Índice de Capítulo

    O rastro de chamas, deixado pela zweihänder, cortou o ar em uma tentativa falha de alcançar o tubarão. A besta, no entanto, saltou para trás e se recuperou, correndo de volta para Theo. Suas patas se moviam tão rápido que o corpo do animal não acompanhava, graças ao chão de gelo, o tubarão quase não saiu do local.

    A mandíbula do tubarão parecia algo descontrolada, pois não parava de abrir e fechar, cerrando os dentes de diamante a todo instante. Faltava apenas faísca sair da boca.

    Theo avançou novamente, expandindo o horizonte das chamas; a manifestação ignis criou asas, formando o semblante de uma Fênix.

    — Ignição, segunda configuração… — Chamas entornaram a boca de Theo, tomando o carbono que ele soltou dos pulmões. — Ailes dell’infierno!

    Uma Fênix, conjurada pelo movimento de Theo, soltou da espada zweihänder voando contra o tubarão. O fogo queimou a primeira camada do gelo, deixando um rastro abaixo da média na linha reta que seguiu. 

    O animal, ao invés de esquivar, seguiu na direção do fogo. Era uma besta inconsciente, talvez mais burro que um tubarão normal, com a única função de atacar. Humanos vastamente inferiores a eles são subestimados. A Fênix se chocou com o tubarão que, de uma forma idiota, tentou segurar o feitiço de fogo com a boca.

    Talvez não fosse uma ação tão burra, já que sua boca era totalmente reforçada por diamante. Aquelas chamas não eram suficientes para derreter o animal, mas foram suficientes para confundi-lo.

    As chamas se espalharam por dentro do corpo do animal, causando queimaduras internas onde, devido ao calor, os olhos do tubarão queimaram e quase lacrimejaram. A vista do animal ficou turva.

    Aproveitando a brecha, Theo correu contra o tubarão tendo um movimento em mente. Por causa do pico de adrenalina causado pela elevação de energia, ele ficou ansioso para testar o que fez antes: criar pontos de pressão.

    Antes fora usado apenas como feitiços de defesa, contudo, se usado de maneira correta pode ser uma arma fatal para ataque. 

    Quando a visão do tubarão retornou ao normal, o animal sentiu o punho de Theo sendo levado para suas brânquias aplicando força no punho, encantou, acima de tudo, com uma pressão esmagadora. Um buraco se abriu na carcaça do animal, abrindo uma corrente de ar que jogou o tubarão abatido para longe.

    Buscando por Bastien, com o intuito de ajudá-lo, viu apenas o agente retirando a espada cravada do cadáver de outro animal. O rapaz se espantou com a quantidade de tubarões abatidos pelo agente; ao todo eram quinze.

    Os olhos do agente estavam opacos e distantes, o brilho do sol não refletia de maneira alguma. As mãos de Bastien estavam sujas de sangue, carregando partículas azuis. Era a mana dos tubarões.

    Theo também olhou para as próprias mãos. A mão branca do rapaz estava banhada pelo líquido vermelho e espesso, manchando até a manga preta de sua camisa. Era o sangue de uma vida, em outras ocasiões, poderia afetá-lo mentalmente. Porém, se ele não agisse naquele instante, se não atacasse sem dar brechas para um contra-ataque, com certeza seria morto.

    Uma vida por uma vida. Somente você, por você. Essa sempre foi a mentalidade que tentaram colocar na cabeça dele, mas negou profundamente, pois era semelhante à forma que Liam pensava. No fim, seu alter-ego não estava tão errado. Theo entendeu naquele momento sua necessidade.

    “Falei tanto para a Aryna usar pressão nos jatos d’água que acabei esquecendo de aplicar isso a mim… Zona de vácuo. Será que é possível?” refletiu olhando para a mão ensanguentada. 

    Ele ficou parado, abrindo e fechando as mãos enquanto refletia.

    “Criar uma zona de vácuo seria magia. Porém, como Aidna disse: a magia é a parte teórica da ciência. Basta tornar real, fazer a física se moldar para que se torne possível. Eu quero aprender…”

    Com uma lança de gelo, Jack atacou três tubarões de uma vez. O corte sequer rasgou a pele dos animais, porém, só de encostar congelou as feras. Todavia, por um pequeno descuido, um tubarão escapou por entre as mãos do agente de gelo.

    O animal criou quatro patas de diamante, e, sem hesitar, atacou o mais fraco que estava no mar de gelo.

    “Encontrei meu motivo de estar na ordem de Vagus!” Seus olhos, brilhantes como uma pedra âmbar, clarearam o rosto pálido e sem vida banhado pelo medo. Mas, como nem tudo que há de bom dura muito, o corpo de Theo se fragilizou novamente.

    Ele tremeu, não só o corpo, a alma também. Uma luz sem cor tomou seu rosto, ao mesmo tempo que se arrepiou. Aquela pintura dourada, tal que banhava a atmosfera, fora rapidamente corrompida por uma sensação múltipla.

    Olhando para trás, ainda sem conseguir se mover, ele apenas pôde observar um tubarão peculiar atacá-lo: diferente de todos os outros, que tinham diamantes azuis, aquele estava com uma tonalidade rosa. Mas, diante de tudo, mesmo que aquele tubarão fosse mais poderoso que os demais, Theo não estava com medo dele.

    A origem da sensação ruim era proveniente de outro lugar. De todas as direções do ambiente, na verdade. Theo não sabia como lidar, sequer se mexer.

    Selina descobriu o perigo que Theo corria graças a uma conjuradora. Uma jovem adolescente, Sara, gritou descuidada. Ela não sabia como ajudar, afinal, Theo estava muito longe. Só restou para ela entrar em desespero, assim como fez quando Jin teve sua cabeça arrancada.

    Atirando uma flecha contra os tubarões, explodidos pelo encantamento na flecha, Selina se virou com o grito da garota. De relance, viu Theo paralisado, ainda contornando o próprio ombro. Ao mesmo tempo, um tubarão rosa saltava por cima de seus cabelos.

    Bastien e Jack estavam longe. Aidna então, estava muito ocupada preparando algum feitiço, ajoelhada e orando para o mar. Serach não perdeu tempo, afinal, qual tempo ela teria? Se demorasse, Theo morreria.

    Retirando uma flecha na aljava em seu cinto, Selina encantou o projétil com um atributo de perfuração. A flecha foi atirada em extrema velocidade. Por ter o atributo de perfuração, até o atrito do ar era reduzido, tornando a taxa de acerto o mais próximo de cem.

    Olho por olho, se encararam. Os olhos cor de âmbar, próximo ao mel, banhados por medo e desespero de Theo, se encontraram com os olhos cor de rosa do animal. A faísca de vida que ainda tinha, se apagou quando a flecha de Selina atravessou seu crânio. O tubarão caiu no chão, saindo do campo de visão de Theo lentamente.

    Uma parcela do desespero de Theo sumiu com a morte do animal.

    “Que droga!” reclamou consigo. “Que porra eu penso que estou fazendo?”

    Theo correu para pegar sua zweihänder, tal que deixou cair quando avançou para matar o tubarão.

    “Estou brincando muito com os meus pensamentos. Eu sou como um papel aqui, então tenho que agir diferente.”

    Recuperando a espada, procurou por quem atirou a flecha. Mesmo que a energia fosse familiar, ele não tinha total certeza de que foi Selina. Porém, sua certeza logo chegou. Olhando para o lado, notou Selina ainda apontando o arco em sua direção, suspirando satisfeita ao ver que ele estava bem.

    Ele relaxou os ombros ao mesmo tempo que sorriu minuciosamente.

    — Jovem mestre! — Bastien despertou de seu transe. Ambos partilhavam do mesmo problema; pensar muito após uma ação.

    O agente lamentou por não poder ajudar, mas ficou grato por notar que nada tinha acontecido.

    — Vamos nos juntar a eles — ordenou Selina, passando para o mar de gelo. Todos do grupo seguiram-na.

    — Você está bem? — perguntou preocupado, os olhos opacos de Bastien retornaram a iluminar.

    — Estou. Acabei me desligando da realidade por um momento.

    — Me ocorreu o mesmo…

    Os dois agarraram suas armas com força, distantes um do outro. Eles não tinham ideia de como dialogar. Theo tinha medo de Bastien, enquanto Bastien só tinha problemas sociais.

    Correndo os olhos pelo mar de gelo, Theo achou Aidna ajoelhada próximo ao mar. De mãos entrelaçadas, sussurrava em orações.

    — … Oh, novamente. Purifique o ambiente, grande senhor. Meu rei, ilumine essas águas. Mostre aos impuros o porquê de jamais serem dignos de erguer a espada imortal. Grande Myrddin, rei de todos os druidas. Senhor da natureza e da magia, leve estes seres que amaldiçoam a mim até a queda eterna…

    Um brilho verde a envolveu em uma névoa cintilante. Os cabelos prateados, bem como quaisquer colar da druida, voaram com um vento forte.

    — Afunde!

    O brilho verde se juntou numa esfera verde de energia entre as mãos de Aidna. Uma brisa fria veio como presságio para o que seguiria. 

    O tempo, relativamente, paralisou para Theo. As águas do mar, os cabelos de Aidna voando para cima, os tubarões que Jack enfrentava… Tudo estava praticamente parado.

    Ele notou, em um vislumbre, uma energia azulada sair das águas como um vulcão em erupção. Aquilo pareceu uma ilusão, pois somente Theo conseguiu ver. Foi em um milésimo de segundo mas pareceu ser minutos em sua perspectiva.

    A esfera de energia nas mãos de Aidna explodiu se espalhando pelo ambiente inteiro: batendo nas montanhas como um tsunami de mana, retornando logo em seguida, cobrindo novamente o mar. Quando nas águas, aparentava criar uma barreira, algo sólido. Os tubarões não conseguiam mais subir.

    Todos puderam respirar confortáveis. Um grupo pequeno, contendo agentes de grau seis, caiu no chão. Três seguraram as lágrimas por Jin, outros seguravam pelo momento horroroso que estavam passando.

    Theo correu e deslizou pelo gelo, avançando até Aidna. A druida estava fraca, obviamente. Após usar um feitiço daquela magnitude, mesmo sendo uma oração, sugou muito do núcleo de energia. Theo repousou a cabeça da druida em seu ombro enquanto olhava o oceano na direção que ele viu a rajada de energia.

    Isak cerrou os dentes e punhos, contendo sua frustração. A mais útil no confronto direto foi Selina, uma suporte. Um suporte tinha sido mais útil do que ele em um confronto corpo a corpo. Mesmo que fosse um atacante, Isak aceitou por ficar no grupo central pois achou melhor. Mas, por sua imaturidade em missões de alto nível, ele viu um agente que conhecera há anos morrer.

    — Senhor Drogmose… — Uma conjuradora, Kris, caiu ao lado do agente, outro conjurador, pertencente ao grupo de Isak.

    Drogmose era um homem na casa dos cinquenta anos de cabelo longo e marrom-claro, os olhos do senhor estavam sem cor, sem brilho. Ele mal conseguia conter a dor que sentia. Em algum momento, por descuido, seu braço esquerdo fora arrancado por um tubarão, além disso, parte de seu estômago também tinha sido machucado.

    Os ombros de Isak relaxaram e ele ficou distante. As vozes desesperadas tomaram o ambiente, que antes tinha apenas suspiros ofegantes. Tudo foi apagado, restando apenas Drogmose ajoelhado no chão, já não apresentava resistência. O sangue descia do que restou do ombro, deslizando pela costela e atravessando a coxa.

    Isak caiu no chão, em prantos e sem ter para onde correr. Sua mente turbulenta deu espaço ao mais próximo do desespero absoluto, mas, seu corpo não conseguia expressar isso. Estava em pane.

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