Capítulo 130 - Eu e você
O sol mal havia nascido, e Ben já estava na rua, batendo na porta da casa de Sophie. Ele não precisou esperar muito — ela abriu quase que imediatamente, os cabelos ainda um pouco bagunçados e os olhos inchados de sono.
— De novo nessa hora, Ben? — disse Sophie, com um tom cansado, mas um leve sorriso no rosto.
— Se você quiser ficar mais forte, não tem outra opção. — Ele cruzou os braços, orgulhoso de seu comprometimento.
— Tá bom, tá bom… — Sophie suspirou, mas não resistiu em soltar uma risadinha ao ver o olhar sério de Ben.
A relação deles tinha mudado bastante desde a batalha contra a escola 27. Sophie sempre foi forte, mas depois daquele evento, Ben havia começado a ver nela algo mais que apenas uma amiga ou colega de luta. Havia uma conexão diferente — algo mais profundo.
O parque onde costumavam treinar estava praticamente vazio àquela hora da manhã. As árvores balançavam com a brisa leve e o silêncio era quase absoluto.
— Vamos começar com corrida — disse Ben, já se alongando.
— De novo? — Sophie fez uma careta. — Você sabe que odeio correr.
— E eu sei que você não vai aguentar uma luta de verdade se não melhorar seu fôlego.
— …Droga, você tem razão.
Eles começaram a correr lado a lado. No início, Sophie acompanhava o ritmo de Ben, mas logo começou a ficar para trás. Cada passo parecia consumir suas energias, e sua respiração ficava mais curta a cada metro percorrido.
— Vamos lá! — incentivou Ben. — Só mais uma volta!
Sophie mordeu o lábio e acelerou, mesmo que suas pernas gritassem por descanso. Quando finalmente pararam, ela caiu sentada na grama, com o rosto vermelho e o suor escorrendo pela testa.
— Isso… é… tortura… — ela ofegou.
— Isso é treino — respondeu Ben, jogando uma garrafa de água para ela.
Ela pegou a garrafa e tomou um longo gole.
— Você tá pegando pesado comigo.
— Porque você é forte — respondeu Ben, sem rodeios. — Se não fosse, eu não estaria aqui.
Por mais que estivesse exausta, Sophie não conseguiu evitar o calor que subiu ao rosto.
Depois da corrida, começaram a treinar golpes.
— Eu vou te ensinar um truque novo — disse Ben. — É uma sequência rápida de jab, direto e gancho. Se você dominar isso, pode acabar com uma luta antes que ela comece.
Sophie respirou fundo e se posicionou na frente do saco de pancadas.
— Tá, como é que faz?
— Primeiro, fique na base certa. — Ele se aproximou e ajustou seus pés. — Agora, o jab.
Sophie deu um soco rápido com a mão esquerda.
— Boa. Agora direto.
Ela acertou com a direita.
— Isso! E agora o gancho…
Ben segurou o saco de pancadas enquanto Sophie girou o corpo e desferiu um gancho firme.
— Isso foi bom! — elogiou ele.
— É, mas eu ainda tô longe de conseguir fazer isso numa luta de verdade.
— É só questão de prática — disse Ben, dando um leve soco no braço dela. — Você vai ficar melhor que eu se continuar assim.
— Melhor que você? — Sophie riu. — Sonha.
— Vamos ver.
Após o treino, os dois caminharam juntos até uma lanchonete que ficava perto do parque.
— Eu não devia estar comendo isso — murmurou Sophie, olhando para seu hambúrguer.
— Relaxa, você merece — disse Ben, já comendo o dele.
— Você sempre tem uma desculpa pra comer besteira.
— Isso é o que me mantém feliz.
Sophie riu, mas logo ficou séria.
— Ei… — ela começou. — Sabe… você acha que ainda vai ter outra guerra como aquela contra a escola 27?
Ben parou de comer e olhou para ela.
— Provavelmente — respondeu. — O que aconteceu ali foi só o começo.
Sophie baixou os olhos para seu prato.
— Eu tenho medo de não estar pronta.
— Você vai estar — disse Ben, colocando a mão sobre a dela. — Eu vou garantir isso.
Os olhos de Sophie se ergueram, e por um breve momento, os dois ficaram apenas se encarando.
Os dias foram passando, e cada treino fortalecia não só seus corpos, mas também a relação entre eles.
Em uma tarde especialmente difícil, Sophie estava no chão da academia, exausta e frustrada.
— Eu não aguento mais… — ela murmurou, cobrindo o rosto com as mãos.
— Ei… — Ben se sentou ao lado dela. — Não fala assim. Você tá evoluindo.
— Não parece…
Ben respirou fundo.
— Sophie… você se lembra do que aconteceu na escola 27? Daquele momento em que você se colocou na minha frente?
— Claro que lembro.
— Eu não esqueci. — Ben desviou o olhar, como se não quisesse que ela percebesse o que sentia. — Você… salvou minha vida.
Sophie ficou em silêncio, surpresa com a sinceridade dele.
— Eu só fiz o que tinha que fazer — murmurou.
— Não, você fez mais que isso. E é por isso que eu sei que você é forte.
Sophie não sabia como responder, mas sentiu o coração bater mais forte.
Naquela noite, Ben decidiu acompanhá-la até sua casa.
— Bom… é isso — disse Sophie, parando na frente da porta. — Valeu por hoje.
— Que nada… — Ben coçou a nuca. — Eu que agradeço por não ter desistido de mim.
Ela riu.
— Não desisti ainda… Mas você tá me devendo um jantar decente.
— Fechado.
Houve um silêncio estranho depois disso. Ambos ficaram apenas se encarando.
— Então… boa noite — disse Sophie, virando-se para abrir a porta.
— Espera…
Ben segurou o pulso dela, e antes que ele pudesse pensar demais, puxou-a para perto e a beijou.
Foi rápido, mas intenso. Quando se separaram, Sophie parecia atordoada, mas um sorriso discreto apareceu em seu rosto.
— Até amanhã, Ben.
E com isso, ela entrou em casa, deixando Ben parado na calçada, sorrindo como um idiota.
“Acho que isso tá indo na direção certa…”
…
O tempo passou de forma estranha para Ben e Sophie. As férias, que antes pareciam intermináveis, agora voavam como se cada dia fosse um suspiro. Desde que começaram a treinar juntos, a relação deles floresceu de forma natural — não apenas como companheiros de treino, mas como algo que ia além disso.
Era comum Sophie passar horas na casa de Ben. No início, ela apenas ia para se recuperar dos treinos intensos, mas com o tempo, aquilo virou um hábito. Mesmo nos dias de folga, ela aparecia sem avisar, e Ben não se importava. Pelo contrário, ele gostava da companhia.
— Se você continuar comendo besteira assim, vai virar uma bola… — disse Sophie, segurando uma espátula enquanto mexia algo na panela.
— Ei, você tá cozinhando pra mim, então a culpa é sua — rebateu Ben, sentado no sofá com os pés sobre a mesinha de centro.
— Pelo menos é comida de verdade — retrucou Sophie. — E não só hambúrguer e refrigerante.
Ela se virou e deu um olhar rápido para Ben. Ele estava jogado no sofá, mexendo no celular, mas mesmo assim Sophie não conseguiu evitar sorrir. Era curioso como ele estava relaxado, como se ela já fosse parte da casa dele.
— Não fica só mexendo no celular — disse Sophie. — Vem aqui e me ajuda.
— Ajudar como? Eu sou péssimo na cozinha.
— Pega isso — ela apontou para um saco de batatas sobre a mesa. — E descasca.
Ben bufou, mas foi até a cozinha. Eles ficaram lado a lado por um tempo, Sophie mexendo na panela e Ben lutando para descascar as batatas sem estragar metade delas.
— Meu Deus, você é um desastre… — Sophie riu.
— Eu disse que sou péssimo nisso.
— Dá aqui — ela pegou a faca da mão dele e se inclinou para mostrar como fazer.
Por um instante, Ben ficou distraído. O cabelo de Sophie estava preso num coque bagunçado, e algumas mechas caíam ao redor do rosto dela. Ela parecia tão confortável ali, na cozinha dele, como se morassem juntos há anos.
— Ei, tá prestando atenção? — Sophie estalou os dedos na frente do rosto dele.
— Ah… claro.
— Mentira, você tava viajando — ela riu.
— Eu só tava pensando… você já cozinhou pra mim mais vezes do que minha própria mãe.
Sophie riu de novo, mas por dentro sentiu um leve calor no peito.
O tempo que passaram juntos fez com que suas ações se tornassem quase automáticas. Quando Sophie chegava, ela já sabia onde ficavam os pratos e talheres. Quando Ben levantava para pegar água, já trazia um copo para Sophie também, sem que ela precisasse pedir.
Havia uma sincronia natural entre eles.
Em uma tarde chuvosa, Sophie estava deitada no sofá, com os pés no colo de Ben. Eles assistiam a um filme qualquer, mas Sophie já estava cochilando.
— Ei, tá dormindo? — Ben perguntou baixinho.
— Hmm… só um pouquinho… — murmurou ela, ainda de olhos fechados.
Ben ficou em silêncio, apenas olhando para ela. Ver Sophie tão tranquila, tão à vontade na casa dele, fez seu coração acelerar um pouco. Ele sentiu um desejo forte de protegê-la, não apenas nas lutas, mas também naqueles momentos calmos e comuns.
Sem pensar muito, ele puxou uma manta e a cobriu.
— Obrigada… — Sophie murmurou sonolenta.
Ben sorriu.
— Dorme aí… eu fico de guarda.
Certa noite, após um treino exaustivo, Sophie estava tão cansada que simplesmente desabou no sofá.
— Eu devia ir pra casa… — ela murmurou, com os olhos quase fechados.
— Nem tenta — disse Ben. — Fica aqui.
— Hm… tá bom…
Ela ficou tão confortável que adormeceu logo depois.
Ben, por outro lado, ficou parado por um tempo, olhando para ela. Ele sabia que poderia apenas se acomodar no outro sofá ou até dormir no chão, mas…
Que se dane.
Ben se deitou ao lado de Sophie, puxando a manta para cobrir os dois. Ele não sabia explicar, mas aquela proximidade era reconfortante.
De manhã, Sophie acordou primeiro. Ela percebeu o braço de Ben jogado sobre sua cintura e sentiu seu coração acelerar.
Por um instante, ela ficou apenas ali, ouvindo a respiração lenta dele.
Isso é estranho? — pensou ela. Ou é só… certo?
Sem pensar muito, ela fechou os olhos e voltou a dormir, sentindo-se segura.
Em uma dessas noites calmas, sentados na varanda da casa de Ben, Sophie olhou para ele com um ar pensativo.
— Ei, você acha que… isso aqui… é normal?
— O quê?
— Nós… passarmos tanto tempo juntos.
Ben sorriu.
— Não sei se é normal… mas eu gosto.
— Eu também… — murmurou Sophie.
Ela se inclinou, encostando a cabeça no ombro dele.
— Acho que nunca me senti tão confortável com alguém assim — disse ela.
Ben ficou em silêncio por um instante, depois passou o braço pelos ombros dela.
— Eu também nunca.
Em uma noite chuvosa, depois de um jantar que Sophie preparou, Ben parecia inquieto. Ele andava de um lado para o outro na sala, tentando encontrar as palavras certas.
— Tá tudo bem? — perguntou Sophie, encostada no batente da porta.
— Eu… — Ben parou e respirou fundo. — Eu só queria dizer que… você é incrível.
— Pff… sério? — Sophie riu. — Que coisa mais aleatória.
— Eu tô falando sério — insistiu Ben. — Desde que você começou a vir aqui… minha vida ficou mais leve. Eu não me sinto mais tão sozinho.
O sorriso de Sophie sumiu. Ela caminhou até ele e segurou sua mão.
— Eu também me sinto assim… — disse ela, sua voz quase um sussurro. — E eu não quero que isso acabe.
— Então não vai acabar — Ben respondeu, apertando a mão dela.
Eles se olharam por um longo momento, e dessa vez, não foi Ben quem tomou a iniciativa. Sophie se aproximou e o beijou, de forma lenta e delicada.
Quando se afastaram, ambos sorriram.
— Vou te fazer cozinhar mais vezes — disse Ben, rindo.
— Só se você aprender a descascar batatas direito — Sophie respondeu, rindo de volta.
As férias seguiram com mais risos, mais momentos compartilhados e uma intimidade crescente que se fortalecia a cada dia. O que começou como uma simples amizade agora era algo mais — uma conexão verdadeira, sincera e cheia de carinho.
Mesmo nas dificuldades dos treinos e na exaustão do dia a dia, Ben e Sophie sabiam que tinham um ao outro. E, para eles, isso já era suficiente para tornar cada dia um pouco mais feliz.

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