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    A estrada de terra serpenteava por colinas cobertas de árvores. O vento soprava forte, agitando as folhas e espalhando o cheiro de mato e terra molhada. O sol, parcialmente escondido por nuvens, pintava o céu com tons laranja e dourado.

    — Ainda falta muito? — perguntou Mia, ajustando a mochila nos ombros.

    — Não… — respondeu Lee, observando a curva íngreme à frente. — O velho dojo é logo depois daquela colina.

    — Espero que valha a pena… — murmurou Mia, estalando o pescoço.

    Elas haviam decidido passar as férias treinando em um antigo dojo, longe da cidade e cercado pela natureza. Um mestre de idade avançada, conhecido apenas como “Senhor Tetsuo”, havia aceitado treiná-las durante esse período.

    — É aqui… — anunciou Lee ao chegarem.

    O dojo era uma construção tradicional de madeira, com telhado curvado e uma ampla varanda na frente. O local parecia isolado do mundo — cercado por árvores densas e montanhas que cobriam o horizonte.

    O homem que as recebeu era pequeno, magro e encurvado pela idade, mas seus olhos pareciam duas chamas vivas. Havia uma seriedade profunda em seu olhar, que fez Lee e Mia se curvarem respeitosamente assim que ele apareceu.

    — Se estão aqui para férias tranquilas… podem ir embora — disse Tetsuo, a voz rouca como madeira rangendo. — Mas se estão dispostas a treinar até seus ossos doerem… entrem.

    Lee e Mia se entreolharam e sorriram.

    — É exatamente isso que queremos — respondeu Lee.

    O treinamento começou no dia seguinte — e foi um inferno.

    Senhor Tetsuo não aceitava fraqueza. Ele fazia as duas correrem longas distâncias pela floresta logo ao amanhecer, ainda com o ar frio da manhã queimando seus pulmões. Depois vinham os exercícios físicos: flexões intermináveis, abdominais com pesos e agachamentos que pareciam não ter fim.

    — Eu vou morrer… — pensou Mia após uma hora de pranchas sob o olhar severo do mestre.

    Lee também sofria. Seu corpo já estava acostumado ao combate, mas aquele nível de intensidade era algo novo. Cada músculo doía, seus braços tremiam e suas pernas pareciam de chumbo.

    — Mais rápido! — rosnava Tetsuo, batendo uma bengala contra o chão.

    No fim do dia, as duas estavam exaustas, jogadas na varanda do dojo como se seus corpos tivessem virado pedra.

    — Isso é insano… — murmurou Mia. — Como aquele velho ainda tem tanta energia?

    — Acho que ele quer nos matar… — resmungou Lee, rindo fraco.

    Apesar da dor e do cansaço, ambas sentiam que estavam ficando mais fortes — não apenas fisicamente, mas mentalmente também.

    As noites no dojo eram calmas. O vento soprava pelas frestas das paredes, trazendo um frio reconfortante. O som dos grilos preenchia o silêncio.

    Lee e Mia dividiam um pequeno quarto de tatame, com futons finos no chão e uma única luminária fraca iluminando o ambiente.

    — Tá tão frio hoje… — disse Mia, se encolhendo sob a coberta.

    — Você é muito fresca… — Lee brincou.

    — Ei… — Mia virou o rosto, olhando para o teto. — Posso te perguntar uma coisa?

    — Pode.

    Mia hesitou um pouco antes de continuar.

    — Você já… gostou de alguém?

    Lee virou o rosto, encarando Mia com curiosidade.

    — Por que tá perguntando isso?

    — Ah, sei lá… — Mia riu nervosa. — É que… eu acho que… tô gostando de alguém.

    “A Sophie…”pensou Lee, lembrando de como Mia sempre olhava para a amiga.

    — É a Sophie, né? — Lee sorriu de canto.

    Mia cobriu o rosto com as mãos, envergonhada.

    — Como você sabe? — Mia disse surpresa

    — Você fica sempre encarando ela — disse Lee, rindo. — E fica toda estranha quando ela sorri pra você.

    — Ah, cala a boca… — Mia murmurou, ainda cobrindo o rosto.

    O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, até que Mia falou novamente:

    — E você?

    Lee respirou fundo.

    — Eu… não sei.

    — Ah, para. Você tem que ter alguém.

    Lee ficou em silêncio por mais um instante.

    — O Yoru…

    Mia se virou, surpresa.

    — O Yoru?

    — É… — Lee abaixou o olhar. — Eu não sei explicar… Ele é meio idiota, mas… eu sempre fico pensando nele.

    — Wow… — Mia sorriu. — Isso é fofo.

    — Não espalha isso.

    — Relaxa… seu segredo está seguro comigo — Mas você sabe que o Yoru tem uma garota que ele gosta né?

    Lee concordou com uma cara meio triste

    — É eu sei que o Yoru tem um relacionamento muito forte com a Mia, mas não vou desistir dele tão fácil — Lee disse dando um pequeno sorriso

    As duas riram baixinho, como se fossem duas crianças confidenciando segredos pela primeira vez.

    Os dias seguintes foram ainda mais pesados. Senhor Tetsuo elevou o nível dos treinos. Agora, além dos exercícios físicos, havia práticas de combate intenso.

    Mia apanhou muito no início. Seu estilo rápido e ágil era bom, mas ela tinha dificuldades para enfrentar inimigos mais fortes.

    — Seu corpo é leve demais… você precisa aprender a usar isso a seu favor — explicou Tetsuo.

    Lee, por outro lado, destacava-se pela resistência. Ela suportava mais tempo nos treinos e raramente reclamava.

    — Se você aprender a controlar melhor sua energia… vai ser uma oponente formidável — disse o mestre.

    Mas foi numa noite fria que a maior lição aconteceu.

    Após um dia de treinos exaustivos, Mia estava desanimada.

    — Eu não sou forte como você… — disse ela a Lee.

    — E eu não sou rápida como você — rebateu Lee. — Cada uma tem seus pontos fortes.

    — Mas eu… — Mia abaixou a cabeça. — Eu quero proteger as pessoas que amo… Eu quero ser forte o suficiente pra isso.

    Lee sorriu, sincera.

    — É por isso que você vai conseguir.

    Mia ergueu os olhos, emocionada.

    — Obrigada…

    Na última noite no dojo, Senhor Tetsuo reuniu as duas na varanda.

    — Vocês ainda têm muito a aprender — disse ele, com o tom severo de sempre. — Mas já cresceram bastante.

    Ele olhou para o céu estrelado, pensativo.

    — Força verdadeira não vem apenas do corpo. Ela vem de dentro… dos laços que criamos e do que estamos dispostos a proteger.

    Mia e Lee se entreolharam, refletindo sobre aquelas palavras.

    — Eu quero proteger a Sophie — disse Mia, apertando os punhos.

    — E eu… quero proteger o Yoru — confessou Lee, firme.

    Ambas sorriram, como se tivessem finalmente encontrado uma resposta que buscavam há tempos.

    Naquela noite, enquanto o vento frio soprava e as estrelas brilhavam acima, Lee e Mia adormeceram tranquilas, mais fortes — não apenas em seus corpos, mas em suas emoções e convicções.

    O dia começava sempre igual: o sol ainda nem havia surgido e o vento cortante invadia o quarto de tatames, chicoteando os rostos de Lee e Mia.

    — Por que eu aceitei isso mesmo? — pensou Mia, enterrando o rosto no travesseiro.

    — Anda logo, preguiçosa. — A voz firme de Lee ecoou no quarto.

    Mia se arrastou para fora do futon, estremecendo quando seus pés tocaram o chão gelado. O rosto de Lee estava determinado, como sempre. Era incrível como ela nunca reclamava.

    — Como você consegue estar tão animada? — Mia resmungou, ainda tentando acordar.

    — Não estou animada… só acostumada — respondeu Lee, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo. — Agora mexe logo ou o velho Tetsuo vai arrancar sua cabeça.

    Mia soltou um longo suspiro e se levantou.

    A primeira parte do treino era sempre a corrida pela floresta. O ar frio queimava seus pulmões enquanto subiam e desciam trilhas íngremes cobertas de raízes e pedras.

    — Vamos, Mia! — gritava Lee, que sempre corria alguns metros à frente.

    Mia tentava acompanhar, mas seu corpo parecia mais pesado a cada passo. Seu peito ardia, suas pernas pareciam travar, e a visão começava a ficar turva.

    — Eu não… vou conseguir… — murmurou Mia, sentindo-se à beira de desmaiar.

    Foi quando sentiu uma mão segurar seu pulso.

    — Você consegue sim! — disse Lee, puxando-a para frente.

    Mia olhou para a amiga, surpresa.

    — Não vou deixar você desistir — disse Lee, com um sorriso determinado.

    Aquela simples atitude acendeu uma chama em Mia.

    — Eu consigo… — ela sussurrou para si mesma.

    O Senhor Tetsuo não era nada gentil. Quando não estavam correndo, ele fazia as duas realizarem sequências brutais de exercícios:

    Flexões intermináveis sobre punhos cobertos de cascalho.

    Agachamentos com pesos amarrados às pernas.

    Combates intensos com bastões de madeira que deixavam os braços e costas cheios de hematomas.

    Mia chorou mais de uma vez.

    — Eu não consigo mais… — dizia ela, a voz fraca.

    Mas sempre que Mia estava prestes a desistir, Lee estava lá.

    — Você já chegou até aqui, não vou deixar você parar agora.

    Lee também sofria, mesmo que não demonstrasse tanto. Havia momentos em que seus músculos simplesmente travavam e ela ficava ofegante, sentindo como se suas costelas fossem se partir. Mas, ao olhar para Mia — que insistia em continuar mesmo estando mais fraca — ela encontrava forças para seguir em frente.

    Com o tempo, Mia começou a notar mudanças. Suas pernas estavam mais firmes, seus braços mais fortes e sua postura mais estável. Ela finalmente sentia que poderia enfrentar um adversário de frente.

    Mas a maior mudança foi em seu coração — e Lee sabia disso.

    Certa noite, depois de um dia especialmente pesado, as duas estavam na varanda do dojo. O céu estava limpo, iluminado por uma infinidade de estrelas.

    Mia encostou a cabeça no ombro de Lee.

    — Você acha que a gente tá mesmo ficando mais forte? — perguntou Mia, sua voz quase um sussurro.

    — Eu acho que sim… — respondeu Lee.

    O silêncio se prolongou. O som dos grilos preencheu o vazio.

    — Sabe… — disse Mia, hesitante. — Eu sempre achei que você fosse forte porque não sente medo.

    Lee riu, um som curto e seco.

    — Eu sinto medo o tempo todo…

    — Sério? — Mia levantou o rosto, surpresa.

    — Claro que sim. — Lee desviou o olhar para o céu. — Eu tenho medo de não ser forte o suficiente… de não conseguir proteger quem eu amo.

    Mia percebeu que havia algo mais naquelas palavras.

    — É por isso que você treina tanto, né?

    — É… — Lee suspirou. — Eu quero ficar forte o bastante para proteger o Yoru…

    Mia sorriu.

    — Você gosta dele, né?

    — Não sei… — Lee cruzou os braços, desconfortável. — Só sinto que… se ele precisar de mim, eu tenho que estar lá.

    — Então você gosta dele… — Mia riu baixinho.

    — Ah, cala a boca…

    As duas riram juntas, quebrando a tensão.

    — Eu também quero proteger alguém — confessou Mia, ficando séria. — A Sophie…

    — Eu já sabia. — Lee sorriu.

    — Eu só… tenho medo de dizer a ela.

    — Então fique forte — disse Lee, firme. — E quando você se sentir pronta… diga.

    Mia sorriu, reconfortada.

    Nos dias seguintes, o ritmo dos treinos aumentou ainda mais.

    Certa manhã, Mia estava praticando golpes contra um tronco de madeira quando seus dedos começaram a sangrar. Ela mordeu o lábio, frustrada.

    — Por que não consigo melhorar? — pensou, segurando as lágrimas.

    Foi quando Lee se aproximou.

    — Você tá fazendo errado — disse ela, calmamente. — Coloque mais firmeza nos pés e use o quadril pra gerar força.

    Mia tentou novamente, agora com mais precisão.

    — Isso! — elogiou Lee.

    Ver Lee sempre pronta para ajudá-la fez Mia perceber algo importante:

    — Ela não é só minha amiga… Ela é minha força também.

    Na última noite do treinamento, Senhor Tetsuo reuniu as duas.

    — Vocês aguentaram mais do que eu esperava… — disse ele. — Mas se querem ser verdadeiramente fortes, precisam aprender algo mais importante que socos e chutes…

    — O quê? — perguntou Lee.

    O velho mestre apontou para os corações delas.

    — Vocês se tornaram mais fortes porque têm algo que querem proteger… Nunca se esqueçam disso.

    Naquela noite, enquanto estavam no quarto, Lee e Mia deitaram lado a lado, encarando o teto.

    — Promete que não vai esquecer o que o velho disse hoje? — perguntou Lee.

    — Só se você prometer também.

    — Prometo… — respondeu Lee.

    — Então… eu também prometo.

    Mia segurou a mão de Lee, apertando-a firme.

    — Juntas.

    — Sempre. — Lee apertou de volta.

    E naquele momento, as duas sabiam que haviam se tornado mais do que amigas — haviam se tornado irmãs de alma, unidas pela força que criaram juntas.

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