Capítulo 69 — Fortaleza de guerra (2)
Quando o alvorecer subiu e iluminou a floresta de pinheiros, o grupo da expedição avançou. Algumas pessoas ficaram para trás, pessoas comuns que estavam ali apenas para auxiliar os desviantes na estadia temporária.
Os grupos estavam divididos, cada um em um lado diferente das ruínas, apenas para diferenciar. Vinte e dois agentes seguindo Moris e outros vinte e dois seguindo Javier. Estavam totalmente armados e preparados para entrar na fortaleza. Logo mais, atravessaram uma pequena ponte que separava a fortaleza da floresta.
Ao pisar na ponte, Theo e Aidna sentiram a mesma sensação; o ambiente havia mudado. Talvez por terem vínculo ao vento, eles sentiram a atmosfera pesar de uma forma diferente. A partícula dominante não era mana nem éter. Na verdade, era uma derivação do éter: o néter. Theo sabia disso por presenciar a partícula ao visitar Caronte no Tártaro, porém, era desconfortável naquela quantidade.
A fortaleza era um enorme castelo, erguido tipicamente por uma muralha de tijolos. Algumas torres planejadas em suas extremidades, tais para arqueiros, e uma guarita para soldados ainda nos portões. No entanto, não havia nenhum soldado.
— Isso é estranho — comentou Javier. — Eu jurava que tinha dois guardas nessa guarita…
— Pois é, tinha mesmo — reforçou Kyle.
— Os portões já estavam abertos?
— Com certeza não.
Não só abertos, eles estavam destruídos. Os dois portões, com quase dez metros de altura, estavam completamente arruinados.
— Moris, para qual lado você quer ir?
— Hum… — Moris balbuciou. Não muito tempo depois de pensar, o titã da ira pegou uma moeda em seu bolso. — Escolho coroa.
— Fico com cara.
Moris colocou a moeda sustentada no dedo indicador e empurrou para cima com o polegar. A moeda voou cerca de cinco metros, graças a uma força bruta exagerada do titã. Ele fechou a moeda na mão e a tampou até que os dois pudessem vê-la. Moris tirou a mão de cima da moeda.
O resultado favoreceu Moris e deixou Javier desapontado. Eles pareciam duas crianças; o titã da ira saltitava de felicidade enquanto o titã das águas fechou a cara e quase fez biquinho.
Embora tivesse dado a chance para Moris escolher, Javier desejava seguir pela direita, pois a presença e intensidade de energia estava favorecendo totalmente para àquele lado.
— Escolho a direita. Vamos, avante! — exclamou Moris, para o seu grupo seleto.
O grupo de Javier esperou parado, vendo o grupo da ira avançar para dentro da fortaleza. Os últimos a entrarem foi o trio de Theo.
O Titã das águas cumprimentou Theo uma última vez, antes dele entrar na fortaleza e sair do seu campo de visão. O grupo do mar esperou cinco minutos antes de entrar na fortaleza, e então, seguiram para os corredores esquerdos do forte militar.
Por dentro, o estado da fortaleza estava mais agradável. Mesmo com pouca iluminação nos corredores, as paredes estavam intactas, ainda que parecessem as paredes de um calabouço. O ambiente estava frio, contudo, para Theo e Aidna estava, além disso. O frio estava, de certa forma, incomodando eles. Mas, além disso, o néter penetrava as camadas de suas peles e tocavam a carne diretamente.
A solução que Aidna encontrou para se distanciar dessa horrível sensação, foi ficar mais próxima dos outros agentes. Assim, a mana que emanava deles acabava sobrepondo o néter do ambiente. Theo optou por ficar ao lado do titã Moris, que logo o percebeu.
— Jovem mestre — chamou Moris. — Parece bem ansioso.
— É a minha primeira vez em uma missão assim. Antes disso, eu lutava apenas contra cristais arcanos. — Theo respondeu olhando as paredes, inquieto.
— Entendo… Elevou o grau muito rápido. Mas vai se sair bem. Espero que evolua durante as lutas aqui dentro. O grande mestre Ethan era o rei dessa arte.
— Como assim? E por que vocês o chamam de grande mestre?
Moris se espreguiçou novamente, esticando o braço para cima. O frio da fortaleza estava dando sono nele.
— Há uns vinte anos, ele era o mais forte dos Titãs. Ele treinou todos os agentes de grau oito a dez pessoalmente, por isso a maioria, hoje em dia, é tenente ou general. Porém, desistiu da patente e assumiu o cargo de duque, no abandonado ducado de Loureto. Estou feliz por ele, apenas em dezessete anos tornou um lugar pobre em uma das maiores potências do continente… É, realmente. A realeza nasceu para liderar.
— Ele te treinou também?
— Sim — respondeu orgulhoso. — Ele me ensinou a dominar o medo. Usar a raiva como o reagente para a minha combustão de alma e então… transformar a ira em poder.
“Meu pai realmente foi admirável…” Theo pensou cabisbaixo. “Talvez seja porque cresci com ele, mas nunca enxerguei essa parte poderosa dele. Nem essa liderança infame. Eu só enxergava o meu pai… Estou me sentindo triste por não aproveitar mais com ele. Isso é saudades?”
Theo estava confuso e perplexo, mas logo teve sua atenção tomada por Moris.
— Nós sentimos falta dele — comentou Moris. Theo murmurou em interrogação e logo o titã explicou. — Depois que ele foi embora, o Sir Lincoln quem assumiu o posto de líder, novamente. Já que ele era o líder antes do grande mestre Ethan… Porém, os veteranos, Javier, Calebe, Joshua e Sergei não aceitaram bem… Apenas os novatos que seguiram normalmente. Isso até há alguns anos.
Moris engoliu em seco e abaixou o tom de voz, buscando distância do grupo.
— Não queria falar sobre isso com um aspirante a agente, porém, sendo o filho do grande mestre, eu posso confiar. Nós, os titãs, estamos completamente separados. Não sabemos a quem servir, estamos criando nossas próprias ordens e gerando conflitos internos. O Sir Javier e o jovem mestre William, da casa dos Windsor, estão brigados até hoje. Me pergunto em uma situação de guerra, como estaria o mundo em nossas mãos? Um grupo de “deuses” numa guerra, sem seguir o líder de seu panteão, apenas estaria afundando o próprio mundo ao Tártaro…
“Meu pai faz bastante falta…” Theo ficou de olhos entreabertos, cabisbaixo.
— Jovem mestre Theo — chamou Moris, uma última vez. — Seja superior ao seu pai. Faça jus a ele. Faça ele ficar orgulhoso. Quero ouvir seu nome na boca do povo daqui a uns dez anos. Então, evolua!
Theo se espantou com as palavras do titã. Talvez por Moris ser uma das pessoas mais famosas do mundo, ele não esperava esse comportamento.
— Que foi? Eu sou forte e famoso, mas ainda sou humano, né? Ainda tenho sonhos e desejos. Sou apenas um adolescente para alguns desviantes… Por isso, em uns dez anos por aí, quero você sendo um tenente, não. Um general.
Moris estendeu o braço com o punho fechado, escondendo o gesto dos outros membros de seu grupo por debaixo do manto branco que vestia.
— Fechado?
— Sim.
Theo respondeu ao gesto com um soco frágil, enquanto sorria e esboçava orgulho.
— Titã Moris! — Um de seus assistentes chamou. — Olhe isto.
Moris recuou ao fundo de seu grupo. Ele ordenou que continuassem caminhando até a próxima fonte de luz, que não estava tão longe. Além de Moris e seus dois assistentes, mais dois agentes ficaram para trás. Dezoito avançaram para o ponto ordenado.
Zypher, o assistente de Moris, apontou para uma parede e iluminou um pouco a região, revelando algumas pinturas rupestres na parede.
— Um trono… — Moris murmurou passando a mão nas pinturas. — Um rei… Um exército… Um cubo… e uma luz?
— Tem algum sentido? — retrucou Zypher.
Moris sacudiu a cabeça.
Subitamente, o estrondo de uma estrutura se movendo ecoou pelo corredor, porém, apenas na direção que o grupo de Moris estava. Uma parede, assim como todas as outras; de tijolos claros, se ergueu dez metros a frente, na direção que o segundo grupo fora.
O Titã da ira agiu rapidamente, preparando uma barragem de socos pesados e desferindo contra a parede, visando quebrá-la. A resistência da parede não cedeu.
— Jovem mestre Lawrence! — gritou Moris, em desespero pelo grupo que possivelmente estaria perdido. — Jovem mestre! Jovem mestre Lawrence!
Moris gritou até sua garganta secar, e mesmo após isso, ele continuou gritando por Theo e por outros nomes do grupo.
Zypher, empunhando um machado de guerra, começou a atacar a parede junto de seu líder. Os outros membros também começaram a atacar desenfreadamente até cansarem. Eles caíram, mas Moris não. Três agentes caíram no chão por cansaço, Zypher se revigorou por um momento enquanto o titã continuava quebrando a parede.
— Jovem mestre! — exclamou novamente.
— O titã Moris não está demorando muito? — Um dos agentes do segundo grupo perguntou, escorado na parede abaixo de uma tocha.
— Um pouco — respondeu outro.
Aidna se aproximou de Theo, repousando os braços nos ombros dele. Aproximando a boca do ouvido de Theo, ela cochichou:
— Não estou mais sentindo a presença daquele homem…
— Quê? — Theo murmurou por reflexo.
Ambos se encararam até que a ficha caísse.
O rapaz, gentilmente, pegou Aidna pela cintura e afastou a druida para trás. Ele caminhou para o meio do corredor e olhou para trás, na direção que Moris deveria estar. Theo ativou o terceiro olho, chakra que ele andou aprimorando nos últimos dias.
Uma luz brilhou no peito de cada desviante presente, com as cores de seus núcleos de energia. Até mesmo os desviantes mais distantes, dois homens sentados um pouco recuados onde a luz não ilumina, estava destacado. Porém, nenhum sinal de Moris.
— Senhor Moris — chamou Theo, arqueando a sobrancelha. O tom de voz estava normal até então. — Senhor Moris?!
Todos os agentes olharam para Theo, que chamou Moris uma última vez. Um desespero mútuo surgiu no peito de alguns agentes.
Theo começou a correr em direção à Moris, gritando pelo Titã da ira enquanto passava pelos colegas de equipe. Aqueles que estavam sentados, se levantaram. Os escorados nas paredes foram para o centro do corredor e observaram o rapaz correr desesperado.
Os dois homens recuados viram Theo correr por eles, quando o tempo parecia não existir mais.
— Titã Moris! — Theo exclamou de um lado.
— Jovem mestre Lawrence! — Moris exclamou do outro lado.
Com o seu soco mais forte, Moris finalmente conseguiu quebrar a parede, abrindo um enorme buraco na estrutura. A poeira dos destroços subiu, mas o titã não esperou. Ele atravessou a abertura e se impressionou.
Theo desapareceu na escuridão do corredor. O pé do rapaz desceu para abaixo do limite terrestre, não encontrando um chão firme para se equilibrar. Por reflexo, Theo criou um vórtice em sua mão e explodiu o feitiço, causando uma ventania que o jogou para trás. Ele voou até os agentes.
Um agente brutamonte, tendo quase dois metros de puro músculo, os segurou em seus braços, amenizando o dano que Theo receberia.
— O quê aconteceu? — perguntou o agente que segurou Theo.
Theo tossiu seco, seu rosto estava mais pálido que o normal.
Assim que Moris atravessou a parede e pôde finalmente vislumbrar o outro lado, ele abaixou a guarda. O corredor largo feito por tijolos brancos, não estava mais ali. Pelo contrário, agora estava em um quarto bem iluminado e arrumado, com uma enorme janela de vidro permitindo a passagem de luz do sol.
O pequeno grupo, composto por apenas quatro agentes que seguia Moris, atravessou a abertura, acompanhando o titã para o outro lado.
— Onde nós estamos… — resmungou Zypher.
— Lord Moris — chamou um conjurador, sua voz falhava. Ele estava apontando para a parede que eles atravessaram há alguns segundos.
O buraco feito por Moris desaparecera. Agora, estava apenas uma parede da cor bege, assim como as outras três paredes do quarto. No lugar da abertura, estava um quadro de um escudo romeriano; redondo, circulado por metais de prata.
O Titã da ira cerrou os punhos com tanta força, que sangue começou a escorrer por entre seus dedos.
— Que porra de lugar é esse? — Moris e Theo resmungaram no mesmo instante, após presenciarem experiências diferentes da mesma estrutura.
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