Capítulo 72 — Juiz do Inferno (3)
— Bastien, o guardião das sombras… — murmurou Toiras.
‘Este é o arauto de Hades?’ disse Nihaya.
— Então me conhece, djinn?
‘Eu tinha minha suspeita por causa da espada, mas não era nada concreto.’
— Podemos resolver isso de uma maneira pacífica, então? Nem se todos nós nos juntarmos contra ti seremos capazes de vencê-lo. Porém, vendo que o jovem mestre ainda está vivo… Não tem a intenção de matá-lo, né?
‘Primeiramente… Só aceitarei isso quando o juiz for embora.’
Toiras olhou para Bastien.
— Não irei. Vossa majestade me enviou, o garoto é de vosso interesse.
— No momento, ele está sob os meus cuidados — disse Bastien. — Diga ao rei para voltar depois.
— Está contrariando as ordens de…
Um movimento estranho de Nihaya chamou atenção, paralisando completamente o juiz Toiras.
O djinn estava emanando a mais pura mana enquanto, de olhos fechados, sussurrou para algo.
‘Oh, grande deus da guerra. Expulse este indesejado invasor de seu domínio…’
“Deus da guerra?” pensou Bastien.
— Bastien! — exclamou o juiz, desesperado. — Se você compactuar com isso, receberá grandes punições!
— De quem?
— Moleque imaturo…!
Um brilho carmesim abriu o chão, sendo consumido por uma sombra absoluta. Garras começaram a sair e agarraram o juiz, que ainda tentou lutar contra, mas foi em vão. Toiras foi puxada contra sua própria vontade para a fenda, se debatendo e tentando agarrar o que sobrava de chão.
A fenda de sombras se fechou, puxando o juiz do inferno.
‘Não quer ajudar o garoto antes disso?’
— Enviei uma equipe para isso. Então, podemos conversar?
‘Eu retornarei em breve. Espero responder a todas suas perguntas, e espero ter minhas respostas…’
— Posso confiar? Hm?
Bastien piscou e resmungou, não conseguia crer. Nihaya desaparecera sem deixar rastros, sequer uma turbulência no vento. O agente suspirou.
☽✪☾
Os espectros atacavam Liam como um enxame, não dando espaço para respirar. Assim que ele se livrava de um, outro espectro atacava sem hesitar, o que causou um efeito de agonia no general Mason.
Espectros não são tão poderosos, são apenas almas dos mortos. São como pequenos soldados, guardas de rua perto dos verdadeiros soldados do Tártaro. Mesmo assim, Liam estava com dificuldade para vencer três daqueles, imagina os oito.
Liam lembrou que Ellen, a babá de Theo, contava sobre como os espectros nasciam. Ela disse que após uma alma perder sua vida, consequentemente perde sua cor, sua essência, seu brilho. Quando isso acontece, o ser vivo que antes chamavamos de alma de luz, se torna uma sombra que entra pelas brechas do mundo até cair no inferno.
Essas sombras não possuem consciência, apenas poder, são maleáveis para qualquer um manipular e os transformarem nos espectros; fantasmas menores, meras assombrações que apenas põe medo.
Naturalmente, espectros não podem ser acertados por algo do mundo físico. No entanto, aparentemente por possuir uma armadura, esses espectros em particular são como seres vivos com poderes das assombrações.
Ainda assim, ele estava nervoso. Ansioso, receoso. Talvez fosse medo? Os espectros causam medo para qualquer mortal, afinal, faz parte da presença deles. Liam tinha motivos para sentir medo, já que estava no corpo mal desenvolvido e mal aproveitado de Theo. Ele não tinha velocidade e força para reagir aos oito de uma só vez, notou isso apenas quando mandou os oito avançarem de vez.
— Você está nervoso, Liam — disse Mia 1, a tenente do esquadrão zero, tal que era comandando por Liam. — Está com medo do quê?
Liam ignorou um pouco sua agente, desviando o olhar para o chão. Sua expressão não era nada boa, estava nervoso e inseguro, algo o incomodava naquele dia. Ele ficou distante, concentrando, mesmo que não intencionalmente, toda sua visão para uma única pedra no chão. Os sons distantes ficaram altos, enquanto a voz de Mia foi sendo reduzida gradualmente.
— Liam? — Mia sacudiu o general.
— Oi — retrucou coçando os olhos. Ardiam como se tivessem chamas queimando sua retina.
— O que foi? Está distante, nervoso. Você não é assim.
— Não sei. Tô com um mau pressentimento. Depois que matei o último Kishin, algo mudou. É como se o mundo tivesse expandido os horizontes. Eu não me enxergo mais no topo.
O general olhou para o chão, em êxtase.
— Tenho que ser sincera, foi uma surpresa até para mim. Quatro generais, além do próprio Kaiser e você para matar aquele bicho grotesco… Olha, dá para entender. Mas você não pode abandonar seu trono apenas porque alguém difícil de matar apareceu. Se lembra o que o Kaiser viu em você?
Mia se agachou em frente a Liam, pegando o rosto do general pelos lados e o forçando a encará-la.
— Você não é simplesmente o mais forte, você se torna, superando as adversidades. Se o universo cria uma lei, você a destrói, a supera. Se existe um deus, você se torna mais forte que ele.
“Sim…” pensou Liam, desviando acrobaticamente da lâmina de um espectro.
Sustentando seu corpo pelos braços, com as pernas para cima, Liam criou um impulso de vento para jogá-lo ao ar. Enquanto acima, olhou para os espectro, sua perspectiva estava paralisada. O tempo novamente ganhou uma relatividade extra em seus olhos.
“Eu sou superior.” Alimentou o próprio ego. “Esse medo que vocês implantaram, se comparado com a verdadeira Morte…”
O relinchar de um cavalo amarelo roubou sua audição, acompanhado por vultos indescritíveis.
“São contos de fadas.”
Um espectro avançou contra Liam, tentando cortar com sua adaga negra. No entanto, o ex-general egoriano apenas segurou a lâmina com os dedos. Segurando o braço da assombração, Liam a puxou contra o chão e deu uma joelhada em seu estômago.
No mesmo instante em que a assombração gemeu de dor pela joelhada, outro espectro surgiu sem cerimônias e socou Liam no rosto, o jogando para longe. Deslizando pelo chão, tentou recuperar a postura, mas uma lança pesada caiu sobre ele. Um espectro o atacou de cima para baixo sem deixar brechas para fuga.
O corpo de Theo fraquejou, trazendo uma grande surpresa para Liam. O controle daquele corpo era algo que o general não tinha cem por cento.
O momento de fraqueza fez Liam escorregar e cair de barriga para baixo, porém, logo se virou para cima e apenas pôde encarar a lança cair sobre si novamente. O ex-general desviou o rosto para o lado e manipulou os vetores para a direita, onde não o atingiria. A lâmina cravou e mergulhou no chão.
Tentou empunhar a lança, mas falhou miseravelmente, já que a arma se desintegrou em esporos negros. As mãos de Liam se encontraram e subitamente foram surpreendidas, sendo obrigadas a se cruzarem e formar um escudo com os braços para defender um soco desferido pelo espectro.
Liam sofreu pela pressão do monstro silenciosamente, abrindo a boca para gritar, porém, nenhum som foi emitido. Engolindo em seco para esquecer a dor, Liam lembrou de uma peça fundamental; uma certa marca em sua mão, tal qual brilhava relutantemente.
A ressonância elementar brilhou na sua cor mais intensa; um verde esmeralda reluzente.
“Ah… O talento. O doce e bom talento. Como é aquele cálculo mesmo?”
Theo sempre teve em mente o conceito de aplicar pressão aos quatro elementos, aumentar seu potencial de força. Inicialmente, o rapaz tinha ensinado à Aryna, mas nunca aplicou a si, já que o vento ambiente é uma extensão do Theo, acidentalmente poderia afetar e até matar pessoas ao redor.
Folhas de um livro folheiam em sua mente.
“Está tudo gravado nesse corpo…”
Suas veias de chakra foram entupidas por éter, sem ter um ponto de concentração específico. Ele sabia que se fizesse aquilo por mais alguns segundos, seu corpo explodiria de dentro para fora.
Conectou as pontas dos dedos para garantir um fluxo fechado de energia.
Quando Theo estudou sobre os feitiços no grimório antes de enfrentar Selina, ele viu um encantamento peculiar, ao mesmo tempo complexo.
Aplicar força e pressão, misturar éter e atributo anemo, densificar, ampliar o alvo. Durante todo esse tempo, seus feitiços, tanto de Liam quanto de Theo, mantiveram alguns padrões; atração, repulsão, ataque contra um único alvo ou tempestades.
Sempre foi assim.
Estender o alvo para o espaço, esse era um novo fundamento. Diferentemente de Egon, onde a magia não se baseava em feitiços mas em poderes sobrenaturais, Liam não tinha esse entendimento. Porém, graças ao vício de aprender que Theo desenvolveu, as memórias gravadas no corpo ensinaram para Liam.
— Que clichê… Fios de Ártemis! — conjurou, expandindo toda sua energia para fora do corpo, aplicando força e pressão o suficiente para criar cortes de vento.
Cortes não comuns, diferentes do que Theo e Liam já experimentaram. Este feitiço se expandiu pelo espaço e se aglomerou com as partículas de atributo anemo na atmosfera, onde criou cortes sem direção.
Os espectros tentaram avançar contra Liam, porém, os cortes os alcançaram. Começaram a ser fatiados conforme a distância entre eles e o general diminuía, a cada segundo os cortes se tornavam mais fortes, maiores, densos.
Dezenas de cortes sendo reproduzidos ao mesmo tempo e se adaptando à resistência das armaduras dos espectros, saindo de pequenos cortes superficiais para cortes extremamente intensos e devastadores, capazes de rasgar as assombrações como uma tesoura cortando papel.
Pouco menos de um minuto com o feitiço conjurado, todos os monstros haviam sido totalmente dilacerados. Seus membros jogados pelo chão, jorrando o sangue preto e espesso dos espectros se dissipando para o ar.
Uma fonte de luz surgiu acima da cabeça de Liam, uma bola de fogo estável. O calor da mana conjurada estava cravado como uma sensação recente no corpo de Theo, então conseguiu distinguir e raciocinar quem estava por perto.
Ele correu os olhos rapidamente para todos os lados, tentando achar presenças familiares.
— Theo! — exclamou Selina, jogando a mochila do rapaz nos braços de Aidna e correndo até ele.
Liam se acalmou ao ver Selina.
Mesmo que Theo tivesse conhecido Selina e se aproximado dela, Liam estava convivendo mutuamente. Para todo momento vivido pelo corpo, a alma estava presente. O general sempre aceitou ser Theo, mas isso não acontecia pela outra parte.
Aquele corpo negava a alma que tinha, mas precisava dela para viver.
Então, dito tudo isso, Liam sentia os mesmos sentimentos por Selina que Theo também sentia; respeito e parceria.
Ele pensou em dar um passo em direção à seguidora de Alunne, seu corpo ainda agiu, no entanto, seus músculos travaram. Suas pernas foram atacadas por câimbras e os braços por uma dormência infernal.
Seu cérebro não respondeu, sequer o núcleo que, brevemente, parecia ter sido apagado. Os sentidos se esvaíram gradualmente; primeiro o tato, o olfato e o paladar. Seu corpo caiu como uma pedra de aço.
Lentamente, acompanhando Selina correr até si, ainda notou uma expressão de surpresa e medo vindo de Serach.
A vista de Liam fora consumida por uma borda preta enquanto apenas os gritos distantes de Selina ecoavam em seus ouvidos, confuso, não conseguiu montar uma frase sequer.
Serach arrancou em direção a Liam, somente para não deixá-lo cair de cara no chão. Ela apoiou nos ombros e o segurou com força para não cair. Os restos dos espectros se tornaram partículas negras e voaram para cima, se desintegrando gradualmente.
— Theo?
Seu corpo tinha apagado, tanto pela exaustão física quanto pelo uso exagerado de éter. A pele já estava quase pálida, seu coração ainda batia por que tinha que fazer. O corpo não respondia, porém, a mente continuava funcionando inconscientemente.
E é dentro da mente que se encontra o plano espiritual, o lugar onde a consciência do corpo e a alma se encontram.
As contra-partes do mesmo ser encararam um ao outro. Uma alma em ruptura, fragmentada, encarando sua casca. O dia era eterno naquele plano espiritual, eles teriam muito o que discutir. Porém, uma terceira figura surgiu repentinamente ao lado deles.
- personagem apresentada no primeiro flashback de Liam que Theo presenciou, por volta do capítulo 12[↩]
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