Índice de Capítulo

    [Passado — 17 anos atrás, Primeira Geração]

    O submundo da cidade de Kiyokabe era um inferno urbano que respirava violência, forjava monstros e imortalizava lendas. Nas ruínas do sistema, enquanto o mundo normal caminhava na superfície, a Primeira Geração de delinquentes se erguia como titãs em meio à decadência.

    Entre eles, havia um jovem de cabelos prateados e olhos cortantes: Mayato Nakamura.

    Ele não era o mais forte, nem o mais rápido. Não nasceu com dons sobrenaturais. Mas havia algo em Mayato que o destacava: obsessão pura e crua. Obsessão por vencer, por controlar, por conquistar. Ele treinava até que seus ossos rangissem, até seu sangue escorresse entre os dedos.

    Enquanto outros dormiam, Mayato socava paredes até abrir feridas.

    Enquanto os outros comiam, ele meditava, planejava, estudava estilos de luta, movimentos, estruturas mentais de combate.

    Ele foi subindo. Luta após luta. Derrota após derrota. E toda derrota era uma aula, uma semente. Quando ele chegou ao topo da hierarquia da Primeira Geração, não foi pela força, mas pela mente, pela brutalidade calculada e pela crença inquebrável de que ele era o futuro.

    Mayato se tornou o Rei de Kiyokabe aos 21.

    O distrito se curvou diante dele. Gangues inteiras foram absorvidas. Líderes antigos foram enterrados. E seu nome ecoava como uma entidade sobrenatural:
    Mayato, o Rei de um punho

    Mas todo reinado carrega sua maldição.

    3 anos depois

    No auge de seu domínio, ela apareceu.

    Kira.

    Não era só um nome. Era um aviso. Uma sentença.

    Ela surgiu silenciosa, sem alardes, mas seus feitos eram absurdos. Derrotou os líderes de dois distritos sem usar as mãos. Ela era uma sombra que caminhava entre os titãs — uma lenda viva antes mesmo de ser conhecida.

    Mayato a subestimou. Um erro que custaria caro.

    A luta entre os dois durou apenas 8 minutos.

    Foi rápida, brutal e marcante.

    Mayato foi derrotado no topo do prédio do Velho Observatório de Kiyokabe, sob a chuva. Ele lutou com tudo o que tinha. Usou seu estilo de luta brutal, seus socos que esmagavam concreto. Mas ela… ela dançava entre seus ataques.

    Com movimentos fluidos, contra-ataques perfeitos e uma expressão calma e cruel, Kira desmantelou o “Rei”.
    E então, no momento final, ela perfurou seu olho esquerdo com um golpe de dois dedos.

    — Isso é para que você nunca esqueça… que houve um plano maior por trás de tudo. — ela disse antes de desaparecê-lo no chão.

    Mayato caiu.
    A Primeira Geração ruiu.
    E Kira sumiu…

    [Presente]

    O vento varria o sangue seco no chão, enquanto Hudson, ainda ofegante e deitado, observava a cena diante dele com olhos arregalados. Mayato e Kira se encaravam como duas feras prestes a despedaçar uma à outra.

    O silêncio era absoluto, como se o próprio mundo segurasse o fôlego.

    Yoru, ainda desacordado após o golpe de Mayato, jazia ao lado.

    — Você devia estar morta. — disse Mayato, sua voz agora carregada de uma fúria gélida, como metal prestes a quebrar.

    Kira deu um sorriso irônico, o mesmo sorriso que destruiu impérios inteiros.

    — Eu morri… simbolicamente. Mas voltei, Mayato. Porque o mundo ainda não entendeu o que eu quero.

    — Você… VOCÊ DESTRUIU A PRIMEIRA GERAÇÃO! VOCÊ NOS FEZ PERDER NOSSO ORGULHO! — rugiu ele, o corpo inteiro tremendo.

    Hudson olhou, surpreso. Nunca tinha visto o “Mestre” assim. Aquilo não era o Mayato frio e calculista. Era um monstro devorado pela vingança.

    — Você destruiu tudo, tudo de importante para mim. — Mayato caminhava devagar — …me fez treinar no limbo da existência, como um cão raivoso que perdeu tudo. Eu me tornei forte… por você.

    Kira se manteve inexpressiva.

    — Você se tornou forte por vingança, Mayato. Isso te faz fraco.

    Mayato parou. Sua respiração era pesada. Uma aura violenta começou a emergir de seu corpo. Um vermelho profundo, como sangue fervente.

    — Hudson… — disse ele, sem desviar o olhar da mulher — …lembre-se bem dessa noite.

    Hudson tentou se levantar, mas seu corpo ainda doía demais.

    — M-mestre… o que está acontecendo…?

    — O que está acontecendo… é o retorno de um demônio. — respondeu Mayato, tirando o casaco branco lentamente, revelando o corpo coberto de cicatrizes de batalha.

    — Eu treinei por 14 anos, todos os dias, com o braço quebrado, com o olho sangrando, me perguntando como eu deixei ela me vencer.

    Ele arrancou a venda do olho esquerdo.

    A órbita ocular estava vazia, escura

    — Eu deixei de ser humano, Hudson. Só pra esse dia chegar.

    Kira deu um passo à frente.

    — E agora que o dia chegou… o que vai fazer? Me derrotar? Vingar sua geração? Vai me matar e acabar igual aos outros?
    Você sempre foi emocional demais, Mayato. Por isso eu venci.

    Mayato cerrou os dentes, e a aura vermelha agora explodia como labaredas furiosas.

    — VOCÊ NÃO ENTENDE NADA! — berrou ele — EU NÃO QUERO SÓ VINGANÇA! EU QUERO DESTRUIR SEU LEGADO! EU QUERO QUE NINGUÉM SE LEMBRE QUE VOCÊ EXISTIU!

    Ele avançou em um movimento tão rápido que o chão afundou.

    Mas Kira nem se moveu.

    Ela levantou uma das mãos lentamente e bloqueou o soco, como se segurasse o vento.

    O impacto criou uma onda de choque que destruiu o chão ao redor

    Hudson foi jogado alguns metros para trás.

    — E você… ainda não entendeu que o mundo já é meu. — sussurrou ela.

    Mayato recuou, olhos arregalados. Pela primeira vez, notou algo diferente: o selo da Segunda Geração no pescoço da Kira.

    — …Você… está por trás da Segunda Geração?

    — Eu a criei — respondeu Kira. — Desde o começo.

    Silêncio.

    Hudson não conseguia acreditar.

    Yoru começou a se mexer, lentamente, o modo louco se dissipando.

    Mayato parecia congelado.

    Kira colocou o capacete de volta. Subiu na moto, o motor rugiu.

    — Quando estiver pronto de verdade… venha me encontrar.
    Mas venha como um Rei.
    Não como um órfão da história.

    VRUUUMMM!!!

    A moto desapareceu na escuridão.

    Mayato ficou ali, o punho tremendo, os olhos em fúria.

    Hudson se aproximou, mancando.

    — Mestre…

    — …Ela destruiu tudo. — murmurou Mayato, de costas.

    — E agora?

    Mayato olhou para as estrelas.

    — Agora, Hudson… nós vamos reconstruir o inferno.

    A noite em Kiyokabe estava mais fria do que de costume. Não era apenas o vento cortante que soprava entre os becos destruídos, nem o céu cinza coberto por nuvens pesadas que anunciavam uma tempestade iminente.
    Era a presença da verdade que havia sido arrancada como uma flecha do passado — e cravada no coração do presente.

    Mayato Nakamura, o Rei Imortal da Primeira Geração, agora estava ajoelhado no meio das ruínas do que um dia foi seu trono. Seus punhos cerrados tremiam. Não pelo frio, mas pelo furor contido, pela impotência de ter o passado revivido diante de seus olhos e não poder mudá-lo.

    “Kira… por que você forçou a criação da Segunda Geração?”

    Ele repetia essa pergunta em silêncio. Era como um prego girando em sua mente.

    Yoru, ainda se recuperando, sentou-se com dificuldade ao lado de Hudson. O sangue seco no canto da boca e os olhos semicerrados ainda denunciavam os efeitos do modo louco.

    — Vocês viram… quem era ela, não viram? — perguntou Yoru, ofegante.

    — Eu vi… e não consigo acreditar — respondeu Hudson, mais pálido do que nunca.

    Foi quando Ben e Hiroshi chegaram, ambos com os rostos suados, ferimentos leves e olhares cheios de confusão. Haviam sentido a onda de energia que a luta provocara, e correram até o local.

    — O que… aconteceu aqui?! — disse Hiroshi, olhando os escombros, o vidro quebrado e os corpos feridos.

    Ben olhou para Mayato e sussurrou com seriedade:

    — Essa aura… você lutou com ela, não foi?

    Mayato se levantou lentamente, como um gigante despertando de um pesadelo antigo. O vento soprou, levantando parte de seu sobretudo branco, manchado de sangue e sujeira.

    — Sentem-se. — ordenou ele, com uma voz que mais parecia uma lâmina embainhada.

    Os quatro jovens — Yoru, Hudson, Ben e Hiroshi — se sentaram sobre os blocos de concreto espalhados, atentos como aprendizes diante de um velho mestre de guerra.

    Mayato fitou o céu, respirou fundo e disse:

    — Aquela mulher… aquela lenda… aquela maldita cadela chamada Kira…
    Ela não apenas destruiu a Primeira Geração. Ela planejou cada peça do tabuleiro desde o início.

    — Mas por quê? — perguntou Ben, confuso. — Por que alguém tão poderosa destruiria a geração que ela mesma viveu?

    — Porque Kira nunca foi apenas uma lutadora… — Mayato fechou os olhos, como se revivesse a dor — Ela é uma engenheira de eras. Ela molda gerações com as mãos. Ela não quer ser lembrada como uma rainha…
    Ela quer ser lembrada como o ponto de origem de todo o caos.

    Os garotos ficaram em silêncio. Yoru apertava os punhos, sentindo algo semelhante ao que Mayato carregava: a sensação de que eram apenas peças em um jogo muito maior.

    — Kira não criou a Segunda Geração por orgulho. Ela criou por medo. — Mayato continuou, olhando agora diretamente para os quatro. — Medo de que surgisse alguém que escapasse do modelo de controle que ela idealizou. Ela nos destruiu porque éramos incontroláveis, e então… plantou sementes em um terreno fértil de jovens confusos e famintos por poder.

    Hudson falou, hesitante:

    — Então… a Segunda Geração é… um experimento?

    Mayato assentiu.

    — Sim. E vocês são o resultado.

    Yoru encarou o chão por alguns segundos e perguntou:

    — Então por que lutar? Se tudo já foi escrito…?

    Mayato caminhou até ele, se ajoelhou, segurou seu queixo e o forçou a olhar em seus olhos.

    — Porque até as peças podem derrubar o tabuleiro. E eu vou ensinar vocês a fazer isso.
    Mas há uma única regra:
    Se encontrarem Kira… vocês correm. Não importa o quanto tenham evoluído. Não importa o quanto se sintam prontos. Aquela mulher é a ponta da lança que matou deuses.

    Os olhos de Hiroshi tremiam.

    — E… e se ela voltar aqui?

    Mayato ficou em silêncio por um instante, antes de se levantar e virar as costas.

    — Então Kiyokabe… será uma cratera.

    [Tóquio — 57º andar – Escritório de Charles Choi]

    O luxo contrastava violentamente com o caos de Tokyo. O tapete oriental sob os pés, as luzes indiretas refletindo sobre as esculturas asiáticas douradas, e as janelas imensas que davam vista para a cidade que ainda dormia em falsa paz.

    Charles Choi estava de pé diante da janela, sua bengala apoiada ao lado. Alto, de cabelos grisalhos, olhos claros, e um terno roxo feito sob medida, Choi era o tipo de homem que dominava salas sem precisar dizer uma palavra.

    Mas agora, ele gritava.

    — INCOMPETENTES! — berrou, arremessando o celular contra a parede, fazendo-o se despedaçar.

    Atrás dele, dois homens de terno abaixaram a cabeça em silêncio absoluto.

    — Eu avisei! Eu AVISEI que Kiyokabe tinha que cair!
    Mas não… o “Rei” ainda respira. E agora… agora aquela mulher aparece? A Kira!?

    Ele começou a rir. Uma risada que misturava ódio e excitação.

    — Mesmo assim… não foi um fracasso. Foi um passo gigantesco.

    Os executivos se entreolharam sem entender.

    Charles caminhou até um cofre embutido na parede, digitou um código e retirou um pequeno tablet prateado. Ele o ativou e, na tela, surgiram nomes… dados… perfis de jovens da Segunda Geração.

    — A Primeira Filiação… está se aproximando. — ele disse com voz suave.

    — “Primeira filiação”? — perguntou um dos homens.

    Charles sorriu, encarando o reflexo do próprio rosto na tela.

    — Um evento inevitável, traçado anos antes de tudo isso começar.

    O ponto onde os filhos se unem aos pais…
    Onde a nova geração será forçada a escolher entre se rebelar… ou assumir o trono do caos.

    Ele desligou o tablet.

    — E quando a Primeira Filiação ocorrer… nem Kira… nem Mayato… nem seus “protegidos” poderão parar o colapso.

    Ele estalou os dedos.

    — Preparem as Unidades Negras.

    Os dois homens se curvaram e desapareceram na sombra do corredor.

    Charles Choi ficou novamente sozinho, encarando Tóquio como um arquiteto diante de sua obra-prima.

    — O mundo… vai aprender a rastejar.
    E todos os heróis do passado…
    Serão apenas notas de rodapé.

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