Capítulo 131 - Mais amigas do que nunca
A estrada de terra serpenteava por colinas cobertas de árvores. O vento soprava forte, agitando as folhas e espalhando o cheiro de mato e terra molhada. O sol, parcialmente escondido por nuvens, pintava o céu com tons laranja e dourado.
— Ainda falta muito? — perguntou Mia, ajustando a mochila nos ombros.
— Não… — respondeu Lee, observando a curva íngreme à frente. — O velho dojo é logo depois daquela colina.
— Espero que valha a pena… — murmurou Mia, estalando o pescoço.
Elas haviam decidido passar as férias treinando em um antigo dojo, longe da cidade e cercado pela natureza. Um mestre de idade avançada, conhecido apenas como “Senhor Tetsuo”, havia aceitado treiná-las durante esse período.
— É aqui… — anunciou Lee ao chegarem.
O dojo era uma construção tradicional de madeira, com telhado curvado e uma ampla varanda na frente. O local parecia isolado do mundo — cercado por árvores densas e montanhas que cobriam o horizonte.
O homem que as recebeu era pequeno, magro e encurvado pela idade, mas seus olhos pareciam duas chamas vivas. Havia uma seriedade profunda em seu olhar, que fez Lee e Mia se curvarem respeitosamente assim que ele apareceu.
— Se estão aqui para férias tranquilas… podem ir embora — disse Tetsuo, a voz rouca como madeira rangendo. — Mas se estão dispostas a treinar até seus ossos doerem… entrem.
Lee e Mia se entreolharam e sorriram.
— É exatamente isso que queremos — respondeu Lee.
O treinamento começou no dia seguinte — e foi um inferno.
Senhor Tetsuo não aceitava fraqueza. Ele fazia as duas correrem longas distâncias pela floresta logo ao amanhecer, ainda com o ar frio da manhã queimando seus pulmões. Depois vinham os exercícios físicos: flexões intermináveis, abdominais com pesos e agachamentos que pareciam não ter fim.
— Eu vou morrer… — pensou Mia após uma hora de pranchas sob o olhar severo do mestre.
Lee também sofria. Seu corpo já estava acostumado ao combate, mas aquele nível de intensidade era algo novo. Cada músculo doía, seus braços tremiam e suas pernas pareciam de chumbo.
— Mais rápido! — rosnava Tetsuo, batendo uma bengala contra o chão.
No fim do dia, as duas estavam exaustas, jogadas na varanda do dojo como se seus corpos tivessem virado pedra.
— Isso é insano… — murmurou Mia. — Como aquele velho ainda tem tanta energia?
— Acho que ele quer nos matar… — resmungou Lee, rindo fraco.
Apesar da dor e do cansaço, ambas sentiam que estavam ficando mais fortes — não apenas fisicamente, mas mentalmente também.
As noites no dojo eram calmas. O vento soprava pelas frestas das paredes, trazendo um frio reconfortante. O som dos grilos preenchia o silêncio.
Lee e Mia dividiam um pequeno quarto de tatame, com futons finos no chão e uma única luminária fraca iluminando o ambiente.
— Tá tão frio hoje… — disse Mia, se encolhendo sob a coberta.
— Você é muito fresca… — Lee brincou.
— Ei… — Mia virou o rosto, olhando para o teto. — Posso te perguntar uma coisa?
— Pode.
Mia hesitou um pouco antes de continuar.
— Você já… gostou de alguém?
Lee virou o rosto, encarando Mia com curiosidade.
— Por que tá perguntando isso?
— Ah, sei lá… — Mia riu nervosa. — É que… eu acho que… tô gostando de alguém.
“A Sophie…”pensou Lee, lembrando de como Mia sempre olhava para a amiga.
— É a Sophie, né? — Lee sorriu de canto.
Mia cobriu o rosto com as mãos, envergonhada.
— Como você sabe? — Mia disse surpresa
— Você fica sempre encarando ela — disse Lee, rindo. — E fica toda estranha quando ela sorri pra você.
— Ah, cala a boca… — Mia murmurou, ainda cobrindo o rosto.
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, até que Mia falou novamente:
— E você?
Lee respirou fundo.
— Eu… não sei.
— Ah, para. Você tem que ter alguém.
Lee ficou em silêncio por mais um instante.
— O Yoru…
Mia se virou, surpresa.
— O Yoru?
— É… — Lee abaixou o olhar. — Eu não sei explicar… Ele é meio idiota, mas… eu sempre fico pensando nele.
— Wow… — Mia sorriu. — Isso é fofo.
— Não espalha isso.
— Relaxa… seu segredo está seguro comigo — Mas você sabe que o Yoru tem uma garota que ele gosta né?
Lee concordou com uma cara meio triste
— É eu sei que o Yoru tem um relacionamento muito forte com a Mia, mas não vou desistir dele tão fácil — Lee disse dando um pequeno sorriso
As duas riram baixinho, como se fossem duas crianças confidenciando segredos pela primeira vez.
Os dias seguintes foram ainda mais pesados. Senhor Tetsuo elevou o nível dos treinos. Agora, além dos exercícios físicos, havia práticas de combate intenso.
Mia apanhou muito no início. Seu estilo rápido e ágil era bom, mas ela tinha dificuldades para enfrentar inimigos mais fortes.
— Seu corpo é leve demais… você precisa aprender a usar isso a seu favor — explicou Tetsuo.
Lee, por outro lado, destacava-se pela resistência. Ela suportava mais tempo nos treinos e raramente reclamava.
— Se você aprender a controlar melhor sua energia… vai ser uma oponente formidável — disse o mestre.
Mas foi numa noite fria que a maior lição aconteceu.
Após um dia de treinos exaustivos, Mia estava desanimada.
— Eu não sou forte como você… — disse ela a Lee.
— E eu não sou rápida como você — rebateu Lee. — Cada uma tem seus pontos fortes.
— Mas eu… — Mia abaixou a cabeça. — Eu quero proteger as pessoas que amo… Eu quero ser forte o suficiente pra isso.
Lee sorriu, sincera.
— É por isso que você vai conseguir.
Mia ergueu os olhos, emocionada.
— Obrigada…
Na última noite no dojo, Senhor Tetsuo reuniu as duas na varanda.
— Vocês ainda têm muito a aprender — disse ele, com o tom severo de sempre. — Mas já cresceram bastante.
Ele olhou para o céu estrelado, pensativo.
— Força verdadeira não vem apenas do corpo. Ela vem de dentro… dos laços que criamos e do que estamos dispostos a proteger.
Mia e Lee se entreolharam, refletindo sobre aquelas palavras.
— Eu quero proteger a Sophie — disse Mia, apertando os punhos.
— E eu… quero proteger o Yoru — confessou Lee, firme.
Ambas sorriram, como se tivessem finalmente encontrado uma resposta que buscavam há tempos.
Naquela noite, enquanto o vento frio soprava e as estrelas brilhavam acima, Lee e Mia adormeceram tranquilas, mais fortes — não apenas em seus corpos, mas em suas emoções e convicções.
…
O dia começava sempre igual: o sol ainda nem havia surgido e o vento cortante invadia o quarto de tatames, chicoteando os rostos de Lee e Mia.
— Por que eu aceitei isso mesmo? — pensou Mia, enterrando o rosto no travesseiro.
— Anda logo, preguiçosa. — A voz firme de Lee ecoou no quarto.
Mia se arrastou para fora do futon, estremecendo quando seus pés tocaram o chão gelado. O rosto de Lee estava determinado, como sempre. Era incrível como ela nunca reclamava.
— Como você consegue estar tão animada? — Mia resmungou, ainda tentando acordar.
— Não estou animada… só acostumada — respondeu Lee, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo. — Agora mexe logo ou o velho Tetsuo vai arrancar sua cabeça.
Mia soltou um longo suspiro e se levantou.
A primeira parte do treino era sempre a corrida pela floresta. O ar frio queimava seus pulmões enquanto subiam e desciam trilhas íngremes cobertas de raízes e pedras.
— Vamos, Mia! — gritava Lee, que sempre corria alguns metros à frente.
Mia tentava acompanhar, mas seu corpo parecia mais pesado a cada passo. Seu peito ardia, suas pernas pareciam travar, e a visão começava a ficar turva.
— Eu não… vou conseguir… — murmurou Mia, sentindo-se à beira de desmaiar.
Foi quando sentiu uma mão segurar seu pulso.
— Você consegue sim! — disse Lee, puxando-a para frente.
Mia olhou para a amiga, surpresa.
— Não vou deixar você desistir — disse Lee, com um sorriso determinado.
Aquela simples atitude acendeu uma chama em Mia.
— Eu consigo… — ela sussurrou para si mesma.
O Senhor Tetsuo não era nada gentil. Quando não estavam correndo, ele fazia as duas realizarem sequências brutais de exercícios:
Flexões intermináveis sobre punhos cobertos de cascalho.
Agachamentos com pesos amarrados às pernas.
Combates intensos com bastões de madeira que deixavam os braços e costas cheios de hematomas.
Mia chorou mais de uma vez.
— Eu não consigo mais… — dizia ela, a voz fraca.
Mas sempre que Mia estava prestes a desistir, Lee estava lá.
— Você já chegou até aqui, não vou deixar você parar agora.
Lee também sofria, mesmo que não demonstrasse tanto. Havia momentos em que seus músculos simplesmente travavam e ela ficava ofegante, sentindo como se suas costelas fossem se partir. Mas, ao olhar para Mia — que insistia em continuar mesmo estando mais fraca — ela encontrava forças para seguir em frente.
Com o tempo, Mia começou a notar mudanças. Suas pernas estavam mais firmes, seus braços mais fortes e sua postura mais estável. Ela finalmente sentia que poderia enfrentar um adversário de frente.
Mas a maior mudança foi em seu coração — e Lee sabia disso.
Certa noite, depois de um dia especialmente pesado, as duas estavam na varanda do dojo. O céu estava limpo, iluminado por uma infinidade de estrelas.
Mia encostou a cabeça no ombro de Lee.
— Você acha que a gente tá mesmo ficando mais forte? — perguntou Mia, sua voz quase um sussurro.
— Eu acho que sim… — respondeu Lee.
O silêncio se prolongou. O som dos grilos preencheu o vazio.
— Sabe… — disse Mia, hesitante. — Eu sempre achei que você fosse forte porque não sente medo.
Lee riu, um som curto e seco.
— Eu sinto medo o tempo todo…
— Sério? — Mia levantou o rosto, surpresa.
— Claro que sim. — Lee desviou o olhar para o céu. — Eu tenho medo de não ser forte o suficiente… de não conseguir proteger quem eu amo.
Mia percebeu que havia algo mais naquelas palavras.
— É por isso que você treina tanto, né?
— É… — Lee suspirou. — Eu quero ficar forte o bastante para proteger o Yoru…
Mia sorriu.
— Você gosta dele, né?
— Não sei… — Lee cruzou os braços, desconfortável. — Só sinto que… se ele precisar de mim, eu tenho que estar lá.
— Então você gosta dele… — Mia riu baixinho.
— Ah, cala a boca…
As duas riram juntas, quebrando a tensão.
— Eu também quero proteger alguém — confessou Mia, ficando séria. — A Sophie…
— Eu já sabia. — Lee sorriu.
— Eu só… tenho medo de dizer a ela.
— Então fique forte — disse Lee, firme. — E quando você se sentir pronta… diga.
Mia sorriu, reconfortada.
Nos dias seguintes, o ritmo dos treinos aumentou ainda mais.
Certa manhã, Mia estava praticando golpes contra um tronco de madeira quando seus dedos começaram a sangrar. Ela mordeu o lábio, frustrada.
— Por que não consigo melhorar? — pensou, segurando as lágrimas.
Foi quando Lee se aproximou.
— Você tá fazendo errado — disse ela, calmamente. — Coloque mais firmeza nos pés e use o quadril pra gerar força.
Mia tentou novamente, agora com mais precisão.
— Isso! — elogiou Lee.
Ver Lee sempre pronta para ajudá-la fez Mia perceber algo importante:
— Ela não é só minha amiga… Ela é minha força também.
Na última noite do treinamento, Senhor Tetsuo reuniu as duas.
— Vocês aguentaram mais do que eu esperava… — disse ele. — Mas se querem ser verdadeiramente fortes, precisam aprender algo mais importante que socos e chutes…
— O quê? — perguntou Lee.
O velho mestre apontou para os corações delas.
— Vocês se tornaram mais fortes porque têm algo que querem proteger… Nunca se esqueçam disso.
Naquela noite, enquanto estavam no quarto, Lee e Mia deitaram lado a lado, encarando o teto.
— Promete que não vai esquecer o que o velho disse hoje? — perguntou Lee.
— Só se você prometer também.
— Prometo… — respondeu Lee.
— Então… eu também prometo.
Mia segurou a mão de Lee, apertando-a firme.
— Juntas.
— Sempre. — Lee apertou de volta.
E naquele momento, as duas sabiam que haviam se tornado mais do que amigas — haviam se tornado irmãs de alma, unidas pela força que criaram juntas.
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