Capítulo 72 — Titã da Ira (2)
— Moris, se levante! — ordenou o treinador.
Após ser derrubado no chão, Moris ficou por lá. Caído e tentando recuperar as forças, mas, com medo de apanhar novamente. Naquela época, ele era apenas um agente de grau três lutando contra um agente de grau seis. Diferente de Selina que pegou leve com Theo, em escolas militares as lutas são totalmente diferentes.
O primeiro a cair, perde. Nem que isso signifique ficar em coma por alguns dias.
O pequeno Moris acumulou forças e decidiu se levantar, depois de uma grande luta interna. Ao se levantar, ele demonstrou uma postura totalmente aberta. Até uma criança poderia nocauteá-lo com todas aquelas brechas.
— Mantenha a postura! Foco!
Ofegante e tenso, Moris lançou os punhos para a frente de seu rosto, pondo a perna esquerda na frente. Mesmo com cansaço, ele tentou ficar de pé.
O parceiro de treino de Moris avançou, rodeando o rapaz enquanto buscava uma abertura incoerente com a postura. Moris entregou isso de bandeja para seu parceiro ao tentar acertar um jab de esquerda; a postura de Moris ficou totalmente aberta. Seu companheiro podia tomar um café enquanto pensava em como finalizá-lo.
Porém, sem enrolar, o outro jovem agarrou o braço de Moris e puxou para cima, deixando o queixo do futuro Titã totalmente aberto para um gancho de direita. E assim foi feito. Moris caiu no chão sem poder reclamar.
Ele odiava aqueles combates. Seu intuito como soldado não era ferir ninguém e nem bater em alguém. Mas sim, proteger alguém. Os soldados deveriam ser isso, apenas isso, para Moris. Porém, a realidade era um tanto quanto deslocada desse ideal.
O treinador pensou em gritar novamente, no entanto, ao olhar para o topo de uma escadaria, ele ordenou que todos seus alunos entrassem em posição cerimonial. Todos os agentes — exceto Moris — formaram filas e saudaram as figuras que desciam as escadas; Ethan Caesar e Leon Caesar.
Naquela época, há vinte anos, Ethan ainda não tinha se tornado o duque de Loureto. Ele ainda era um membro da família imperial Caesar.
Ethan estava acompanhado por seu pai, Leon, o braço direito do imperador. Eles desceram as escadas apenas para ver como estava indo o treinamento. Ethan viu de longe Moris no chão, sem conseguir se levantar. Ignorando o treinador, o futuro duque Lawrence caminhou até Moris e o ajudou a se levantar.
— Você tá bem? — indagou Ethan, jogando Moris em suas costas.
— Tô — respondeu de forma ingrata.
Ethan revirou os olhos vislumbrando os outros agentes, os adolescentes de doze a dezessete anos que treinavam junto de Moris. Alguns riam, até Ethan os encarar. O antigo tenente entendeu a mensagem. Moris não queria ajuda, pareceu ingrato, mas estava agindo pelo orgulho.
O tenente ajudou o aspirante a agente levando-o para longe. Ethan carregou Moris até uma sacada, onde podia ver os campos de treinamento do topo. Moris foi sentado em um corrimão e Ethan o analisou.
— Foi um belo gancho, isso é verdade — disse Ethan, olhando a região que Moris foi golpeado.
O garoto estalou a língua e virou o rosto.
— Sabe quem sou?
— Sim — respondeu Moris. — Ouvi que vocês são mais arrogantes do que aqueles zé-ninguém lá embaixo…
— Vocês quem? Os tenentes?
— Tenentes, generais e até os Titãs… Vocês são os mais fortes, logo são arrogantes.
Ethan suspirou, triste pela mentalidade do garoto.
— Olha… Qual seu nome?
— Moris Ziziel.
— Ziziel? — Ethan refletiu por um momento. — Me lembra um pouco Azazel.
— Por que esse é o intuito. Minha família participa de um culto ao demônio da ira.
— Saquei… Então você deve ter alguma ira, não?
O rapaz resmungou e arqueou as sobrancelhas, sem entender se aquele comentário era um trocadilho ou uma pergunta séria. Mesmo sendo um nobre e tenente, Ethan era apenas um jovem de dezenove anos que vagou durante a adolescência inteira. Seu comportamento, mesmo para o alto escalão, era totalmente sem disciplina e desrespeitoso. Qualquer coisa poderia sair da boca dele.
— Não entendi. Isso foi uma piada? — Moris começou a ficar chateado.
— Não. Foi uma pergunta mesmo. Todos nós temos algo que nos causa ira. Frustração, ódio, raiva. Qual a sua ira, Moris?
Ele refletiu um pouco, mas a resposta veio logo. Suspirando, respondeu:
— A desigualdade. Por que alguns têm que se matar para ganhar algo, enquanto outros precisam apenas nascer? Por que nobres são nobres e pobres são pobres? Ser tratado como escória apenas por não ter sorte de nascer de um ventre de ouro…
— Entendi — riu. — Injustiça, né? Mas por que você não para de reclamar da injustiça e vai lutar? Morrer para alcançar? Apenas renasça das próprias cinzas. Se você não é bom com espadas, use os punhos. Todos somos talentosos, basta apenas encontrar o que nos torna gênios. Como, por exemplo…
Ethan se virou para um pilar de pedra e o socou, sem técnica alguma, não por querer, ele realmente não sabia como atacar da forma correta.
— Eu sou horrível com socos. Mas um gênio na manifestação de energia. Enquanto o Sir Lincoln não sabe muito sobre controle de energia, mas criou uma técnica que apaga qualquer um sem sequer usar mana… Entendeu? Eu sou um gênio em algo, não em tudo. Para ser um gênio em tudo, precisamos apagar a injustiça, nossas reclamações da vida. Precisamos estudar e executar. Destruir para recriar.
Ethan tocou no peito de Moris, apontando para o plexo solar onde fica o núcleo de energia.
— Torne a ira aqui dentro na sua força. Traga para a realidade o monstro que, não o mundo, mas que você precisa. Você é uma combustão. Use a ira como combustível e queime mais. Elimine a injustiça.
Encarando o dragão, Moris cerrou os punhos.
Esfregando os punhos da manopla vermelha, o Titã deixou mais da mana escapar para fora. Tanta mana foi jorrada, que uma nuvem vermelha cobriu todo o Titã. Aquela imensa aura de mana se espalhou e seguiu seu criador enquanto Moris caminhava rumo ao dragão.
“Lorde Ethan… Essa foi a forma que encontrei para usar a minha ira.”
Toda a mana expelida para fora do corpo foi instantaneamente consumida pelo núcleo de Moris.
— Essência, rasteje através do véu espiritual e transcenda este mundo; revele sua verdadeira natureza e estrague o mundo com sua ira…
A mana retornou para fora, cobrindo totalmente o corpo físico de Moris, a partir de seu corpo astral. O corpo do Titã da ira foi coberto por uma energia tão densa que aparentava ser lava.
— Ressonância anímica!
Uma grande massa de energia explodiu, causando uma nuvem de gás, poeira e energia; algo similar a uma supernova carmesim.
Há muito tempo, quando Nalleth Zala ainda não chamava atenção do mundo, ele buscou uma forma de danificá-lo. Desviantes na época de Nalleth não chegavam aos pés dos Titãs de hoje em dia, sequer conseguiam danificar o mundo físico. Para Nalleth, eles só iriam realmente transcender de “humanos para adeptos” quando danificarem os dois mundos; físico e espiritual.
Nalleth estudou a magia e seu fundamento, as teorias que hoje moldam a física desse mundo. Ele chegou a conclusão que algo físico jamais danificaria o mundo como o “pecador original” desejava. Pois, o que ele queria estava além do mundo físico. A única forma de danificar a estrutura desse mundo é atingindo o próprio estado de iluminação, assim como Bidrat Vadburh fez há cinco mil anos. Uma forma de atingir sua alma e usar o astral para danificar o mundo físico. Isso era poder na visão de Nalleth. E essa visão foi o que o tornou poderoso o suficiente para ser um risco ao próprio mundo.
Mas, como Nalleth chegou ao estado de danificar o próprio mundo?
Através de seus estudos totalmente antiéticos, Nalleth concluiu que a base de sua existência, todo o poder de um desviante, estava não em seu núcleo, mas, em sua alma e espírito. O núcleo é apenas uma forma de trazer uma parcela desse poder ao mundo físico. No entanto, via nirvana, atingindo uma ressonância anímica perfeita entre corpo e alma, Nalleth conseguiu trazer a própria essência ao mundo. Atingindo assim, o seu desejo de danificá-lo estruturalmente.
Com o tempo, os estudiosos agentes de Myrddin e Fulmenbour desenvolveram uma forma de trazer essa ressonância anímica ao mundo novamente. De uma forma que não o danifica como Nalleth desejava, mas de uma maneira que os desviantes não precisassem se conter para não quebrar a estrutura. Assim, nasceu o ápice da evolução humana até então: a Ressonância Anímica, onde os mais fortes coexistem com as leis do mundo.
Um feitiço, acima de tudo, que transcende os limites do corpo físico, trazendo a verdadeira essência do desviante para o mundo e o abalando, esmagando e reescrevendo as leis do mundo. Esse estado é algo que somente os Titãs conseguem atingir ainda. E também é o principal requisito para se juntar a este pequeno grupo de adeptos.
Moris durou cerca de quinze anos para poder dominar completamente essa ressonância.
Assim como o pecado da ira, o anjo caído Azazel, dois pares de asas negras surgiram nas costas de Moris. Sua pele foi totalmente revestida por uma segunda camada resistente, quase como escamas negras. Placas de aço vermelhas cobriram noventa por cento do corpo do Titã, até mesmo seu rosto, ainda que fosse dominado pelas escamas negras.
A brecha que moldava os olhos de Moris queimava como chamas, deixando apenas o brilho vermelho transbordar.
Com um balançar de suas asas negras etéreas, o Titã da Ira avançou contra o dragão, ignorando que a criatura era vinte vezes maior que ele. De punhos fechados, fortificados pela própria energia e pelas manoplas que ele usava em sua armadura, Moris voou por debaixo do dragão à procura de uma brecha perfeita.
O Titã tinha se movimentado a uma velocidade tão absurda que ninguém, sequer o dragão, conseguira o acompanhar. Alcançando a extremidade inferior do pescoço do dragão, Moris acertou um soco estrondoso na criatura.
O dragão foi jogada para longe, caindo dentro da fortaleza e destruindo metade da construção no processo.
Parado no ar, após atirar o dragão para longe, Moris começou a elevar sua mana. Uma tempestade de energia alastrou, corrompendo o próprio mundo com uma energia pura, mas, ao mesmo tempo, destrutiva de pura ira.
Todos os agentes, não importava a distância, sentiram sua presença. O poder do Titã esfaqueou o núcleo de todos com sua diferença imensurável — exceto por Javier, que apenas sentiu seu companheiro de casta utilizando todo seu potencial em combate.
— O que é isso? — murmurou Theo, subindo as escadas. Ele, assim como a maioria de seu grupo, perdeu a respiração ritmada e controlada.
— É o Titã Moris em seu ápice num combate… — disse Isak, fascinado. — Incrível, não é?!
Bastien olhou para trás, com uma expressão tão tensa que aparentava estar sendo esmagado.
— Isso significa que há criaturas poderosas o suficiente para fazer até os mais fortes entrarem em seu auge!
— Desde quando isso é motivo de alegria, estupido? — reclamou Jack. — Se os Titãs estão recorrendo ao auge, como acha que sobreviveremos a isto?
— O mundo é dos fortes, morte gélida. Se acham que vão morrer aqui, então não há espaço para medíocres que nem vocês.
Theo parou na escada e olhou para cima. O poder de Moris não tinha uma direção certa, já estava preenchendo cada centímetro do ambiente. A energia do Titã tinha praticamente substituído todas as partículas de mana no ambiente. Era algo tão absurdo, que nem mesmo Theo, um gênio em entender as situações, conseguia processar e explicar o que sentia.
“Isso…” pensou, tenso. “Meu pai é mais poderoso do que isso?”
“Moris, seu desgraçado…” pensou Javier, olhando para trás. O Titã das águas já estava próximo da entrada do calabouço quando o poder de Moris o atingiu.
Javier ficou extremamente abismado com o que estava presenciando. Uma missão simples de grau sete forçou um Titã a convocar sua ressonância? Parecia mentira.
“Que tipo de monstro você está enfrentando?!”
Ao concluir de elevar sua energia, Moris cerrou os punhos e se preparou para atacar o dragão novamente. Antes disso, ele permitiu que a besta se recuperasse.
A técnica de elevação de energia possibilita aumentar a adrenalina em combate, levando o corpo e cérebro do indivíduo ao extremo. Ignorando o que deve ser possível e impossível, apenas executando o que sua força é capaz.
O dragão pôs a cabeça para fora do castelo, olhando para Moris enquanto se recuperava. Com um estrondoso grito, o dragão rugiu para o Titã. O rugido bestial causou rachaduras em todas as construções no caminho e instalou medo no núcleo de cada um, até mesmo no do Titã.
“Atributo de dano… medo?” pensou Moris.
Se o rosto do Titã não estivesse coberto por um elmo demoníaco, um sorriso sádico estaria esboçado em sua face.
— Irei devolver isso para ti! — exclamou Moris, avançando contra o dragão em outra investida.
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