Capítulo 226 - A fúria de Wallace (2)
O som de goteiras ecoava nas colunas de concreto. O cheiro de graxa, gasolina e metal oxidado pairava pesado no ar. Luzes fluorescentes piscavam intermitentemente, lançando sombras longas e vibrantes entre os carros de luxo abandonados às pressas.
Wallace caminhava mancando, o corpo ferido, roupas rasgadas e sangue seco no canto da boca. Cada passo parecia arrastar o peso de um mundo. Mas seus olhos, ainda que vermelhos e cansados, ardiam em fúria pura.
À frente, entre um carro blindado e uma pilastra, dois homens o esperavam.
Eli Jang e o Samuel, ambos com uma aura absurda em volta deles
— Ora, ora… — disse Eli com um tom teatral. — Veio buscar sua princesinha? Chegou tarde, Wallace Eston.
Wallace respirou fundo. Sua visão começava a turvar nas laterais, pequenas manchas pretas dançavam diante de seus olhos.
— Onde… está… a Viviane? — disse, com a voz rouca, quase baixa demais para ser ouvida.
Eli suspirou teatralmente.
— Está em segurança. Talvez. Depende do que você chama de segurança… Mas vamos deixar isso pra depois. Olhe pra você. Um cão fiel, todo rasgado, todo sangrando… tudo por uma garota?
— Ela… — Wallace levantou a cabeça, cerrando os punhos. — …é a única razão pela qual vocês ainda respiram.
Samuel avançou um passo.
— Vamos ver se você ainda tem força pra me impedir, desgraçado!
Wallace tirou o casaco e o jogou no chão.
A corrente veio voando em linha reta. Ele desviou com um giro lateral, mas o movimento o fez cambalear — a dor na costela estava voltando. Mesmo assim, avançou como um relâmpago, aplicando um chute giratório na perna de Samuel, quebrando-lhe o equilíbrio, seguido de um soco no maxilar que o fez cair de joelhos.
Samuel tentou reagir, puxando a corrente no ar, mas Wallace agarrou o metal com a mão nua, mesmo com o ferimento abrindo na palma. Com a outra mão, acertou um gancho de direita direto no ouvido de Samuel, que desabou inconsciente.
Eli ficou parado, sorrindo.
— Impressionante. Você realmente superou todas as expectativas. Mas…
Wallace deu um passo. Sua visão oscilou.
— …está no fim da linha. — Eli completou.
Wallace caiu de joelhos, ofegante. As manchas pretas nos olhos cresceram. Estava perdendo o foco, perdendo o tempo.
— Me diga… onde ela está… Eli… — murmurou, cuspindo sangue.
Eli apenas se virou.
— Vá atrás dela… se puder levantar.
Ele desapareceu pelas escadas de serviço, deixando Wallace de joelhos, sozinho, vencendo a própria inconsciência.
…
As escadas eram mal iluminadas, cobertas de poeira e marcas de sangue recentes. O som de seus próprios passos ecoava ao redor. Yoru, com expressão fria, segurava os documentos que havia escondido no casaco. Estava em alerta. O ar ali embaixo era diferente. Pesado. Quase sufocante.
Ao dobrar a esquina da escadaria entre o quinto e o quarto andar, alguém o esperava.
Kion Gust.
Alto, pele clara, cabelos negros curtos e impecáveis. Terno cinza sob um sobretudo branco da unidade Águia Prata. Um homem elegante — e perigoso.
— Você é Yoru, não é? — disse ele calmamente.
Yoru parou. Ficaram frente a frente.
— Quem é você? — perguntou.
— Meu nome é Kion Gust, gerente da Águia Prata. Estou aqui para evitar que a verdade que você carrega… se espalhe.
Yoru franziu o cenho.
— Então vai me matar por um pedaço de papel?
Kion sorriu.
— Não é o papel. É a memória. Você não sabe o peso da sua linhagem, garoto. A Mei… tinha o mesmo olhar que você.
O nome atingiu Yoru como um raio.
— Você… conheceu minha mãe?
Kion assentiu levemente.
— Por um breve tempo. Ela foi… excepcional.
Por um instante, Yoru esqueceu da tensão. Seus olhos se encheram de algo raro: alegria genuína.
— Ela… ela era uma lutadora?
— Ela era muito mais que isso. Mas… saber disso agora não vai te salvar.
Yoru cerrou os punhos.
— Então… é uma pena. Eu queria te ouvir mais. Mas se está no meu caminho…
— …você vai cair. — completou Kion, retirando as luvas brancas lentamente.
O ar entre eles mudou completamente.
Kion pisou no chão e criou ao redor de si uma área circular invisível. Os olhos de Yoru se arregalaram.
— Isso é…
— Minha técnica inata: VP – Ponto Vital.
A aura de Kion se expandiu como uma esfera cinzenta. Dentro dela, cada movimento seu era calculado para atingir órgãos, nervos e tendões específicos. Uma ciência da morte em movimento.
Yoru avançou com velocidade, misturando estilos — capoeira, jiu-jitsu, taekwondo, aikido, krav maga. Seus ataques eram versáteis, imprevisíveis.
Mas Kion antecipava tudo.
Cada golpe era bloqueado, redirecionado, e respondido com um ataque preciso e fatal. Um toque no lado do pescoço de Yoru fez sua perna tremer. Um soco no flanco afetou seu equilíbrio interno. Um golpe na clavícula tirou o ar de seus pulmões.
— Ele… não está só lutando. Ele está me desmontando. — pensou Yoru, com o suor pingando.
Mas ele continuava.
Girou, chutou com o calcanhar, socou com a palma aberta, tentou imobilizações, usou o ambiente. Nada funcionava por completo.
Kion era como uma lâmina afiada. Cada golpe era silencioso, mas devastador.
No final, Yoru tentou um último ataque giratório, mas Kion desviou e atingiu o plexo solar, desligando o corpo do jovem guerreiro.
Yoru caiu de joelhos, tremendo.
— Você é talentoso — disse Kion, se afastando. — Mas ainda não entendeu que força sem técnica… é só instinto.
Yoru desabou. Inconsciente.
O corpo de Yoru jazia imóvel, largado como uma carcaça no canto das escadas. O chão frio tocava seu rosto, e o sangue seco marcava a lateral do pescoço. Mas, por dentro…
…a guerra estava apenas começando.
[Espaço Mental – Subconsciência de Yoru]
Escuridão.
Vozes distantes ecoavam como trovões abafados. Fragmentos de memória apareciam em flashes: o rosto da mãe sorrindo, o sangue escorrendo pelas escadas, os documentos secretos, a risada de Charles.
E então… um espelho.
Yoru olhava para si mesmo. Ou melhor, para aquilo que ele poderia ser.
Do outro lado, um reflexo idêntico, mas com os olhos completamente negros e íris brancas como neve. A expressão era neutra. Silenciosa. Inabalável.
— Eu… — Yoru tentou falar — …o que você é?
O reflexo sorriu sutilmente.
— Eu sou você… quando desiste de sentir.
— Quando cansa de apanhar, de hesitar, de pensar.
— Sou o subconsciente que você trancou.
— Agora, estou livre.
Yoru tentou lutar contra aquilo, mas era tarde. A sombra se fundiu com ele como um manto, e a consciência se apagou.
[Realidade]
O corpo de Yoru se ergueu lentamente, como se puxado por cordas invisíveis. A postura era reta, precisa, quase robótica. Seus olhos abriram — pretos como a morte, íris brancas incandescentes.
[Aviso! O usuário está inconsciente]
[Aviso! O usuário se levanta com uma força desconhecida]
[Auto]
Sem uma palavra, ele virou-se e encarou Kion Gust, que ainda observava seu corpo caído com certo respeito. Mas ao ver Yoru se erguer com aquele olhar vazio… algo mudou em sua expressão.
— O que… é isso? — Kion sussurrou.
Yoru avançou em silêncio absoluto.
Kion tentou ativar novamente sua técnica VP, expandindo sua aura de ponto vital. Mas, no instante em que se moveu, Yoru já estava em sua frente. Um soco. Apenas um.
Um único soco direto no peito.
O impacto reverberou como um trovão. O peito de Kion afundou por frações de milímetros, as costelas estalaram, e seu corpo foi lançado para trás, voando cinco metros e colidindo contra a parede, desabando em silêncio.
Sem olhar para trás, Yoru seguiu descendo.
[Garagem]
Wallace, com o corpo já castigado e a visão turva, encarava Eli Jang e Samuel.
O espaço ao redor estava devastado. Carros amassados, colunas trincadas, o cheiro de óleo e pólvora impregnava tudo.
Eli continuava calmo, como se não houvesse perigo algum. Samuel, por outro lado, batia os punhos com raiva.
— Ela não tá aqui, Wallace — disse Eli com um sorriso seco. — Vai morrer por nada.
— Mesmo que ela não esteja… eu vou matar vocês por tudo. — Wallace respondeu com voz rouca.
Samuel avançou primeiro, gritando como uma fera. Veio com a corrente girando sobre a cabeça. Wallace saltou para o lado, girou no chão com capoeira e acertou uma rasteira no calcanhar do inimigo, que caiu de lado. Ao mesmo tempo, Wallace girou de volta e desferiu um chute lateral na cabeça de Samuel, que estourou sangue pelo nariz.
Eli veio logo em seguida, sacando uma lâmina oculta debaixo do paletó. Seus golpes eram curtos, retos, treinados.
Wallace, mesmo ferido, mantinha os olhos fixos. Desviava com o mínimo, atacava com o máximo.
Ele agarrou o pulso de Eli durante uma estocada e o girou, quebrando-lhe o braço com um estalo seco.
— AAAAARGH! — Eli berrou.
Wallace então pegou Eli pela gola, deu três joelhadas seguidas no estômago, e o jogou contra o para-brisa de uma SUV blindada. O vidro trincou, mas não quebrou.
Mas Wallace caiu de joelhos. Suas forças o abandonavam aos poucos. O ombro estava deslocado, a respiração falhava. Ele estava prestes a apagar.
Foi quando ouviu passos.
Lentos. Frios. Precisos.
Ele se virou e viu algo que gelou seu sangue:
Yoru.
Mas não o Yoru que ele conhecia.
Era… outra coisa.
Yoru surgia da escuridão, carregando Viviane pelos cabelos. Ela estava desacordada, com o rosto machucado, os lábios entreabertos. Era visível que estava viva — mas fraca.
O Yoru se arrastava como se fosse apenas uma peça no jogo.
Wallace se levantou com dificuldade.
— Yoru…?
Yoru não respondeu. Seus olhos vazios fitaram Wallace como quem vê um obstáculo e não um amigo.
— …Você… está como daquela vez contra o Haruto — Wallace murmurou, com um aperto no peito.
Lágrimas brotaram em seus olhos, mas ele engoliu seco.
Sabia o que viria a seguir.
Ele precisava impedir Yoru de ferir Viviane — ou a si mesmo.
E dessa vez… não havia espaço para palavras.
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