Índice de Capítulo

    — Ma… tando? — Theo gaguejou, tentando manter a postura. Enquanto entendia que não seria no sentido literal, o rapaz não conseguia entender o contexto.

    — Não é neste sentido — retrucou Liam. — “Matando vocês” significa que ele quer destruir nossas mentalidades para reconstruir nossa personalidade.

    — Correto — afirmou Hades. — Antes de tudo…

    — Espere — pediu Liam. — Antes de tudo, por que está aqui? Creio que o senhor dos mortos esteja muito ocupado para se importar com nós.

    Hades rebateu as mangas de sua túnica.

    — Não te preocupes. Eu vivo há trilhões de anos, esta conversa não é nada para mim. Entretanto, não se subestime, ao mesmo tempo não se superestime.

    O deus dos mortos andou até os dois calmamente.

    — Você é um desbalanço espiritual, acho que não é segredo para mais ninguém. Eu e mais alguns reis estávamos disputando você e outros descendentes de Morgana. Tal como aquele teu primo, é…

    — James?

    — Sim. Ele ficou formidável após sua morte, acho que pior que você. Enfim… — respirou. — Você era uma chama maior que as outras. Nós, deuses, não temos permissão para entrar no território que o seu império natal se encontra, por isso tivemos que esperar sua saída. Mas olha… Você nos surpreendeu.

    — Especifique.

    — Você tinha três destinos escritos, três caminhos.

    Hades traçou três linhas de energia no ar, uma branca, outra preta e uma vermelha.

    — Primeiro, você viveria até os 90 anos, não teria filhos por escolha mútua, mas morreria casado. Aos quarenta, você iria criar uma ideologia iluminada, onde começaria a, independentemente, caminhar pela guerra sozinho e ajudar a todos. Você iria ascender aos céus ainda em vida e se tornar um Ser de Luz, um… anjo.

    Liam resmungou e estreitou os olhos, achando tudo aquilo uma baboseira. Mas, não era.

    A linha de energia branca se dissipou.

    — Segundo, você iria ao submundo após cair e se tornaria meu súdito. O maior espectro que o mundo já teve o desprazer de conhecer. Meu possível braço direito.

    O traço de energia vermelha foi desfeita.

    — Terceiro… Você morreria da forma que “morreu”, porém, morreria de verdade. Sua alma seria apagada da realidade, caindo no vazio eterno, onde descansaria. Isso significa o descanso eterno, a morte. O resto são apenas segundas chances.

    — Nada disso aconteceu com ele — pontuou Theo.

    — Sim, exatamente. Por isso a nossa surpresa. Liam apagou as linhas do próprio destino, tornando o futuro dele imprevisível. Imagina a cara dos deuses quando notaram que o humano destinado rompeu o destino. A surpresa de Alunne foi bela…

    — Alunne… — murmurou Liam. — O que ela quer comigo?

    Hades levou a mão até sua cintura, encarando Liam brevemente. O deus dos mortos pensou que, após tantos anos e estar finalmente ligado à Alunne, Liam teria tais respostas.

    — Ué?… Porque você é o Lumen — respondeu Hades. Ambos ficaram chocados, tanto Theo quanto Liam. — Não algo como a reencarnação do herói da luz — enfatizou com ironia. — Mas, você é tipo ele. Consegue contrariar Araav e os caminhos do destino. 

    — Senhor Hades — chamou Theo.

    Diferente do que Theo pensou que aconteceria, Hades não o reprimiu. O deus dos mortos, ao invés de lançar olhares assassinos e tratar aquela ação como insolente, apenas ouviu o rapaz.

    — Sobre essa reencarnação, o que realmente aconteceu?

    Liam resmungou balançando a cabeça, desviou a cara para um canto que não veria Theo.

    — Bom… Existe uma dimensão espiritual chamada de prana, feita cem por cento de ki. Lá, as almas são formadas e permanecem durante tempos, apenas esperando um hospedeiro perfeito. Por isso, a alma vem antes do corpo.

    Hades caminhou ao redor de Theo, apreciando a bela paisagem do plano espiritual. Era único, entre todos que o deus já teria presenciado.

    — Quando um receptáculo ou casca perfeita nasce, as almas transmigram para este corpo. Mas, não aconteceu isso com você. Theo, você nunca teve uma alma, somente uma consciência física, um corpo. Você nasceu sem vida, porém, antes de morrer e ir para o limbo, a alma de Liam conseguiu possuir teu corpo.

    — Há algo a mais — acrescentou Liam.

    — Claro que há. Liam é um ser, ele possui uma consciência própria. No entanto, o corpo de Theo é tão perfeito mentalmente que conseguiu criar uma consciência própria e vencer a alma que reside na casca. Noutras palavras, o corpo venceu a alma. Entretanto, Liam ainda consegue intervir vez e outra, afinal, ele é o responsável por este corpo ainda ter vida.

    — Tecnicamente nós somos o mesmo ser — resmungou cabisbaixo.

    — E o que há de errado? — disse Hades. — Não, é sério. Eu entendi a sua antipatia por um genocida, mas… Quem liga? Deus? Você acha que o monarca do universo iria se importar tanto assim com algo pequeno? Vocês são um grão de areia, caras. Nós não nos importamos como vocês nascem, vivem e morrem. Apenas com seus trabalhos para nós, somente a força é necessária.

    Hades parou um pouco à frente dos dois, buscando recuperar o foco de Liam.

    — Vocês são jovens, até para o padrão humano. Mesmo que combinem a idade… Por isso, para que viver do passado, Theo? Você é o Liam, e, querendo ou não, precisa dele. Ao mesmo tempo que você, Liam, depende do moleque negacionista e chato.

    Tomou uma pausa para respirar.

    — Liam é o poder, tudo o que mais importa nesse mundo. Theo é a mente, a consciência e o corpo para essa estrutura. Este é o x da sua equação, garoto. Agora, falta apenas somar dois mais dois e girar… — Hades fez como se estivesse rodando uma chave. — … A chave do seu sistema.

    — É tipo… Um fusão? Isso é o que você está propondo? — indagou Theo.

    Liam bateu os braços e gritou algo como “aleluia” para o céu. Inacreditavelmente, o ex-general agradeceu a um deus por fazer Theo entender.

    — Não vai existir Liam Mason, ou Theo. Irão existir os dois em um único ser. Você terá acesso a tudo que fui, tudo que fiz. Não que você já não saiba, mas é que está aceitando apenas a parte ruim — disse Liam. — Mas, você entenderá como funciona o éter, como a base do poder, o principal pilar do mundo, deve ser.

    Theo ponderou por um momento.

    — Ótimo! — exclamou Hades, batendo palmas. — A semente foi plantada, basta a ideia amadurecer na cabeça dele. A aceitação virá como um estalo. Mas, agora, outro assunto… Onde vocês estão?

    Ambos olharam para o deus dos mortos.

    — Como assim? — perguntaram simultaneamente.

    — Procurei por toda a Yggdrasil, rastreei por todos os planos espirituais atrás do Bastien, mas não achei nada. Vocês parecem estar presos em algum… Ah, droga.

    Theo olhou para Hades com a boca aberta, com a mais genuína e pura expressão de “Eu não estou entendendo nada”.

    — Domínio — disse Hades, uma dor de cabeça o pegou. Nem os deuses parecem escapar disso. — Vocês estão em um domínio.

    — Domínio? — disse Theo, por sua vez, Liam ficou pasmo. — Tipo, um domínio? Uma dimensão tridimensional onde o tempo não existe? Isso é uma teoria, somente.

    — Não pare os seres espirituais… — respondeu. — Vendo as memórias do Bastien, agora faz sentido. Vocês encararam várias mudanças de cenário e coisas repentinas sem sentido… O dono deste domínio deve gostar de algo caótico.

    — Como saímos daqui? — perguntou Liam.

    — É impossível. Exceto caso o dono permita, terão que matá-lo. E olha, criadores de domínios se tornam absolutos dentro de suas dimensões. Ele pode fazer o que quiser com vocês, no momento em que der na telha. 

    Os três ficaram pensativos por instantes, perdidos em seus próprios pensamentos. Cada um tentava imaginar uma escapatória, mas todos chegaram à mesma conclusão: não há.

    Hades grunhiu chateado; era a primeira vez nos últimos bilhões de anos que algo o deixava tão pensativo. O deus do submundo poderia simplesmente não se importar com ninguém, porém, Bastien estava no local e Liam Mason também. Ele não conseguiria perder duas chaves facilmente.

    — Certo — concluiu. — Irei transferir algumas informações para o Bastien, ele saberá o necessário. Vou contatar alguns mestres de domínio nos mundos e buscar informações, talvez eu ache algo vital. Seu corpo continua desmaiado — disse a Theo. — Por isso, irão ficar aqui por um tempo. Terão tempo suficiente para conversar. Regressarei em breve, então não sintam falta.

    Theo e Liam riram alto.

    — Até mais, futuro Lumen — despediu-se, abandonando o plano espiritual.

    O deus do submundo deixou apenas um rastro de energia preta, em forma de partículas, subindo para as nuvens.

    — É… — bocejou Liam.

    Os dois caíram de vez no chão, sem se importar com nada. Apenas se renderam ao cansaço. Eles ficaram em silêncio por um tempo, apenas olhando para horizontes diferentes.

    Theo ficou pensativo, com uma dúvida martelando em sua cabeça.

    — Como funciona? — perguntou Theo, em murmúrios.

    Liam despertou com a indagação.

    — Hã? — resmungou.

    — Como funciona o poder e seus fundamentos?

    O ex-general sorriu suavemente enquanto preparava suas explicações.

    🜅

    — Senhor Javier — chamou Kyle, segurando uma agente no chão. A garota vomitava litros, seus olhos ardiam e a garganta estava vazia.

    Javier caminhou por um corredor estreito deformado naturalmente pela estrutura da caverna. O titã dos mares encarou sua agente fraquejar de cima, sem entender o motivo. Olhou para o lado e viu uma porta entreaberta, esbanjando néter pelas brechas.

    “Energia negativa…” ponderou Javier.

    A porta enferrujada rangeu com um simples toque do titã e não abriu mais além de uma determinada área. Não importava a força aplicada por Javier, não era o bastante. Até que desistiu, pois não queria afetar a estrutura atrás da porta de aço. Ele entrou pela pequena brecha.

    O cheiro ambiente era horrível, abafado misturado com mofo. Um odor podre estava impregnado no nariz de Javier. 

    Ele andou no escuro até bater a cintura em uma mesa pequena, suspirou de tensão e raiva. Um ar gélido escapou de sua boca. Notou ser perigoso continuar mesmo sendo um titã, não ver nada à sua frente é uma ameaça absoluta.

    Concentrando energia na palma de sua mão, Javier liberou uma onda de eletricidade pelo cômodo. A energia reagiu com uma substância em lampiões na parede, um elemento periódico inflamável usado para acender tochas apenas com mana.

    Três lampiões acenderam em cada parede, seis no total. Tudo estava nítido. A mesa que Javier pôs à mão estava decorada com tigelas de madeira e frascos de vidro, além de alguns pós despejados na superfície. Ele sequer ousou entrar em contato.

    Era obviamente a mesa de um alquimista, mas, estava tão velho que parecia ter séculos.

    Javier, sentindo um mau presságio, materializou um tridente em sua mão esquerda. Virando o rosto de lado, se deparou com algo inusitado.

    Desde que entrou no lugar, Javier não olhou para a frente, apenas na direção da mesa. Por isso ele sequer imaginaria o que estava logo à frente. Apenas há um metro dele estava um trono arruinado, quebrado por lanças e alabardas que perfuravam um cadáver coberto por um manto vermelho. 

    A cabeça caída do cadáver estava voltada para a mesa. 

    — Não quero nem saber quem eram seus inimigos — murmurou Javier, vendo lanças cravadas no tórax do cadáver.

    A porta rangeu novamente, despertando Javier no momento.

    — Javi? — chamou Moris, entrando cuidadosamente no cômodo pequeno e estreito.

    — Moris — disse Javier, virando o rosto de lado e se desapontando. Seus olhos estreitaram. — Onde está seu grupo?

    — Hã?

    — Estou sentindo apenas três presenças além do meu grupo. Então, onde está o seu?

    Moris hesitou. O titã da ira ainda estava sendo afetado pela morte de Rice, porém, sua principal preocupação agora era o grupo de Theo. Ziziel não sabia como entregar a notícia que ele, um titã, perdeu seus protegidos de vista.

    Javier o taxaria de irresponsável, ainda mais por deixar um membro de seu esquadrão morrer.

    Moris desviou os olhos para o chão.

    — Eu… Os perdi — desabafou seguido por um suspirou.

    Um brilho intimidador escapou dos olhos de Javier.

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