Índice de Capítulo

    [Distrito de Kiyokabe — 23h57]

    A noite caía densa e pesada sobre Kiyokabe, um distrito urbano cravado nos limites mais sombrios e esquecidos da metrópole. Era um lugar de extremos: arranha-céus abandonados com grafites imponentes disputavam espaço com becos labirínticos cobertos por néon e fumaça. Por trás da cortina de luzes piscantes e lojas 24 horas, morava um mundo subterrâneo regido por suas próprias leis. Um mundo onde o nome Mayato Nakamura era quase uma divindade — e onde seu sucessor, Hudson, começava a erguer sua própria lenda.

    Kiyokabe era tudo menos um lugar seguro. E ainda assim, naquela noite quente e abafada, havia um certo equilíbrio nas ruas. Grupos de jovens andavam tranquilos, e até os ambulantes sorriam vendendo espetinhos em esquinas encardidas. Tudo isso porque o Punho de Mayato vigiava a cidade.

    E esse punho tinha um nome: Hudson.

    [Sede da Gangue “Coração de Aço”]

    Em um antigo prédio de três andares, que um dia fora uma oficina mecânica, agora brilhavam as luzes vermelhas e azuis do quartel-general da gangue Coração de Aço, liderada por Hudson. Lá dentro, o cheiro de óleo de motor, suor e cup noodles era intenso. Jovens de todas as idades estavam espalhados pelos sofás velhos, jogando cartas, rindo, treinando socos em sacos improvisados ou limpando armas — não de fogo, mas bastões, correntes e tonfas, instrumentos comuns na batalha urbana do submundo.

    Hudson estava no terraço, com a brisa morna batendo contra o rosto suado. Vestia uma regata preta furada nos ombros e uma calça cargo. Seus punhos estavam enfaixados, manchados de sangue seco. Apesar da aparência feroz, havia em seus olhos uma calma serena. Uma firmeza moldada não pelo ódio, mas pelo compromisso com algo maior.

    — Hudson! — gritou Reiko, uma garota franzina de cabelo raspado nas laterais, subindo as escadas com pressa — O Kenji se meteu em problema de novo lá no distrito leste. Um grupo da Shirogane tentou avançar no nosso território!

    Hudson suspirou fundo, esfregando os olhos.

    — Eles não entendem… que Kiyokabe é protegido. — disse num tom quase triste. — Vamos resolver isso. Mas sem sangue. Se puder, traz o Kenji inteiro de volta, tá?

    — Você vai junto? — Reiko perguntou, já sacando um canivete dobrável.

    — Claro que vou. Um líder que não protege os seus… não é homem de verdade.

    [A Caminho do Distrito Leste – Motos Rugindo na Noite]

    Hudson pilotava sua moto, uma Kawasaki preta fosca, com o símbolo de um punho fechado em tinta vermelha estampado no tanque. Atrás dele, cinco outros membros da gangue aceleravam, formando uma linha serpenteante pelas ruas. As luzes neon refletiam no capacete espelhado dele enquanto passavam por estabelecimentos fechados, pichações de gangues rivais e postes tremeluzentes.

    Enquanto dirigia, pensava em seu mestre, Mayato.

    “Ele sempre dizia: ‘Ser forte não é dar porrada. É saber quando aguentar sem quebrar.’ Eu quero chegar lá, quero ser esse tipo de homem.”

    [Encruzilhada de Yashida – 00h43]

    Encontraram Kenji ajoelhado, com um corte no supercílio e a respiração ofegante. Três caras da gangue Shirogane estavam à sua frente, armados com bastões de metal. Ao verem Hudson, deram um passo para trás.

    — H-Hudson… — disse um deles, reconhecendo o rosto. — Nós não sabíamos que ele era dos seus.

    Hudson desceu da moto com calma, tirando o capacete. Seu olhar era o de um predador sereno.

    — Todo mundo que pisa em Kiyokabe deveria saber quem cuida daqui. — ele falou, voz baixa, firme.

    — Ele que começou! — disse o outro, apontando para Kenji.

    Hudson se aproximou dos três. E sorriu.

    — Eu acredito em justiça. Mas aqui… justiça tem um nome: respeito. E vocês desrespeitaram meu bando.

    De repente, sem aviso, Hudson lançou um soco direto no estômago do mais alto. O golpe foi tão seco que o som ecoou no beco como um estouro. O garoto caiu de joelhos, vomitando ar.

    Os outros dois recuaram, mas Hudson ergueu a mão.

    — Só esse. Só pra mostrar que eu podia acabar com todos vocês. Mas não vou. Porque quero que levem uma mensagem: digam ao líder de vocês que Kiyokabe tem guardião. E o punho de Mayato… ainda está vivo.

    Sem dizer mais nada, ele ajudou Kenji a se levantar.

    — Vamos pra casa.

    [De Volta à Sede – 2h27]

    Hudson estava sentado na varanda com Kenji, que agora tinha um curativo improvisado na testa.

    — Cara… por que você foi lá sozinho?

    — Achei que podia lidar com isso. Não queria te preocupar, sabe…

    Hudson soltou uma risada fraca.

    — Você faz parte da gangue. Isso já é motivo o suficiente pra eu me preocupar. Aqui, a gente é família. Eu aprendi isso com o Mayato. Ele me salvou quando eu era só mais um moleque metido a valentão. Me ensinou que ser homem de verdade não é ser durão. É ser responsável.

    Kenji baixou os olhos, envergonhado.

    — Desculpa, chefe…

    — Hudson. Só Hudson. Eu não sou seu chefe. Sou seu irmão.

    [Flashback – Anos atrás]

    Hudson era apenas um garoto magrelo quando Mayato o viu pela primeira vez. Estava defendendo uma senhora que era assaltada no mercado. Levou um chute no estômago e caiu, mas se levantou, de novo e de novo, sem nunca revidar.

    Mayato, observando tudo de longe, se aproximou, segurando o garoto pela gola.

    — Por que não revidou?

    — Porque… era dois contra um. E ela tava com medo. Eu não podia deixar ela sozinha…

    Mayato sorriu pela primeira vez em muito tempo.

    — Qual seu nome, moleque?

    — Hudson.

    — Você vai treinar comigo.

    [Volta ao Presente]

    Hudson se levantou e olhou para a cidade da sacada. As luzes de Kiyokabe dançavam como vagalumes artificiais.

    — Um dia eu quero ser como ele. Não pelo poder. Mas pela capacidade de mudar quem está ao redor. De transformar lixo em honra. Eu quero ser… um homem de verdade.

    Kenji se aproximou e olhou na mesma direção.

    — Pra mim, você já é.

    Hudson não respondeu. Apenas apertou os punhos enfaixados. O Punho de Mayato estava apenas começando sua própria história.

    E o coração de Kiyokabe ainda batia — firme, protetor, e de aço

    [Passado]

    Em tempos remotos, muito antes dos distritos serem divididos por gangues modernas, o mundo pertencia aos monstros vestidos de homens.

    A essa era deu-se o nome de Geração Primordial — ou, como ficou conhecida entre os sobreviventes: A Geração da Guerra.

    Não havia regras. Não havia estrutura. Apenas caos e poder. Aqueles que possuíam força bruta, habilidade sobre-humana ou liderança sobrenatural tomavam os territórios para si e eram chamados de Reis. Não por nomeação, mas por temor. Cada um deles controlava áreas inteiras com punhos cerrados e olhos flamejantes. Alguns buscavam ordem, outros apenas destruição. Mas todos, sem exceção, tinham sangue até os joelhos.

    Entre os lendários nomes, destacavam-se:

    Kensei Okabe, o Rei da Lâmina Carmesim. Sua espada cortava ar e carne com a mesma facilidade.

    Haruma “Crânio” Shōji, que esmagava ossos com a palma da mão, sem remorso algum.

    Mayato Nakamura, o Rei do Punho — o único que acreditava em um propósito maior do que apenas poder.

    Por décadas, esses monstros governaram. Até que ela chegou.

    Kira.

    Ninguém sabia de onde viera, nem como era seu rosto, pois sempre usava um véu de seda branca sobre a face. Seus olhos, dizem os poucos que a viram, eram vazios. Sem ódio, sem compaixão. Apenas… propósito.

    Um por um, ela foi caçando os Reis.

    Não em confrontos públicos. Mas em emboscadas silenciosas, como uma ceifeira das trevas. Quando encontrava um Rei, ela arrancava um membro do corpo dele — às vezes uma perna, às vezes um braço, às vezes os olhos — e deixava o restante vivo para carregar o trauma. Ela dizia que estava retirando o poder das mãos erradas, devolvendo o mundo aos que ainda tinham esperança.

    Mayato foi o único a confrontá-la diretamente e sobreviver.

    Ela desapareceu pouco tempo depois, deixando para trás apenas os Reis aleijados e um novo tempo. Um tempo onde o poder seria herdado — não imposto.

    [Presente — Escola Secundária 25 – 13h40 – Intervalo]

    O som da sirene ecoou pelos corredores da Escola Secundária 25, encerrando a última aula da manhã. As portas se abriram quase que em uníssono, e o corredor central foi tomado por uma multidão de vozes, passos apressados, risadas e conversas aleatórias. O cheiro de giz, perfume adolescente e lanche barato misturava-se no ar como parte da própria identidade da escola.

    No pátio coberto, um grupo peculiar ocupava a mesa mais afastada, perto da máquina de bebidas: Yoru, Ben, Hayato, Ryuji, Sophie, Lee, Mia e Yuna.

    Ali, naquele instante, não existiam lutas contra entidades demoníacas, confrontos de gangues ou conspirações internacionais. Existiam apenas jovens tentando ser jovens — como deveriam ser.
    ]

    — E ENTÃO, o professor olhou direto pra mim e disse: “Se você soubesse 10% do que pensa que sabe, talvez não estivesse tirando 3 na prova!” — contou Hayato, imitando a voz grossa do professor de história.

    — Eu tô rindo, mas é de desespero — respondeu Ben, com um pacote de bolacha na mão e migalhas nos cantos da boca. — Porque eu também tirei 3. E nem foi porque eu chutei… foi porque eu tentei MESMO.

    Yoru, com a cabeça encostada na mochila, riu baixo.

    — Vocês sabem que podiam só estudar, né?

    Ryuji cruzou os braços, fingindo ofensa.

    — Você fala isso porque tira 9 dormindo, seu desgraçado. Pra gente, essa merda é um RPG com o modo “pesadelo” ativado.

    — Ei! — Sophie interrompeu, mexendo no celular — Vocês viram que vai ter festival cultural daqui a três semanas? Vai ter estandes, apresentações e tudo mais!

    Mia, que estava desenhando algo em seu caderno, sem levantar os olhos, murmurou:

    — Já decidiram quem vai se vestir de donzela em perigo?

    — O Lee, óbvio — disse Yuna, com um sorriso travesso.

    Lee levantou as mãos, indignado.

    — Ei, ei, ei! Por que EU? A Sophie tem cabelo longo, dá pra amarrar que nem princesa da Disney!

    Ben jogou uma bolacha nele.

    — Porque você é o mais sensível, pô. Vai ter gente se apaixonando por você na barraca do beijo.

    Todos riram. Até Yoru, que raramente gargalhava, soltou uma risada mais aberta.

    Ali, por alguns minutos, estavam todos longe de tragédias, batalhas ou responsabilidades. Só amigos. Só juventude.

    Depois de um tempo, Yoru olhou para o céu. As nuvens passavam devagar, como se também estivessem de folga. Ele pensou em sua irmã, nos segredos que ainda o cercavam, e no passado que mal começava a entender.

    — Pensando alto de novo, Yoru? — Mia perguntou, observando-o por trás da franja.

    — Só… aproveitando o momento. Vai saber quanto tempo a gente ainda tem assim.

    Yuna se aproximou, sentando ao lado dele.

    — Você sempre parece que tá carregando o mundo nas costas.

    Ele a olhou e sorriu.

    —Talvez eu esteja. Mas com vocês aqui, fica mais leve.

    Ben interrompeu, com um tom debochado.

    — Awn, que cena tocante. Alguém tira foto, rápido. “Yoru: o protagonista sensível que ainda acredita na amizade”.

    Todos riram mais uma vez.

    No alto de uma colina, longe dali, alguém observava a escola com um binóculo velho. Era uma mulher de véu branco, olhos apagados, sentada em uma pedra.

    — A nova geração… ainda é tão barulhenta quanto a antiga.

    Ela sorriu. E desapareceu com o vento.

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