Capítulo 209 - Uma possível batalha
O ar parecia denso, como se a tensão entre os presentes fosse uma substância física, capaz de ser tocada, cortada, engolida. O silêncio que pairava sobre a sala subterrânea da biblioteca não era de medo — era de conflito interno. Cada pensamento pesava toneladas.
Yoru ainda segurava a fotografia entre os dedos, como uma relíquia sagrada e enigmática. Seus olhos estavam cheios de fúria, mas também de algo muito mais perigoso: impulsividade. Ele estava decidido. Talvez até demais.
Foi então que Ben, encostado à parede com os braços cruzados, rompeu o silêncio com a voz grave e dura:
— Isso é loucura. Total. Ir até Akatsuki, tentar encarar o Charles cara a cara… você acha que a gente vai sair de lá de pé?
Todos se viraram para ele. O rapaz era calmo, mas direto — e não era de levantar a voz à toa.
Hiroshi, que estava sentado sobre uma pilha de livros, balançou a cabeça negativamente.
— Eu concordo com o Ben. A ideia de invadir um evento de alto nível, vigiado, cercado por segurança política, econômica e provavelmente… militar? Isso não é só arriscado, Yoru.
É suicídio.
Yoru respirou fundo, a mandíbula cerrada.
— Vocês acham que eu não sei disso?
— Não é sobre saber, Yoru. — Hiroshi rebateu, levantando-se — É sobre pensar antes de agir. Você não é só o garoto com sangue de guerreiro agora. Você tem aliados. Tem gente que se importa. Você quer vingança… ou quer mudar alguma coisa?
Yoru ficou em silêncio. As palavras cortaram fundo.
Foi então que Hajuki, um garoto mais novo, de inteligência afiada e fala calma, levantou uma ideia com sua voz ponderada:
— Talvez… o melhor a se fazer não seja agir agora.
Podemos usar esse evento pra observar.
Ver como Charles se comporta. Quem ele encontra. O que ele diz e o que ele não diz.
Se ele tá se expondo, é por um motivo.
Vamos coletar informações.
Não atacar.
A proposta caiu como uma brisa entre uma tempestade.
— Ainda é arriscado. — comentou Hayato.
— É. — Hajuki confirmou. — Mas é menos burro do que um ataque frontal.
A gente precisa aprender a jogar xadrez, não roleta russa.
Yoru finalmente relaxou os ombros, soltando o ar dos pulmões.
— Tá certo. Vamos observar… por enquanto.
— Que bom que alguém teve bom senso. — disse Ben, mais calmo.
— Por enquanto. — Yoru repetiu. — Mas não pensem que vou deixar isso quieto pra sempre.
Nesse momento, a porta da biblioteca se abriu com um estalo abrupto. Mia e Lee entraram correndo, ofegantes, os olhos arregalados.
— Vocês viram as notícias?! — Mia gritou, a voz trêmula.
— O quê? — perguntou Sophie.
Lee, com o celular na mão, mostrou a tela. Um vídeo em tempo real mostrava imagens aéreas de um incêndio colossal. Um prédio inteiro engolido pelas chamas, uma fumaça negra cobrindo o céu.
— É a… — Hayato começou, parando no meio da frase, incrédulo.
— É a Escola 35. — completou Mia, os olhos marejados. — Pegou fogo do nada.
Não foi um acidente.
Foram… chamas coordenadas.
O nome da escola caiu como uma maldição no ar. Todos congelaram.
Yoru apertou os punhos.
— Quantos…
— Os relatórios preliminares falam em 270 alunos mortos.
Mais de 40 funcionários também.
Tudo. E… os documentos históricos da escola. Destruídos.
Hiroshi gritou:
— Isso é terrorismo! Isso é assassinato em massa! COMO ninguém vai fazer nada?!
Leonard, pálido, falou com voz engasgada:
— A escola 35 era a mais antiga das 35 escolas. Talvez ela fosse a única que ainda tinha arquivos da transição entre a Primeira e a Segunda Geração…
Sophie baixou o olhar, e sussurrou:
— …e também a única com provas documentadas do envolvimento do Charles com a criação da Kira.
O silêncio foi absoluto.
E então, a cena muda.
[Sede da GHV – Sala de Reuniões Privada]
Um prédio majestoso, revestido em vidro e aço, como uma fortaleza da modernidade. No 47º andar, em uma sala silenciosa, apenas iluminada por painéis brancos e luzes indiretas, Charles Choi observava as imagens do incêndio em um telão.
Sua expressão era fria. Imperturbável.
Ao lado dele, seu advogado pessoal — Victor Liang — lia um relatório impresso.
— Senhor Choi. Operação concluída com êxito.
A Escola 35 foi destruída sem deixar resíduos digitais.
Os arquivos físicos foram carbonizados.
A detonação ocorreu no interior da ala de arquivos e, graças ao tempo de evacuação mínimo, conseguimos atingir a contagem de…
Victor olhou para baixo, hesitante.
— …270 estudantes mortos. 42 funcionários. Alguns corpos ainda estão sendo catalogados.
Charles permaneceu em silêncio. Então, após longos segundos, ele se recostou na poltrona executiva de couro e estalou os dedos, relaxado.
— Excelente.
Victor pigarreou.
— E quanto à repercussão?
— O incêndio será atribuído a falha elétrica. O discurso de amanhã no evento internacional será dedicado à “tragédia”. Vou chorar em frente às câmeras.
Mas… — ele sorriu. Um sorriso pequeno, frio, que gelava a espinha. — O importante é que os documentos foram apagados. O passado… desapareceu.
— Há rumores de movimentação da escola 25. Jovens investigando.
Charles bufou, quase com desprezo.
— Eles não passam de crianças curiosas brincando de revolucionários.
Não têm noção da escala que estamos lidando. A “Primeira Filiação” está mais perto do que nunca. E… quando acontecer… Eles não terão tempo nem de reagir.
O telão apagou.
A reunião acabou.
E Charles Choi se levantou como uma sombra engomada, ajustando os punhos da camisa de seda. Ele caminhou até a janela e observou Tóquio se estender como um reino sob seus pés.
— E pensar que tudo começou com uma única escola…
A raiva de Yoru era mais do que uma chama — era um incêndio emocional, pulsante, sufocante, consumindo cada pensamento, cada batida do coração.
Ele via o rosto de Charles Choi em cada tela, em cada pronunciamento público, com aquela postura cínica, a entonação cuidadosa, o olhar vazio.
Um homem que manipulava palavras como um maestro rege uma orquestra — apenas que, nesse caso, os instrumentos eram vidas humanas.
Enquanto a mídia lamentava, enquanto os políticos encenavam discursos de condolências, Yoru compreendia algo muito mais profundo, muito mais sombrio:
“Influência é a nova arma. O verdadeiro poder nunca entra em guerra — ele a controla de longe.”
O Charles era isso.
Ele não queimava coisas com as próprias mãos.
Ele ordenava incêndios com um simples gesto.
E agora, a Escola 35, palco silencioso de segredos, corpos e arquivos, havia virado cinzas.
270 alunos.
42 funcionários.
E todos os documentos que podiam comprovar o envolvimento de Charles nas fundações da nova geração.
Yoru se viu frente a frente com uma verdade insuportável:
“Você pode saber tudo. Você pode descobrir a origem de tudo.
Mas sem poder… você não pode fazer nada.”
Ele socou a parede de concreto do porão da escola até seus nós dos dedos sangrarem.
Até a dor física se tornar a única coisa que ainda o conectava com a realidade.
Os amigos o observavam de longe. Hayato, Hiroshi, Sophie… ninguém sabia o que dizer.
Era como ver um furacão colapsar em silêncio.
[Uma semana depois – Tóquio, Torre GHV – Sala de Observação Privada]
A luz era tênue. Uma tela transparente exibia mapas de movimentações, rostos em análise facial e registros criptografados.
Charles Choi estava sentado diante de um painel de dados, degustando um café negro, com a mesma tranquilidade de quem assiste ao nascer do sol.
Atrás dele, a figura elegante e fria de Yummi se aproximava, suas botas de couro ecoando pelo chão de mármore.
— Ele vai continuar. — disse ela, direta.
Charles não se virou.
— Claro que vai. Era esse o objetivo, não?
Yummi estreitou os olhos.
— Eu fiz como você pediu.
Entreguei pistas. Falei sobre a Gangue da Lua, sobre a mãe dele, sobre a escola… tudo cuidadosamente plantado.
Mas agora, ele não vai parar.
Yoru está quebrando por dentro. Você vê isso, não vê?
Charles sorriu. Um sorriso minúsculo, quase imperceptível.
— Exatamente como planejado.
Yummi andou mais alguns passos, o tom endurecendo.
— Mas por quê? Por que ele? Por que deixar ele se aproximar tanto da verdade? Por que não eliminá-los como os outros?
Você sempre foi calculista, Charles, sempre eliminou ameaças antes que crescessem. E agora está deixando o Yoru cavar mais fundo, com as próprias mãos. Você quer o quê? Transformá-lo em quê?
Charles, então, girou lentamente sua poltrona de couro e a encarou nos olhos.
— Você não entendeu ainda, Yummi?
Eu não quero matar Yoru Akemi.
Eu quero ver o que ele se torna.
Ela franziu o cenho.
— Você o está moldando…
— Estou testando. — Charles a interrompeu, calmamente. —
Ele tem sangue de dois mundos. A herança da Mei… e a dele.
Ele tem conexão com tudo que aconteceu e tudo que virá.
Ele é, por assim dizer, a ponte.
Yummi deu dois passos à frente.
— E se ele cruzar essa ponte e for direto contra você?
Charles respondeu com serenidade:
— Então, eu saberei que criei um sucessor à altura.
Yummi cerrou os dentes.
— Isso é cruel. Você está brincando com a psique dele. Está mexendo com memórias, identidades, sentimentos.
— Estou criando uma inevitabilidade. — Charles respondeu. —
Você acha que eu queimei a Escola 35 só para esconder documentos?
Aquela tragédia… plantou o desespero na geração dele.
Foi a faísca que vai reacender todos os conflitos.
E Yoru será o primeiro a explodir.
Yummi se calou por alguns segundos, depois murmurou:
— Você está colocando peças no tabuleiro que nem sabe se vão obedecer.
Charles sorriu outra vez. Desta vez, mais largo.
— É por isso que o jogo é divertido.
Ele se levantou, caminhando até a grande janela de vidro que revelava o skyline de Tóquio. As luzes da cidade vibravam como circuitos elétricos. Charles olhou para baixo, como um deus contemplando o mundo.
— A Primeira Filiação está chegando.
Os sobreviventes da Primeira Geração…
Os engenheiros da Segunda…
E agora… Talvez uma possível terceira geração. Tudo está alinhado.
Ele ergueu uma mão, tocando o vidro com os dedos, como se desenhasse o destino no ar.
— Quando a lua nova surgir novamente…
Esse mundo vai ser reescrito.
Yummi não respondeu.
Mas, em seus olhos… um lampejo.
Talvez medo.
Talvez dúvida.
Talvez… um começo de traição.
[ Casa do Yoru]
Yoru observava a foto da mãe novamente. A imagem dele em seus braços, o colar com o símbolo da lua, a irmã ao lado.
Mas agora, ele via algo que antes não havia notado.
No fundo da foto… em uma das janelas do prédio…
Um vulto.
Ele se levantou, ampliou a imagem digitalmente, aproximando.
E ali, escondido na sombra, havia alguém observando aquele momento.
Era Charles.
O sangue de Yoru gelou.
Ele olhou o reflexo no espelho, encarou a si mesmo.
— Então era isso… você sempre esteve lá…
E pela primeira vez, ele não chorou.
Não gritou.
Apenas sorriu.
Um sorriso perigoso.
O jogo estava apenas começando.
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