Capítulo 78 — Dentes de diamante (3)
— Você não é um mago — disse Ethan, rebatendo Theo contra o chão. — Nem um bruxo. Para os padrões de Solomon e Myrddin, você seria um feiticeiro.
O duque Lawrence jogou a espada de madeira no chão, próximo aos pés de Theo. Isso aconteceu há cinco anos, enquanto pai e filho treinavam no campo do palácio. Foi um momento crucial para Theo aprender a dominar o atributo vento.
— Os magos precisam estudar para ter poder; os bruxos firmam pactos com deuses ou demônios para isso. Já um feiticeiro… — Ethan se agachou na frente do próprio filho. — Sempre tem o poder. Você só precisa despertar, não aprender. Somente entender. Meu mentor uma vez disse que dons não existem, apenas talento. Ninguém nasce sabendo, nós desbloqueamos novas funções.
Ethan costumava dizer sempre para Theo que: ele tinha um lago de poder, mas usava somente uma gota. Em questão, estava certo. Diferente de Moris ou Javier, Theo sempre mediu esforços contra qualquer que fosse seu oponente. Um “gênio adormecido” é um título apropriado.
— Se você se preocupasse em aprender a condução ao invés da conjuração… Você seria melhor ainda. — Theo se lembrou do mais próximo que chegou de um elogio das palavras proferidas por Selina.
“Sempre dá para melhorar…” pensou o rapaz, correndo pela plataforma, seguido por Aidna, Jack e Bastien respectivamente. “Ser atacado de ambos os lados não é favorável a nós…”
Mesmo que Bastien e Jack fossem de grau sete, que significaria serem mais fortes que os tubarões, a quantidade absurda de animais de grau cinco e seis incomodava bastante.
Os graus impostos pela ordem de Vagus funcionam como um role playing game de mesa (RPG). Estar no grau seis significa estar no nível sessenta. Assim, existem apenas dez níveis de diferença entre um tubarão e Bastien, o agente de grau sete. Porém, essa diferença de nível também se aplica à quantidade necessária de bestas de grau seis para se comparar a Bastien.
Ou seja, dez tubarões de grau seis poderiam rivalizar com Bastien de igual para igual. Já que os animais estão compartilhando a mana através do mar, somente os tubarões que atacam vão concentrar aquela mana momentaneamente, absorvendo o poder de vinte tubarões em um só.
Noutras palavras, enquanto nadam no mar, são apenas tubarões com um núcleo de energia de grau seis, compatíveis com a maioria dos agentes. No entanto, quando um resolve atacar, este absorve energia o suficiente para ultrapassar o nível de Bastien, o mais forte dos agentes ali presentes. O único tubarão se torna uma besta de grau oito, o suficiente para matar qualquer desviante no local.
Lidar com aquele exército de animais “mágicos” é infernal. Por isso, Theo tomou uma atitude ligeira. Não era algo que tinha total controle, mas podia testar. Impedir que se limitasse novamente à energia, somente por que tem um amplificador no peito, e voltar a usar os vetores ao seu bel-prazer. Afinal, essa é a capacidade de um feiticeiro com núcleo neutro.
Estendendo a mão para o lado esquerdo, onde o mar era mais presente, Theo manipulou os vetores do vento para trás, aplicando uma certa pressão e criando quase que um vão de ar entre a plataforma e o mar. Parado, ele tentou manter o controle.
— Bom trabalho. — Bastien elogiou correndo por trás.
Theo ficou parado, tentando manter um estado físico e mental até que todos passassem. Jack foi o último, já que estava lidando com três tubarões que tentaram avançar. Quando o agente de gelo correu para a ponte, o rapaz o acompanhou, correndo e mantendo a barreira de ar. Chegando na ponte, ele extrapolou o limite.
Como a ponte ficava no meio do mar, os tubarões iriam atacar dos dois lados. Criar a barreira somente de um lado não iria mudar em nada, então, Theo tentou criar duas barreiras, porém, sua mente não aguentou. Calcular a velocidade e força, além de aplicar pressão na equação dos vetores, forçou sua mente. Sangue escorreu pelo nariz, descendo, acima de tudo, pelas extremidades de seus olhos.
Seu corpo fraquejou e ele escorregou nas pequenas ondas que cobriam a ponte casualmente. A visão turva balançou pelo ambiente, processando alguns raios de luz. O corpo pesado apenas aceitou a gravidade, permitindo que o puxasse contra o chão com mais facilidade. As barreiras de vento rapidamente se dissiparam.
Entretanto, antes que Theo caísse realmente no chão, Bastien o salvou, colocando o corpo na frente para deixar o rapaz em suas costas.
— Cuide disso — disse para Jack.
Jack assentiu e, rapidamente, juntou os dois punhos em um gesto de oração.
— Oh, majestosa seja a mãe do inverno, Monisi; filha do grandioso Nethuns. Mostre-nos o porquê de sua sede de vingança, banhando este teu seguidor moribundo com o mais congelante de seus sopros… Congele o reino de teu pai… — Pediu ajuda, orando para a deusa Despina.
As veias de mana do agente brilharam pela pele, ganhando uma cor azul vibrante. Os olhos brilharam em uma cor de gelo iluminado, e então, ele tocou rapidamente o chão.
— Liberação de gelo; geada de Crío!
O gelo expandiu para além das mãos de Jack, cobrindo gradativamente todo o mar. Congelando as ondas e criando uma camada tão grossa de gelo que nem os tubarões conseguiam quebrar. O mar ficou menos agitado para o lado esquerdo, o que facilitou os dois grupos a se encontrarem.
Selina, da aljava em sua cintura, retirava e atirava flechas contra os tubarões, enquanto outros suportes faziam do mesmo. Alguns conjuradores não ficavam para trás, no entanto, eram tantos tubarões que eles não tinham muita reação. No fim, a única alternativa era realmente correr enquanto ganhavam tempo.
Ao chegarem na metade da ponte, Theo recobrou a consciência, mesmo que ainda estivesse tonto.
— Você se recupera rápido — comentou Bastien, aumentando a velocidade dos passos.
— O que aconteceu?… — resmungou tentando recordar. — Ah! Os tubarões! — Sua expressão cansada ficou atenta. Ele despertou em um milésimo.
— Sim. Os tubarões… — A voz de Bastien travou ao dizer o nome da espécie, pois repentinamente, um tubarão saltou do mar, do lado direito onde não estava congelado, e se lançou para cima dos agentes.
Theo e Bastien caíram no mar de gelo, deslizando pelo chão congelado. Os dois agentes se separaram, com o agente de grau sete indo para longe enquanto Theo e o tubarão ficaram lado a lado. O animal marinho se contorceu pela falta d’água ao mesmo tempo que Theo raciocinava o impacto.
— Theo! — Aidna preparou um selo de mãos, porém, Jack a interrompeu, apontando para uma horda de tubarões se aproximando.
Abandonando a mochila após muito esforço, Theo se levantou ainda fraco e tirou sua espada longa do compartimento na mochila. Sem hesitar ou gastar tempo, atacou o tubarão até então “indefeso”. Todavia, a espada foi bloqueada pelo próprio tubarão, que inesperadamente, criou quatro patas com o mesmo material de seus dentes.
A espada zweihänder foi bloqueada por um minério brilhante, bonito e muito resistente com tonalidades de azul. Era quase um cristal. Theo recuou um passo, tentando entender aquele material. Para ele, foi rápido saber de qual minério se tratava: com certeza era diamante puro. Afirmava com certeza, pois, sendo um nobre, viu muitos daqueles de perto.
— Que merda… — reclamou estalando a língua. — Não sabem a hora de morrer, hein?
Theo recuou os olhos para trás, procurando por Bastien. O grande porém, era que o agente de grau sete estava lidando com o mesmo problema: tubarões com patas. Buscando pela druida e por Jack, percebeu que estava sozinho naquela luta. Um temor agarrou seu peito.
Ele estava sozinho.
Um agente de grau dois contra uma besta que, por estar em modo de ataque, seria provavelmente de grau oito. Theo tentou se acalmar respirando profundamente e banhando a espada com chamas, procurando intimidar o animal. Entretanto, ao fazer isso, o animal encarou como um desafio de duelo entre predadores.
Não havia para onde correr. Se ele não atacasse, morreria. Se ele decidisse atacar e, por alguma ventura do destino, parasse de atacar, morreria. Esse era o lema de Liam Mason: se parar de atacar em um combate, você morre.
Convicto de que iria lutar, permitiu que sua aura vazasse pelo ambiente. Além disso, ele elevou a própria energia, utilizando uma técnica similar a Moris. A presença dele foi lentamente interferindo no ambiente, a ponto que os agentes no local notassem sua aura se manifestar.
Tamanha preocupação parecia irracional, visto que Theo tinha se encontrado com uma besta de grau quatro anteriormente — a Harpia. Porém, seguindo o artigo de nivelamento de Vagus, bestas acima do grau cinco podem ser consideradas monstros. Acima do grau oito… São mitos.
Firmando o pé no chão, ajustando a postura e agarrando a espada com mais força enquanto a banhava com fogo, ele estreitou os olhos e permitiu que um suspiro fervente vazasse de sua boca. Estar elevando a própria energia enquanto encantava uma arma é algo que exige muita concentração e demanda tempo, caso seja apenas um aspirante. Portanto, o efeito de elevação de energia, tais como picos altos de adrenalina, são lentos.
Theo já estava evitando demais contato direto com o animal. Sempre que realizava uma nova ação, como liberar energia, ele recuava um passo para ganhar tempo. Porém, o tempo estava curto. Mais tubarões estavam aparecendo, ele já não tinha escolha.
Avançando três passos contra o tubarão dos dentes de diamantes, o animal respondeu em um contra-ataque.
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