Capítulo 89 — Liberdade (1)
— Limpe a mente — ordenou Liam, desviando de um soco.
Theo desferiu um jab no ex-general novamente, no entanto, este desviou com extrema facilidade. O rapaz estava tão previsível que Liam podia dormir e mesmo assim iria desviar dos socos. Ele continuou com sua série de golpes até ofegar.
— A felicidade é previsível e fraca.
A explicação de Liam gradualmente entrou na mente do rapaz.
— A descrição de tua aura varia conforme teu ser evolui, é uma representação perfeita de ti por meio de sentimentos.
Theo atacou novamente sem nenhuma técnica.
— O vazio é o mais forte dos sentimentos. Não há medo, não há amor, não há dor. Apenas o nada…
Liam segurou o punho de Theo e corrigiu a postura, levando o braço direito do rapaz para trás enquanto induziu o braço esquerdo a servir de bloqueio. Passando para o lado de seu alter-ego, o ex-general esticou suas pernas e as flexionou lentamente.
Indo para a frente de Theo, coçou a garganta.
— De novo.
Desta vez Theo atacou corretamente. Não foi previsível e atacou com o braço direito, mas com o que servia para bloqueio. Atacando rapidamente com o braço esquerdo, tentou acertar o rosto de Liam. Este, por sua vez, apenas desviou.
Theo deslizou a perna direita no chão, formando uma meia-lua com o intuito de desequilibrar Liam, contudo, não funcionou. No movimento de deslize ele cometeu seu erro: dar as costas para Liam. Retornando bruscamente, foi golpeado sem piedade pelo ex-general.
O rapaz caiu no chão raso do mar.
Ficando de pé, retornou a postura e encarou Liam.
— O vazio é como andar num mundo sem estrutura. Pisar em um chão feito de vácuo, um mundo preto onde não há nada além de você e sua intuição.
Theo deslizou novamente a perna pelo chão, arrastando areia e água junto de si. Porém, para não cometer o mesmo erro, antes de completar o giro ele atacou com a perna esquerda desferindo uma espécie de coice.
Liam desviou com as mãos nas costas. Theo se voltou para frente do alter-ego no mesmo instante.
— Como o vento te guia… — continuou Liam.
Novamente com uma rasteira na água, Theo tentou desequilibrar Liam.
— Como a lua que te espelha…
No que Theo tentou desequilibrar, Liam apenas saltou para cima com os braços cruzados nas costas. O último pousou majestosamente no chão de areia.
Sem permitir repouso, Theo saltou para cima e girou em volta do próprio eixo, caindo com um poderoso chute de calcanhar no abdômen de Liam. As águas do oceano calmo se abriram.
Com o braço esquerdo segurando o pé de Theo, Liam socou sua contra parte. No entanto, o rapaz conseguiu agarrar o braço do ex-general e contra-atacou com uma cotovelada, puxando Liam contra si.
O ex-general de Egon não teve outra escolha senão soltar a perna de Theo para defender a cotovelada. Agindo habilmente, Theo pisou com força no chão e novamente deslizou sua perna em meia-lua. Desta vez, conseguiu desequilibrar Liam e o derrubar no chão.
Theo relaxou segurando Liam no chão. Seu objetivo tinha sido realizado: derrubar seu alter-ego em combate. No entanto, Liam não declarou o mesmo.
Agarrando Theo pela nuca, Liam o lançou para longe. Deslizando pelo chão, o rapaz tentou recuperar o foco, mas já era tarde. Liam surgiu repentinamente em sua frente o chutando com toda sua força.
Ele resmungou de dor no chão.
— Que foi? Ficou puto porque eu consegui te derrubar? — Theo ironizou com sua voz falhando.
— Você deu uma conclusão para o combate, mas seu adversário não. — Liam caminhou até o rapaz reclamando de uma dor no ombro. — Pelo menos está encontrando sua identidade.
Liam estendeu a mão para Theo.
— Olha, eles se deram bem. — Hades retornou.
Na verdade, ele havia retornado há um bom tempo, mas decidiu apenas assistir ao treinamento. Ambos olharam para o deus dos mortos, que aparentava estar diferente. Mais cabisbaixo, algo bem próximo ao próprio Bastien.
Hades caminhou em direção a eles.
— O que houve? — perguntou Theo.
O deus pigarreou.
— Me juntei com Alunne para entender onde vocês estão — retrucou.
Sua expressão de tristeza estava explicada agora. Os deuses não costumam pedir ajuda uns aos outros, no entanto, dois servos da lua e um arauto do tártaro estavam num lugar de difícil acesso até para os dois deuses.
— Nós pesquisamos um pouco entre todos os planos e Alunne conseguiu algo. São chamados de Mephys, seres espirituais superiores.
— Explique — disse Liam.
— Geralmente, há dois destinos; céu e inferno. Os Mephys sequer chegaram ao tribunal do pós-vida. No fim, não puderam ficar no mundo humano então os Arcontes interromperam. O mais alto escalão dos anjos criou domínios para os prenderem. Porém, aparentemente, os Mephys estão ganhando força nos domínios e se tornando algo próximo a seres onipresentes…
— Como vocês só descobriram sobre eles agora?
Hades suspirou.
— Vocês nos abandonaram, nós abandonamos vocês. Não conseguimos detectar as entradas dos domínios porque abandonamos de vez o mundo humano. Porém, agora localizamos sete ao todo.
— Qual o intuito deles? Por que eles criaram esses domínios?
— Não sabemos.
— Estão querendo se livrar das prisões dos Arcontes. — Uma voz feminina, pura e materna afundou a mente de Theo, sem direção no plano espiritual.
Liam tremeu apenas com a entonação de voz.
— Descobri após sua vinda, Hades. Araav me concedeu o segredo dos Arcontes; os Mephys estão querendo sair dos domínios e ir ao mundo humano.
“Droga. O Theo abaixou a porra da guarda!” pensou Liam.
Uma ventania banhou o oceano, limpa e fria. Fios de cabelos lisos e pretos, de tons acinzentados voaram pelo céu como o véu de uma noiva. Alunne pairou no ar, pousando luxuosamente no chão. Seus olhos escuros abriram pela primeira vez, tais quais encararam diretamente os olhos cor de âmbar de Theo. Sua roupa era denotada por penas de aves celestes e um tecido fino. O rosto, embora confiante e materno, era bastante jovem para a ocasião. 1
— És precioso e delicado. Realmente é uma cópia de Lumen, não achas? Hades.
O deus dos mortos assentiu de braços cruzados.
— Me lembra um pouco, mas o cabelo é diferente.
— O que os Mephys ganham indo ao mundo humano? — indagou Liam.
— Destruição, caos. Tudo o que os demônios querem. Se conseguirem isso, vão desbalancear o equilíbrio do mundo — disse Alunne. — Filho, você tem que matar o Mephys da guerra, tal qual atende por Bvoyna.
— Vai jogar isso nas mãos dele? Um descrente que ainda não te aceitou? — Hades se precipitou em seu tom de voz.
— Você queria essa alma, não é?
Os dois deuses se encararam fixamente.
— O problema é que ele não é Liam Mason.
— Eu tô bem aqui — lembrou Liam, se entediando com o comportamento divino. Hans Mason o treinou para ser igual aqueles dois?
Foi uma dúvida que nasceu quando Liam conheceu o deus dos mortos.
Hades suspirou cruzando os braços. Alunne desviou o olhar.
— Ainda temos influência neste domínio. Podemos aplicar algumas bênçãos aqui e ali, vai dar certo — resmungou Hades. — Irei alertar Bastien.
— E depois? — perguntou Theo, hesitando. — Depois que matarmos esse Bvoyna, sei lá. O que faremos contra o resto?
— Rapaz, não brinque com a sorte do mundo divino. Iremos manter vocês vivos agora, não pense no futuro. Este domínio é de sua conta por que, por uma casualidade infeliz, você parou aqui. Os outros Mephys serão obrigação de outros — retrucou Hades.
Alunne o alfinetou com um olhar ameaçador.
— Que foi? Alguém tem que dizer a ele. Não é por ser escolhido seu que será o mais importante do universo. É uma criança, não um herói.
— Hades, eu escolho você — brincou Liam. O ex-general se identificou um pouco com o deus dos mortos.
Hades sorriu de canto para Liam, assentindo com os dedos e desaparecendo daquele plano. Alunne, por outro lado, permaneceu.
A celestial da lua caminhou rumo a Theo, este engoliu em seco.
— O que são os Arcontes? — perguntou Liam.
— Anjos superiores a todos os outros, inferiores apenas ao universo. Eles defendem algum conceito eterno, como o destino. Lumen era o arauto do Arconte Araav, o próprio destino, meu filho.
— Não entendi… — disse Theo. — Quem é Araav?
— O meu primeiro filho, senhor das casualidades. A personificação do destino. Lumen foi meu primeiro filho que nasceu como um mortal, então, Araav o escolheu como seu arauto, o defensor de seu conceito.
— Por que fui escolhido para ser esse Lumen?
Alunne tocou no coração de Theo. Liam sentiu diretamente o toque.
— Liam Mason deveria ter sido enviado para o abismo, se tornado um espectro de Hades ou ascendido a anjo. Entretanto, aqui está você, filho. O homem que ignorou as leis do destino.
A lua sequer olhou para Liam que estava do lado de Theo, mas Liam sentiu que Alunne o encarava diretamente.
O ex-general sorriu.
— Entendi… Então é isso — murmurou Liam. Cruzou os braços para continuar. — Ela nos vê como o mesmo ser, por isso eu não estou aqui para Alunne. Você me escuta através dele…
— Vocês são um único ser. O corpo venceu a alma, mas isso não significa muito. O corpo e alma estão entrelaçados eternamente, até que caiam no abismo. — Alunne pegou o queixo de Theo e aproximou seus rostos. — Você está sendo infantil, filho. Apenas pense um pouco nessa barreira que está impondo a si próprio.
Pegando a mão direita de Theo, ela abriu sua palma e cumprimentou.
— Este é um presente de Lumen. Quando quebrar a parede, saberá o que fazer. Não mais que isso, conclua a missão que lhe entreguei — ordenou Alunne. Sua voz tomou todos os quatro cantos do plano espiritual quando seu corpo desapareceu.
- Nota: Esta não é a mesma aparência que Alunne se manifestou quando se encontrou com Luanne no Volume 2.[↩]
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