Capítulo 228 - O sequestro de Yoru
O silêncio que pairava naquele andar era como uma sentença. A noite avançava, pintando o céu com tons escuros, rasgado apenas pelo brilho melancólico de uma lua cheia. O vento cortava entre os prédios de alto escalão, trazendo consigo o cheiro do concreto molhado e o eco longínquo de sirenes, muito abaixo. Tokyo dormia — mas ali em cima, o mundo estava prestes a ruir.
Yoru não disse uma palavra. Seus olhos estavam apagados, frios como vidro sem alma. Ele era um corpo em movimento — um algoritmo assassino — o reflexo de todas as técnicas que já presenciou e dominou. Seu rosto não demonstrava emoção alguma, como se sequer houvesse alguém ali. Era o modo automático. Frio. Letal. Perfeito.
Yue engoliu seco.
Ela era conhecida como uma das espadachins mais perigosas do Japão. Sua espada, Kisaragi, era feita de um aço lendário forjado por mestres esquecidos, afiada o suficiente para cortar o ar em linhas nítidas. Seus músculos, apesar do corpo esguio e elegante, eram tensionados como molas de aço. Sua aura? A de alguém que havia matado sem hesitar. Muitos. Com técnica. Com precisão.
E mesmo assim…
Diante daquele homem sem alma, ela sentiu o coração hesitar.
— …Você nem vai se defender? — murmurou Yue, a voz firme tentando esconder o receio. — Ou já aceitou que vai morrer?
Nada.
O som dos saltos finos de Yue ecoou no concreto quando ela avançou. Um passo. Dois. Três. O quarto passo foi falso — uma distração. No quinto, ela desapareceu. Um piscar.
E apareceu diante dele com uma estocada direta.
Sua lâmina cortou o ar como trovão engarrafado. Uma linha reta em direção ao pescoço de Yoru.
Mas ele já não estava mais ali.
Sem mover os pés, Yoru apenas inclinou o corpo. Centímetros. Precisos. A lâmina passou rente ao seu rosto, sem levar sequer um fio de cabelo.
Yue arregalou os olhos.
“Isso foi… reflexo?”
Antes que pudesse recuar, Yoru se moveu.
Não com pressa. Não com brutalidade. Mas com uma sinistra fluidez mecânica. Sua mão esquerda agarrou o punho de Yue com uma força silenciosa e, girando o corpo num eixo improvável, puxou-a com ele. O chão pareceu fugir sob os pés dela. O mundo girou.
E então ele a lançou contra uma parede lateral do terraço.
O impacto foi brutal. Uma nuvem de poeira se ergueu. Os olhos de Yue lacrimejaram com a dor que explodiu em suas costelas. Mesmo assim, ela rolou de volta ao centro, espada ainda firme nas mãos. Os joelhos tremiam.
— Esse… desgraçado…
Yoru caminhava. Um passo de cada vez. Silencioso. As mãos à frente, abertas. A postura dele não era ofensiva. Nem defensiva. Era neutra. Absoluta. Ele caminhava como se tudo à sua volta fosse previsível.
E de fato era.
Yue avançou mais uma vez. Desta vez, utilizando sua Postura da Lua Minguante, uma técnica de corte lateral com giro invertido. Um movimento que enganaria qualquer guerreiro comum.
Mas Yoru não era comum.
Ele abaixou-se suavemente, deslizando no concreto com os joelhos. A lâmina passou acima da sua cabeça. No movimento de subida, ele ergueu a perna com um chute giratório lateral, acertando o ombro da oponente. Yue cambaleou. Quase soltou a espada.
“Ele está… copiando meu estilo?” — pensou ela, sem conseguir esconder o pânico.
— ISSO NÃO É POSSÍVEL!
Gritou.
Mas ele não respondeu.
No próximo instante, Yoru aplicou o Estilo da Fênix Serrada, um estilo antigo que apenas os mestres da Vila Rasen conheciam. Era impossível ele saber dessa técnica. Mas ele sabia. Cada golpe, cada ângulo, cada respiração. A espada invisível em sua mente o guiava com uma precisão mortal.
Yue defendeu os primeiros cinco golpes, mas o sexto rompeu sua guarda. Ela voou para trás, escorregando pelo concreto áspero. Sangue escorreu pela sua bochecha. O ombro esquerdo estava deslocado. Ela respirava com dificuldade.
E mesmo assim… sorriu.
— Então é isso… — sussurrou, com sangue nos lábios. — Você é um espelho. Um reflexo do inferno que criaram.
Ela se levantou cambaleando. Suas mãos trêmulas seguravam a espada agora com as duas mãos. A lâmina estava coberta de cortes, rachaduras e o brilho de sua técnica se esvaía.
— Mas eu…
— EU NÃO VOU CAIR SEM LUTAR!
Ela liberou toda sua aura. Um campo de força invisível se ergueu ao redor dela. O teto acima dele tremeu, e rachou. O vento parou de soprar. A lua pareceu escurecer por um segundo.
Yoru parou.
A aura de Yue se condensou.
E então, ela executou um de seus golpes mais fortes em seu Arsenal: — Corte Celestial.
Um golpe que cortava a realidade em uma linha reta. Um ataque que transpassava matéria, tempo e lógica. A última técnica de seu clã.
Ela avançou. A lâmina rugiu. O chão se partia sob seus pés.
Mas Yoru…
Ele não se moveu.
E no exato momento do impacto — quando a espada rasgaria seu corpo ao meio — ele inclinou o corpo levemente. E com um movimento simples, uma palma aberta na direção do peito de Yue, ele interrompeu tudo.
A espada partiu-se.
Como vidro.
O impacto do golpe reverberou como um trovão invertido. Yue foi arremessada com tanta força que atravessou parte da parede do e caiu ajoelhada, arfando.
Sua espada se foi.
Seu orgulho, ferido.
Seus olhos… cheios de lágrimas.
— Por que… você não acaba comigo? — disse ela, encarando-o. — Por que não me mata logo… seu monstro?
Yoru não respondeu.
Ele apenas caminhou até ela. Ajoelhou-se à sua frente. O olhar ainda vazio. Mas algo… uma centelha… brilhou por um instante.
E ele estendeu a mão.
Não para matar.
Mas para ajudar.
Yue encarou aquela mão. Trêmula. Machucada. E sorriu, com lágrimas escorrendo pelo rosto sujo de sangue.
— Você ainda está aí, não está? — disse ela, com a voz falhando. — Mesmo nesse modo frio… Yoru…
O vento voltou a soprar.
E a lua brilhou de novo.
A poeira ainda dançava no ar. A noite, agora mais escura, parecia ter perdido sua própria luz.
Yue permanecia ajoelhado diante de Yoru. Imóvel. Silencioso. Uma estátua de carne e código. Seu “modo automático” ainda estava ativo, mas a precisão perfeita parecia… hesitante. Algo invisível oscilava dentro dele. O gesto de oferecer a mão — tão humano, tão absurdamente fora do esperado — ainda pairava no ar, suspenso como um pedido de paz impossível.
Yue olhou para aquela mão, e o sorriso desapareceu.
— Tch… então é assim que você quer jogar? — ela murmurou, sua voz agora sem calor.
Ela se levantou devagar. As pernas tremiam, mas a vontade em seus olhos era um furacão silencioso. O corpo dela sangrava, mas sua aura voltava a se condensar — não mais em torno da espada que havia se quebrado, mas em torno dela mesma.
Yue ergueu a mão direita.
— Espada… não é só metal.
Sua mão aberta estalou no ar.
— Espada… é intenção.
Ela fechou os dedos. Lentamente.
E então, uma espada invisível nasceu ali.
Era energia. Era vontade. Uma lâmina de pura técnica, sem fio físico, mas com presença. O ar à sua volta se contorcia, como se o universo rejeitasse o que ela fazia. E Yue, naquele momento, não era mais uma espadachim. Era a encarnação do corte.
Yoru olhou. Ainda mudo. Ainda sem reação.
Ela avançou. Apenas um passo.
E então cortou.
Nada brilhou. Nenhum som foi emitido. Mas o corte… aconteceu.
Uma linha fina e profunda surgiu no peito de Yoru. Em seguida, outra. E outra. Três cortes limpos, executados com precisão absoluta. Ele tentou reagir — seus braços se moveram, seu sistema automático emitiu comandos. Mas tudo estava atrasado.
Um segundo. Um suspiro.
Yoru caiu de joelhos.
O chão abaixo dele rachou. A poeira se ergueu de novo. Seus olhos, antes vidrados, começaram a apagar. A última fagulha de atividade desapareceu como uma chama sufocada.
Yue o segurou antes de ele desabar completamente.
— Você perdeu.
Ela sussurrou.
[Minutos depois]
E, sem cerimônia, sem hesitar, o jogou sobre o ombro.
Hayato ficou sem reação e as juntas estavam brancas de tanta força.
Ben mantinha a cabeça baixa. Um cigarro aceso na mão, mas sem puxar uma tragada sequer.
Sophie olhava para o chão, sem piscar. Lágrimas silenciosas desciam, sem que ela percebesse.
Ash, encostado na parede, tremia levemente. Seus olhos estavam arregalados, como se tivessem acabado de ver algo que jamais deveriam ver.
Samuel mordeu o próprio lábio até sangrar. Seus punhos cerrados deixavam marcas nas palmas.
Sophie murmurou:
— Isso… não faz sentido… O Yoru… perdeu?
Eli Jang, em sua cadeira, não dizia nada. O olhar firme, como se estivesse tentando prever os próximos dez passos de um jogo que já não era mais jogado por humanos.
Viviane foi a única a dar um passo à frente. Sua expressão, uma mistura de fúria e desespero.
— Por que ela levou ele? — gritou, encarando todos. — POR QUÊ?!
Hiroshi respondeu com um tom mais baixo, quase frio:
— Isso… era inevitável. Desde o momento em que Charles apareceu… tudo estava escrito.
Viviane o encarou:
— O que você quer dizer com isso?
Hiroshi respirou fundo.
— Yue… nunca foi uma agente livre. Ela é uma peça. Assim como todos nós. E quem está jogando… não somos nós. É Charles.
Ben finalmente falou:
— Aquele desgraçado… ele armou isso tudo, não foi?
Samuel assentiu. Com pesar.
— Sim. Ele queria mostrar que nenhum de nós tem controle. Nem mesmo o Yoru, com todo seu poder… era mais que uma variável no tabuleiro dele.
Hayato socou a mesa com força. O som reverberou como uma bomba.
— Se ele acha que vai sair impune…
— Ele não acha, Hayato. — disse Eli, com a voz calma. — Ele sabe.
Todos se viraram para o velho estrategista.
— Charles é o arquiteto. Nada foge ao seu alcance. Se Yue sequestrou Yoru, foi porque ele permitiu. Se Yoru perdeu… é porque ele queria que víssemos. Que sentíssemos. Que temêssemos.
Sophie gritou:
— ENTÃO O QUE A GENTE FAZ? FICA AQUI ESPERANDO O PRÓXIMO A CAIR?
Silêncio.
Ash respirou fundo.
— A gente se prepara.
Wallace balançou a cabeça.
— Para quê?
Ash olhou para todos.
— Para a guerra. Porque o jogo acabou. Agora, começa o massacre.
…
Enquanto isso, em algum lugar escondido — longe de olhos, longe de aliados — Yue colocava o corpo de Yoru sobre uma mesa metálica dentro de um quarto escuro, iluminado apenas por uma luz fria de laboratório. O som de máquinas pulsava no fundo. Cabos. Telas. Um cenário que mais parecia saído de uma distopia cibernética.
Yoru ainda inconsciente.
Ela se sentou ao lado dele. Tirou as luvas. E falou pela primeira vez, com voz suave:
— Você foi… impressionante.
Acariciou a lateral do rosto dele, como uma mãe faria com o filho.
— Mas agora… você vai entender. Você vai ver o mundo com outros olhos.
E então ela se virou.
Uma tela piscou. Uma chamada em espera. Um número codificado.
Yue atendeu.
— Já está feito.
A voz na outra ponta era grave. Elegante. Gelada como vidro.
— Excelente trabalho, Yue.
— Ele está vulnerável. Não por muito tempo. Se quisermos quebrar a mente, o tempo é agora.
A resposta veio rápida:
— Não o quebre. Ensine-o.
Yue franziu o cenho.
— Ensinar o quê?
Do outro lado, a voz respondeu:
— Ensinar… a me obedecer.
A ligação caiu.
E o nome que piscou brevemente na tela, antes de apagar, foi um só:
CHARLES.
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