Índice de Capítulo

    Kiyokabe ainda carregava no ar o cheiro metálico de sangue seco e concreto quebrado. Era como se o próprio solo estivesse impregnado pelas memórias da guerra, de um tempo onde cada rua escondia cicatrizes e cada escombro sussurrasse nomes esquecidos.

    Em meio às ruínas, sob um céu nublado que parecia incapaz de chorar, Mayato Nakamura e Yoru Akemi caminhavam lentamente por um corredor de concreto rachado, onde um dia funcionara o antigo quartel central da Primeira Geração.

    Yoru mantinha o olhar baixo, ainda digerindo as revelações da última noite. O vento bagunçava seus cabelos negros, e seus olhos mostravam a inquietude de alguém que, ao buscar respostas, só encontrava mais perguntas.

    Mayato parou diante de um velho mural pichado com nomes e símbolos apagados pelo tempo. Entre eles, um nome resistia: Mei.

    Ele suspirou.

    — Você se parece muito com ela… sua mãe. — disse ele, com uma voz baixa, quase quebrada pela saudade.

    Yoru ergueu os olhos. Aquilo o pegou de surpresa.

    — Eu sei… Ela realmente foi uma pessoa muito boa, alguém de coração puro que amei mais que tudo

    Mayato assentiu.

    — Fui amigo dela. Um verdadeiro, raro e legítimo amigo.
    Na Primeira Geração, isso era quase impossível de acontecer. Confiança era uma moeda cara demais… e ainda assim, ela confiava em mim.

    O silêncio se prolongou. O eco distante de carros e o farfalhar de folhas quebravam a monotonia enquanto a confissão ganhava vida.

    — Ela era… a única que conseguia me fazer rir. A única que me enfrentava de igual para igual. Não com força, mas com alma. A Mei era feita de uma matéria que eu nunca entendi. Forte demais pra ser quebrada, frágil demais pra não carregar o mundo nas costas.

    Yoru se encostou num pedaço de parede exposta. Seus olhos procuravam algo nas palavras de Mayato, mas tudo parecia uma névoa.

    — E o que aconteceu com ela na primeira geração?

    Mayato desviou o olhar.

    — Ninguém sabe ao certo.
    Ela desapareceu pouco antes da queda da Primeira Geração… durante um confronto contra forças ocultas que nem mesmo a Kira compreendia totalmente.
    Alguns dizem que ela traiu a geração.
    Outros, que tentou salvar todos nós.

    — E você… o que acha?

    Mayato não respondeu imediatamente. Ele encarou o céu nublado.

    — Eu acho que ela fez o que era necessário… E por isso… sumiu.

    Yoru ficou em silêncio. Aquele breve momento, aquela memória compartilhada, o deixou com um gosto agridoce na boca. Ele sabia mais do que antes, mas ainda estava longe de saber tudo.

    A mãe dele… Mei Akemi, era um mistério envolto em sombras. Cada peça que se encaixava… revelava outras que faltavam.

    [Dias depois — Casa do Yoru]

    A chuva batia fraca contra a janela. O som dos pingos preenchia o silêncio entre Yoru e Hina, sua namorada. Ela estava sentada no sofá, enrolada em um cobertor, com uma caneca quente nas mãos. Yoru caminhava de um lado para o outro, inquieto.

    — Eu não entendo… nada disso faz sentido. Por que a Kira destruiria a geração dela? Por que Charles está envolvido nisso? Como tudo se conecta? E minha mãe… onde ela entra nisso tudo?

    Hina o olhava com preocupação, mas também com uma serenidade que o irritava um pouco.

    — Você vai se matar com essas perguntas, Yoru. Às vezes, as respostas vêm com o tempo… não com a pressa.

    — E se eu não tiver tempo? — ele retrucou, amargo. — E se o que eles estão tramando destruir o que resta da geração um… ou de nós?

    Hina suspirou.

    — Você quer descobrir tudo de uma vez… mas nem o mundo foi feito em um dia.

    Yoru bufou, jogando o corpo na poltrona.

    — Eu odeio não saber… odeio viver em meio a sombras.

    O celular dele vibrou.

    Número desconhecido.

    Ele hesitou… depois atendeu.

    — Alô?

    Uma voz feminina e fria respondeu do outro lado da linha:

    — Yoru.

    Ele congelou. Aquela voz…

    — Y-Yummi?

    — Sim. Sou eu.

    Ele se levantou no mesmo instante.

    — Por que tá me ligando agora? Onde você tá? Por que sumiu depois de dizer que era minha irmã?!

    — Porque agora você está pronto para ouvir… e entender.
    Vá até o colégio abandonado de Higashiro às 3h da manhã. Vá sozinho.

    — Espera! Que tipo de jogo é esse?!

    — Yoru… você quer saber a verdade sobre sua mãe?
    Sobre Charles?
    Sobre a Primeira Geração… e o motivo real da existência da Segunda?

    Ele engoliu em seco.

    — Quero.

    — Então venha.
    Mas cuidado: a verdade sempre cobra um preço.

    Clique.

    A ligação caiu.

    Yoru ficou parado, o telefone ainda colado ao ouvido. Hina se aproximou, com os olhos preocupados.

    — O que aconteceu?

    — Eu… vou sair. — ele respondeu, com a voz firme, determinada.

    Ela tentou segurá-lo pelo braço.

    — Yoru, seja lá quem for essa mulher, isso pode ser uma armadilha.

    — Eu sei.
    Mas se for uma… é uma que eu preciso cair.

    Ele pegou o casaco, cruzou a porta e desapareceu no corredor do prédio.

    [Madrugada — Colégio Abandonado de Higashiro]

    O prédio, esquecido pelo tempo, parecia uma criatura adormecida. Paredes cobertas de musgo, janelas quebradas, e o som longínquo de trovões completavam o clima de pesadelo. Yoru adentrou o pátio, sentindo cada passo ecoar como um grito entre os escombros.

    — …Yummi? — chamou ele.

    Dos fundos do antigo corredor da diretoria, uma figura surgiu. Cabelos longos e escuros, sobretudo preto, e com seu icônico óculos preto

    [Nome:Yummi – Lenda da primeira geração]

    — Você veio. — ela disse, caminhando lentamente em sua direção.

    — Eu vim buscar respostas.

    Ela sorriu.

    — E eu vim… te dar a chave para reabrir as portas do inferno.

    O som dos passos ecoava como memórias no chão de azulejos rachados da antiga escola de Higashiro. A madrugada envolvia o colégio em uma penumbra azulada, e o vento que atravessava as janelas quebradas carregava consigo o aroma do tempo esquecido. Era como se as paredes ainda sussurrassem os segredos do passado.

    Yoru seguia Yummi, sua meia-irmã recém-revelada, por corredores escuros, empoeirados, com lockers tombados e pichações antigas que falavam de revolta, amor e poder. As sombras projetadas pela lanterna da garota pareciam dançar entre os fantasmas da história.

    — Essa escola… — disse Yummi com uma voz baixa, nostálgica — …é um lugar sagrado e amaldiçoado ao mesmo tempo. Poucos sabem disso… mas essa foi a escola da Kira.

    Yoru parou de andar, o nome já pesando em sua mente como chumbo.

    — Aqui? Kira estudou aqui?

    Yummi assentiu, caminhando mais à frente.

    — Mais do que isso. Ela foi formada aqui. Criada, moldada… neste exato corredor. Cada canto desse colégio foi parte do projeto que Charles Choi arquitetou para criar a arma perfeita.

    Ela parou diante de uma grande porta dupla de madeira, com letreiros apagados que antes diziam “Auditório de Honra e Mérito”. O tempo apagou as letras, mas não a imponência.

    — Entre. — disse ela.

    Yoru empurrou as portas, que rangeram alto, revelando uma ampla sala coberta de poeira… e repleta de troféus.

    Era como um mausoléu de conquistas. Troféus de artes marciais, torneios de combate de rua, olimpíadas mentais, competições de estratégia. Medalhas, placas e faixas de honra. No centro da parede principal, havia uma enorme fotografia emoldurada: Kira, ainda adolescente, sorrindo com um uniforme escolar, segurando uma espada de madeira.

    A expressão dela era serena, firme… fria.

    Yoru se aproximou da foto, perplexo.

    — Ela… realmente foi criada pra ser perfeita?

    Yummi se encostou num velho pedestal e acendeu um cigarro, o brilho alaranjado do fogo iluminando seu rosto de feições cansadas, mas belas.

    — Charles queria algo que transcendesse o conceito de “gênio”. Ele queria uma ideia viva. Um ser que não questionasse, que agisse com precisão cirúrgica, que fosse uma lenda antes mesmo de ter rugido pela primeira vez.
    Kira foi isso. A execução mais perfeita de um plano doentio.

    Ela deu uma tragada longa, exalando lentamente a fumaça, observando os troféus como se fossem túmulos.

    — Mas… ele não contava que ela desenvolvesse vontade própria.

    Yoru ficou em silêncio, tentando processar aquilo. A história da Segunda Geração… a queda da Primeira… tudo girava em torno da Kira. Mas agora, mais do que nunca, ele percebia que Charles estava nas sombras o tempo inteiro.

    — E você? — perguntou ele. — Onde entra nisso tudo?

    Yummi lançou-lhe um olhar que mesclava ironia e uma espécie de compaixão amarga.

    — Nós dois… Yoru… somos peças no mesmo tabuleiro. — ela disse, caminhando em sua direção — Irmãos… por parte de pai.

    Yoru recuou um passo, como se tivesse levado um soco no estômago.

    — O quê?

    — Eu disse… irmãos.
    Filhos de um homem que escolheu viver à margem, mas deixou um rastro de sangue por onde passou.
    Mas… — ela completou, virando o rosto com um leve sorriso — …ainda não é hora de falar sobre ele.

    Yoru franziu o cenho, frustrado.

    — Então por que me dizer isso agora?

    — Porque você precisa entender quem você é, antes de entender o que está enfrentando.

    Ela voltou o olhar para a foto de Kira e disse:

    — A sua mãe… Mei… ela foi a única que olhou para mim com amor. Ela me tratou como uma filha, mesmo sabendo que eu era filha de outra. Era dura, sim. Mas era justa. Era o tipo de pessoa que enfrentaria um exército para proteger alguém.
    Ela era o oposto da Kira. Onde Kira obedecia sem questionar, Mei lutava contra o destino.

    Yoru apertou os punhos.

    — Então por que ninguém fala sobre ela? Por que tudo sobre minha mãe é tão… vazio?

    Yummi suspirou, sentando-se no chão empoeirado.

    — Porque Mei escolheu se apagar. Escolheu deixar que o mundo a esquecesse. Depois que ela perdeu alguém muito importante… ela sumiu. Não fisicamente, mas espiritualmente. Era como se a chama dela tivesse se apagado.

    — Quem ela perdeu? — perguntou Yoru, ansioso.

    Yummi encarou o vazio. Seu semblante ficou mais sombrio.

    — Um homem chamado Caprio.

    Yoru repetiu o nome, sem reconhecê-lo.

    — Ele era…?

    — Um símbolo. Um pacificador. Um monstro gentil que, sozinho, acabou com a Guerra dos Círculos — uma batalha interna que dividiu a Primeira Geração em ideologias, regiões e sangue.
    Caprio uniu todos… e por isso… foi morto.

    — Por quem?

    — Ninguém sabe ao certo. Mas dizem que foi uma ordem…
    de Charles.

    O silêncio preencheu a sala. A única coisa que se ouvia era o estalar do cigarro queimando entre os dedos de Yummi e a respiração pesada de Yoru.

    — E minha mãe?

    — Ela tentou impedir. Lutou. Chorou. Mas no final… o mundo era maior do que ela.

    Yoru sentiu os olhos arderem. A cada revelação, ele sentia a distância entre ele e a verdade aumentar, e não diminuir.

    — Por que você me contou tudo isso?

    Yummi se levantou e apagou o cigarro no chão.

    — Porque a guerra está voltando, Yoru.
    E, quando ela explodir, você vai precisar saber onde pisa… quem você é… e quem vai estar ao seu lado quando o sangue começar a escorrer pelas ruas de novo.

    Ela caminhou até a saída da sala, e antes de desaparecer, virou-se para ele com um olhar sério.

    — Você carrega o nome da Mei.
    Mas dentro de você… corre o sangue de um homem que o mundo inteiro teme.

    — E quem é ele?

    Yummi apenas sorriu, enigmática.

    — Quando chegar a hora… ele mesmo vai te procurar.

    E sumiu pela escuridão do corredor.

    Yoru ficou ali, parado, cercado por conquistas de uma lenda que nasceu de um experimento… confrontando o passado de uma mãe silenciosa… e sentindo o peso de um sangue que não pediu para carregar.

    O mundo estava prestes a ruir.
    E ele era a rachadura que dividiria as gerações.

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