Capítulo 90 — Liberdade (2)
— Acorde — ordenou Bastien, sacudindo o corpo de Theo.
Mexendo o rosto em rejeição, Theo bocejou ainda de olhos fechados. Seu corpo ainda estava dolorido, os músculos não respondiam, suas funções estavam paralisadas. Theo abriu os olhos e fungou, mas não conseguia se mexer por completo.
Bastien se agachou em sua frente, olhou no fundo de seus olhos. Tocando o ombro do rapaz, o agente despejou uma dose de energia sobre Theo.
— Consegue se levantar?
A energia compartilhada foi suficiente para reanimar os músculos adormecidos.
— Meu lorde, Hades, já me informou de tudo o que é necessário. Não preciso lhe perguntar mais nada.
Theo sentou-se no chão com a coluna ereta, coçando os olhos para tentar despertar corretamente. Bastien caminhou até a parede da cúpula e tocou três vezes, foi o suficiente para uma porta abrir.
O agente de grau sete esperou Theo se erguer para poder sair do lugar.
— Vamos — disse Theo, se levantando e lacrimejando de sono. Apenas tocando fora daquela cúpula esse sono desapareceu.
Sem ter tempo para respirar, ao ver Theo e Bastien saindo do domo de terra, Aidna saltou nos braços de Theo e girou o rapaz desequilibradamente.
— Você é bem idiota. Vamos, vou explicar os seus erros — disse a druida. — Você vem, Selie?
— Selie? Se eu a chamar assim… — murmurou Theo, mas foi interrompido.
— Não. Preciso moldar planos com o Sir Bastien.
“Ela respondeu?!” Theo ficou chocado. Quanto tempo ele dormiu para aquelas duas, aparentemente, estarem tão próximas?
— Vamos — puxou Aidna.
Eles caminharam um pouco para longe. Gradualmente, uma luz ambiente começou a iluminá-los. O chão era feito de alguns cogumelos azuis, tóxicos e neons. O campo de fungos iluminou seus olhos.
— Primeiro erro: gastar energia demais para pouca coisa — corrigiu Aidna. — Segundo erro: você trata o vento como uma arma e fonte de feitiços. Não é!
A druida deu um tapa na nuca dele.
— Oi? — resmungou.
— Você é o vento! Ao ter a capacidade de controlar o elemento ambiente, controle como você manuseia seu corpo! O vento é livre, não há oposições. Você carece de uma identidade, isso é ruim. Sabe a Selie? Ela sim tem uma identidade. Por isso é forte.
“Assim? De repente? Pensei que eles iriam ficar irritados comigo… O que ela tá fazendo?” ponderou Theo, vendo Aidna realizar um tipo de ritual.
Aidna estendeu os dois braços para frente e projetou um círculo de energia, criou pontos por toda projeção e os ligou com linhas de mana.
— Isso são círculos de energia. Você precisa utilizar isso para feitiços mais poderosos. Cada ponto neste círculo é um feitiço a ser executado. Digamos: existem cinquenta pontos de energia e você executa um feitiço de feixe de luz, por isso, cinquenta feixes de energia serão atirados.
— Eu sei disso. Porém, isso é algo apenas para graus seis e superior…
Aidna o interrompeu com um resmungo de raiva.
— Você se prende muito aos graus, moleque.
— Moleque?
A druida estava o ofendendo muito após seu retorno.
— Foda-se os graus, as limitações da ciência, o que vocês tratam como magia. Se não fizerem, jamais conseguirão realizar algo. Você é mais um infectado com a doença de que a magia é impossível e precisa de estudo. Não! A magia precisa apenas ser executada. E outra, se você realizar um círculo de energia, então será de grau seis?
Theo hesitou, pois sabia que a druida tinha razão.
Durante muito tempo ele se comparou com outros. Por que Liam Mason era tão superior a todos? Porque ele superou as expectativas das leis. Por que Morgana Le Fay foi a maior feiticeira? Porque ela apenas executava a magia.
Ethan sempre se prendeu às leis da física, pois, como o Wicca da Fênix, ciência e magia eram a mesma coisa para o tenente. No entanto, isso criou um bloqueio maior em Theo. Ao executar algo, ele sempre pensou no mais complexo, na base do movimento e se prendeu ao que é considerado real ou não.
Essa é a mentalidade de um fraco para o mundo.
— Você está sendo infantil, filho. Apenas pense um pouco nessa barreira que está impondo a si próprio.
Theo esfregou a mão na testa e gesticulou uma dor de cabeça sem precedentes.
— Perdão — disse Aidna, hesitando. — É muita pressão, não é?
— Só to… passando por uma fase em que a minha vida não faz sentido. As atitudes que estou tomando, quem estou sendo…
Theo se sentou em uma pedra atrás de si. Sua perna começou a tremer sem parar em ansiedade.
— Eu não me entendo. Não entendo o mundo ao meu redor. Estou me sentindo deslocado durante esses dias — disse agoniado.
Ele escondeu o rosto entre as pernas e agarrou a própria nuca com seus braços.
Seus olhos, outrora brilhantes como ouro refletindo a luz, foram afogados por um mar de lágrimas que ofuscaram o que os tornavam belos. Os lábios ondulavam ao acompanhar as íris saltitando pela esclera, seu rosto belo e nobre se deformava no mais puro desespero. Theo não conseguia sequer berrar, nada saiu de sua boca a não ser uma respiração ofegante e fraca.
O esforço foi em vão, pois não manteve as lágrimas. Logo o mar em seus olhos despencou pelas extremidades do rosto largo e delicado.
O oxigênio mal chegava em seus pulmões, porém, quando chegava doía como uma facada.
— Por quê? — resmungou enxugando os olhos. Ele descansou o rosto em suas mãos, pondo pressão, enquanto inspirou segurando a ansiedade.
— É normal, acostuma.
Aidna caminhou para a rocha que Theo estava sentado. Descansando ao lado do rapaz, a druida repousou o rosto dele em seu busto esquerdo oferecendo um abraço confortável.
— Druidas são como humanos, a diferença está na mentalidade… Eu lembro quando passei por essa mesma fase. Durou apenas um mês, mas foi uma tortura. Às vezes nos pegamos pensando sobre nossas vidas e isso fica impregnado na mente até acharmos a resposta. Mas, quer saber? Faz parte da humanidade.
Theo desabafou por meio de suspiros profundos e desesperados.
— Só… Tente respirar. Não ignore essa fase, ela é essencial para o seu ser. Deixe de pensar que “tudo ficará bem quando passar”, não. Faça isso passar agora. Mentalize, pense, raciocine… Se encontre. O que está te limitando?
— Eu.
— Então se destrua e reconstrua ao mesmo tempo que respira. Não deixe essa ansiedade te corroer por dentro.
Theo tomou mais um tempo encarando aquele pequeno oceano de cogumelos.
— Vamos, se recomponha. Estamos em território inimigo, não pode ficar assim.
— Me ensine.
Aidna saltou as sobrancelhas em perplexidade. O pedido de Theo pareceu vago para ela…
— Quero saber como funciona a ciência para os druidas.
A druida sorriu antes de iniciar sua “aula” que durou horas.
Não mais que isso, aquilo não havia sido o suficiente para Theo. Afinal, sua ansiedade durou por quase uma hora, ainda que Aidna fizesse de tudo para ele melhorar.
Para os druidas, a ciência e a magia não divergem. Todos os druidas têm afinidade elemental com o ambiente, diferente dos humanos que possuem afinidades elementais apenas com seus núcleos. Isso se deve ao fato da crença.
Humanos, com o decorrer das eras, deixaram de acreditar em deuses e pedir suas forças. Se tornaram egocêntricos e acabaram dependendo da própria força, claro, foi uma ótima escolha. A força dos humanos, afinal, não possui limitações, ao contrário da força que os deuses prometem.
Não existem outros núcleos para os druidas, apenas uma neutralidade absoluta da energia: o núcleo verde. O que para os humanos é algo raro e quase mitológico, para os druidas é presente em cada um. Isso se deve ao fato de que essa raça, embora derivada dos humanos, cultuam ao máximo as divindades e natureza. Esse pequeno desentendimento, inclusive, foi o que causou a guerra dos druidas.
Conforme os séculos se passaram, os druidas se ligaram à natureza, transformando o ambiente em extensões para seu próprio corpo. É isto que a magia realmente promete, não algo como quebrar as leis do universo.
Durante doze horas, Theo começou a experimentar gradualmente o conhecimento druida, maneiras de como aplicar a magia dentro da sua ciência.
A forma que os druidas refinam a energia consegue ser imensuravelmente superior aos métodos humanos que Theo estava pondo em prática.
Não seria exagero afirmar que aquelas poucas horas foram equivalentes aos dias de treino que Theo passou.
Apesar de serem extremamente poderosos, o clã ao qual Aidna pertence não usava esses ensinamentos para lutas. Portanto, o que Aidna pôde ensinar foram apenas formas de manusear a energia, não de usá-la para matar.
Além disso, ela aprofundou o que Amiah ensinou a Theo. Tendo em vista que o rapaz tinha os sete chakras principais, Aidna começou a conduzi-lo para ativar todos os núcleos secundários.
Embora todos tenham realmente os sete chakras, apenas alguns desviantes conseguem usá-los como armazéns secundários, uma extensão do núcleo principal no plexo solar.
Inicialmente, Theo e Aidna se preocuparam apenas em superlotar os pontos de energia com o éter, praticamente despertando todos os núcleos secundários. Posteriormente, se preocuparam em refinar a energia para um funcionamento aprimorado de cada chakra.
Pode parecer que não, mas praticar o núcleo durante horas sem parar é mais eficaz do que treinar poucas horas todos os dias. No entanto, obviamente Theo deveria manter uma constância.
O primeiro chakra a ser aprimorado foi o muladhara, o chakra base. Theo optou por iniciar neste chakra devido a sua ausência de força física. Claro, ele era bastante forte fisicamente, porém, seu corpo aparentava estar estagnado no nível atual.
Sua visão e intuição estavam bastante aguçadas graças aos ensinamentos de Amiah e ao aprofundamento de Theo, por isso o rapaz deixou de lado o treinamento do terceiro olho, pelo menos por um tempo.
Simultaneamente ao muladhara, Theo também se concentrou no anahata; o chakra que fornece o atributo elemental vento. Além de que, por explicações e afirmações de Aidna, Theo descobriu que o desequilíbrio deste chakra pode causar instabilidades emocionais.
Ele ligou os pontos: suas crises de ansiedades recentes e o vazio que sentia no peito estavam sendo explicadas gradualmente. No início, Theo até achou ser uma idiotice confiar suas atitudes em círculos de energia.
Entretanto, conforme foi conduzindo, refinando e densificando a energia nos chakra mencionados, ele notou uma certa mudança em seu corpo e mente. Sem contar que seu atributo vento estava mais maleável do que jamais esteve.
Ao abrir os olhos, seu corpo aparentava estar leve. Sua mente? Demasiadamente limpa. O ar estava puro, o ambiente limpo e claro, mesmo mediante aquela escuridão quase absoluta.
Aos poucos Theo estava se ligando com a natureza.
O rapaz se sentou no chão em frente aos cogumelos e olhou para aquela imensidão. Agarrando suas próprias pernas, ficou alguns minutos em silêncio ao lado de Aidna.
“Ele está bastante leve…” analisou Aidna. A druida olhava discretamente para Theo, que possuía um sorriso estampado em seu rosto. “A aura dele está limpinha. A expressão não possui ansiedade… Estou feliz.” Ela sorriu para a felicidade dele.
— Aidna… Você viveu na guerra contra os druidas?
Ela hesitou antes de qualquer coisa.
— Sim. Quer dizer, não na guerra que teve nesse mundo, mas sim em Alfheim…
Theo saltou suas costas para trás.
— Alfheim? Então a Yggdrasil realmente existe?!
— Obviamente.
“Minha teoria…” concluiu engolindo em seco. Sua mente explodiu naquele momento.
— Enfim. Após sermos exilados para Alfheim, onde os elfos conseguiram nos controlar, eu vivi durante quase vinte anos sendo fugitiva por algo que tanto eu quanto meus antepassados sequer cometemos.
Os olhos da druida caíram em desconforto, quase uma depressão. Theo notou e não permitiu que o assunto ganhasse força.
— Então… O que tornava os druidas mais fortes o símbolo da força?
— Hm… As características, com certeza — respondeu. — Os druidas conseguiam aderir propriedades de outros seres a si próprio.
— Como assim?
— Pegarei o Titã Lincoln como exemplo. Ele têm uma força física e velocidade absurda, por isso é o mais forte. Porém, para isso, Lincoln aderiu características animais às propriedades de seus chakras.
— Isso é possível? — perguntou impressionado. Theo entendeu na primeira citação o quão absurdo aquilo poderia ser.
— Sim. Aderir a força de um urso, a velocidade de um falcão, a visão de uma águia e assim vai. Tudo isso é possível com os chakras alinhados.
Theo olhou para Aidna boquiaberta. Mil e uma possibilidades abordaram a mente dele como uma tempestade de ideias.
— Não pense muito nisso — disse Aidna, empurrando sua cabeça levemente para trás.
No ponto de vista do rapaz, a druida desapareceu e reapareceu em sua frente, já de pé. Isso se deu graças à concentração absoluta de Theo naquele momento. O tempo parecia congelar, mas retornou quando sua mente voltou a funcionar corretamente. Ele se perdeu no seu próprio mundo da lua.
Aidna se agachou por detrás de Theo e ajustou sua postura para uma meditação correta.
— Vamos tentar alinhar seus chakras, depois começamos a aprimorar novamente.
Theo retornou ao treinamento.
Durante todo o tempo de treinamento, Aidna acrescentou três técnicas de alinhamento de chakra para Theo: Reiki, onde o rapaz praticava refinamento de energia ao mesmo tempo que fortalecia seus núcleos com o ki.
Meditação, o básico para Theo. Já estava se tornando um hábito tão comum que suas meditações estavam durando mais de horas graças a sua concentração atual. Por fim, ela utilizou do presente de Luanne: o colar das três luas, cujo possui uma ametista em seu centro.
Para alguns praticantes, a ametista é um dos melhores cristais para alinhar os sete chakras principais. Luanne sabia desse ponto, afinal, ela utilizou do mesmo mineral para alcançar seu estado espiritual, por isso a entregou para seu afilhado.
Além desses três métodos, Theo aplicou um quarto: seu plano espiritual. Conseguindo aplicar a relatividade temporal, as poucas horas que Theo passou praticando com Aidna foram equivalentes a dias na mente do rapaz.
Conforme se afundava no brilho do sol que reluzia seu plano espiritual, aos poucos sua mente foi iluminada.
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