. Desde sempre jogaram a pressão de “que eu tenho que me casar com uma princesa”. Já cogitaram fazer um casamento planejado, mas meu pai proibiu. Mesmo com meus pais me distanciando da realeza, eu nunca pude pensar sobre isso. Sobre o amor ou o tipo de pessoa que eu quero ao meu lado.

    — Então você nunca pôde amar de verdade ou escolher quem amaria… Bom, não nego. Eu gostaria de ser a princesa que ficaria com você.

    Ele expulsou o ar de seus pulmões de maneira brusca.

    — O que você viu em mim?

    — Um garoto com uma energia agradável. É satisfatório estar ao seu lado. Pensei que humanos não podiam ser assim…

    Aidna abriu os olhos e se levantou ligeiramente, causando uma breve surpresa em Theo. 

    — Você parecia alguém imaturo, mesmo com sua personalidade responsável.

    — Posso dizer que eu sou bastante imaturo…

    Aidna se levantou e pressionou a coluna, tentando se alongar.

    — Pelo menos expressou os seus sentimentos.

    — É um grande feito. Meu corpo é tipo uma porta e minha mente um quarto bagunçado…

    Aidna riu desajeitada. Ela se agachou na frente dele para deixar a marca de seu batom verde novamente, porém, agora em sua bochecha.

    — Vamos. — Ela estendeu a mão. — Eu encontrei nosso ponto final.

    ☽✪☾

    O grupo caminhou mais alguns minutos, até chegarem em uma ruína de pedras. Mais adiante, estava uma enorme fortaleza arruinada, porém, a única entrada era seguir pelo caminho adiante. 

    Cem metros antes do ponto que Aidna visualizou, vários rastros de uma ruína foram encontrados; pilares brancos quebrados pela metade, estruturas de pequenas casas destruídas, ruas devoradas pela natureza… 

    No topo de uma escadaria, que cortava um morro e as árvores, um grupo de pessoas estavam ao redor de uma fogueira. Era uma chama alta o suficiente para ultrapassar os pinheiros. Aquilo poderia chamar atenção das bestas, porém, apenas dos mais fracos. 

    As bestas mais poderosas sabem que aquelas chamas estão sendo mantidas por seres poderosos o suficiente para matar qualquer um. Por isso, aquela região estava totalmente segura.

    Entretanto, não é apenas pelas chamas da fogueira que os monstros se mantêm distantes. E sim pela presença de dois indivíduos, na qual toca na alma dos superiores, onde somente os mais fortes conseguem sentir. Os mais fracos são aterrorizados e oprimidos.

    Aqueles que não sentem essas presenças… Pode se dizer que não serão afetados por nada neste mundo. Homens com a mente blindada.

    — Olha, tem um grupo se aproximando. — Apontou um homem coberto por uma armadura de prata.

    Um rapaz ruivo, com o cabelo de tonalidades ainda que amareladas e pele um pouco pigmentada, foi até uma barraca de pano e anunciou:

    — Senhor Gomez, temos novos agentes.

    Javier Gomez, um dos mais influentes soldados de todo o mundo, estava sentado em uma pilha de almofadas. Os cabelos pretos de Javier são jogados para o lado, mantidos graças a sua oleosidade natural. Ele era jovem, aparentando ter apenas vinte anos, mas sua face era fechada por uma barba bem cuidada.

    Ele estava com os olhos fechados, tentando dormir. Era a quinta vez que ele tentava dormir naquela madrugada, mas sempre havia um problema. O último foi uma besta infeliz que tentou atacá-los, mas não deu para ele sequer aquecer a unha do mindinho.

    — Expulse-os. Já temos muitos agentes — ordenou Javier.

    — Venha o senhor. Este trabalho é seu.

    Javier cerrou os dentes antes de se levantar. Caminhando para fora da barraca, ele parou no topo da escada, onde o grupo de Theo ainda subia os degraus cobertos por fungos e musgos.

    — Se apresentem — ordenou Javier, falando para Theo, Selina e Aidna.

    — Serach! — exclamou o rapaz ruivo.

    — A conhece, tenente Kyle?

    — Sim. Ela é parte da minha trindade celestial. Está bem longe de casa, não é?

    — Kyle! Que surpresa — exclamou Selina, sorrindo.

    A cena pareceu estranha para Theo. A profundeza de gelo, chamada Selina, sorrindo? Esboçando apego por alguém? Se bem que ela demonstrou preocupação com o rapaz em vários momentos…

    O grupo parou cinco degraus abaixo de Javier.

    — Me chamo Serach, agente de grau seis da ordem de Vagus. Sou seguidora da deusa Alunne — apresentou-se.

    — Sou Aidna, braço direito do xamã Borthrit, na cidade de Zephyr.

    “Uma seguidora de Norlan. Repugnante.” avaliou Javier. Ele virou o rosto para Theo e esperou que o rapaz se apresentasse.

    Quando estiver de frente a uma autoridade, não excite em mencionar que é meu filho.

    — Theo Augustus de Lawrence, segundo filho do duque de Loureto, Ethan de Lawrence.

    As sobrancelhas de Javier saltaram para cima.

    — Oh… O filhinho do mestre. É uma honra poder te conhecer, jovem mestre. — Javier estendeu a mão, curvando lentamente as costas.

    “Ele mudou totalmente a personalidade…” Kyle pensou, de forma cômica. “Porém… Filho do duque Ethan, né?”

    Kyle também curvou.

    “Às vezes esqueço que esse moleque é importante…” comentou Selina, deixando na própria mente.

    — Moris! — exclamou Javier.

    Um gemido de sono veio do alto de uma árvore. Entre galhos e folhas de um pinheiro, Moris lacrimejou enquanto bocejava. Ele coçou os olhos e desviou para baixo, olhando onde Javier estava. Moris pulou da árvore e caiu ao lado de seu companheiro.

    Seus cabelos castanhos claros, com algumas mechas de cabelos loiras, estavam tão bagunçados quanto os de um cientista que não dormia há dias. Os olhos, bastantes peculiares, sendo verdes tingidos por uma pequena, e quase translúcida, aura vermelha. 

    Moris ainda estava morrendo de sono.

    — Deixe-nos apresentar, jovem mestre. Eu sou Javier Gomez, o titã das águas.

    Um tremor abraçou Theo e Selina. Aidna não entendeu o peso das palavras de apresentação. 

    Aqueles homens na frente de Theo, não eram somente soldados ou generais, mas sim dois dos doze humanos mais poderosos do mundo conhecido.

    Os titãs, um grau além dos dez graus do exército. Humanos que transcenderam para além dos generais, os mais prestigiados e honrados.

    — Jovem mestre? — Moris coçou os olhos.

    — Tenta adivinhar. Olha a aparência.

    Moris deu uma boa olhada em Theo.

    — Loiro, típico dos nobres. Olhos bem caídos… — Bocejou novamente. — Cor de mel. Não, não faço a mínima ideia.

    — Família Campbell, do norte.

    — Hm… Ele é filho da senhorita Cinthia?!

    Theo levou seu corpo para trás, em um breve susto.

    — A Cinthia tem um filho?! — Theo exclamou.

    — Então é da irmã mais nova. Camille, né? A princesa Camille é… — Seus olhos abriram e sua entonação diminuiu. — … a duquesa de Loureto. Você é o filho do Sir Ethan?!

    — Ele sempre fica de olho nas famílias nobres. Cuidado, ele é tipo um paparazzi. Já, já ele sabe com quem você está saindo — brincou Kyle, com um tom de serenidade.

    — Onde estão meus modos! — exclamou Moris, despertando do sono imensurável que sentia antes. — Eu sou Moris Ziziel, o titã da ira. O jovem mestre deseja avançar para a fortaleza?

    Um brilho tingiu seus olhos cansados.

    — Fortaleza? — Aidna perguntou, se escorando em Theo.

    Selina virou o mapa e mostrou aos titãs.

    — Recebi uma notificação para expedição nessa região há três semanas. Como estava na região, decidi passar para ver como estava indo a missão — disse Selina. — Notei que não precisam de mais agentes por aqui…

    Serach olhou para trás dos Titãs, onde um grupo enorme de agentes se reuniam. Ao todo, eram quarenta e um agentes, contando com Kyle e com a exceção dos Titãs.

    — Tem espaço para mais — sugeriu Javier.

    Todos perceberam que ele queria apenas a presença de Theo na fortaleza. 

    O Titã das águas se virou para os agentes e aplaudiu, voltando a atenção de todos para si.

    — Agora somos, ao todo, quarenta e seis agentes para a expedição à fortaleza. Por isso, iremos nos dividir em dois grupos de vinte e três. Um será liderado por mim, Javier Gomez, e pelo Titã da ira, Moris Ziziel. Escolham seus líderes até o raiar do sol — anunciou Javier.

    Olhando uma última vez para Theo, ele cumprimentou e se distanciou, voltando para sua barraca na companhia de Moris.

    — Jovem mestre, mesmo que eu seja subordinado do Sir Javier, tenho uma recomendação: escolha o lado do lorde Moris — sugeriu Kyle.

    — Quê? — Theo despertou de um momento reflexivo. — Por quê?

    — O Titã Javier é…

    — Sujo — interrompeu Aidna. — O núcleo dele é podre.

    Na visão da druida, uma mancha roxa estava no plexo solar de Javier — era seu núcleo, na forma mais poderosa dos núcleos frios. Porém, o chakra que representa seu atributo elemental estava totalmente salobro. 

    — Geralmente, controladores d’água tem um núcleo puro e incolor. Porém, aquele homem tem uma mancha salobra no lugar da água.

    — Então… — pontuou Selina. — Qual time você escolhe, “jovem mestre”? — Sarcasmo veio de sua voz.

    Ele reagiu ao sarcasmo de Serach com um olhar de julgamento. Porém, ele aceitou a responsabilidade de escolher o mestre a quem serviria naquela missão.

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