Capítulo 234 - Treino do Hayato
O vento que soprava no alto da colina carregava um salgado aroma do mar, misturando-se ao leve perfume de incenso que escapava do templo. Hayato ainda estava ajoelhado diante de Aiko Yamamoto, sentindo o peso das palavras dela ecoar na mente. Ele estava pronto para insistir mais uma vez, quando algo inesperado aconteceu.
Aiko, ainda com a garrafa de saquê na mão, o observou em silêncio por alguns segundos. Então, um sutil sorriso surgiu em seus lábios. Não era um sorriso caloroso — era algo calculado, como se estivesse avaliando uma peça rara.
— Levante-se. — disse ela, virando-se para o lado. — Venha comigo.
Hayato se ergueu, o corpo ainda cansado da subida dos 19 mil degraus, mas um impulso interno o fez acompanhar sem hesitar. Enquanto caminhavam pelo pátio de pedra, os passos de Aiko eram lentos, firmes, e cada movimento exalava confiança. Ele percebeu que, apesar do saquê na mão, sua postura era impecável, e a energia que ela transmitia era quase sufocante.
— Sabe… — começou ela, sem olhar para ele — você me lembra alguns idiotas da minha geração. Todos cheios de convicção, prontos para desafiar qualquer coisa, como se o mundo fosse um ringue sem regras.
O caminho levou até um espaço aberto atrás do templo. Lá, erguia-se um sino gigantesco, com mais de dez metros de altura. A superfície de aço refletia a luz do fim de tarde, e as cordas usadas para tocá-lo estavam grossas e gastas.
Aiko parou diante dele, girando levemente a garrafa de saquê antes de tomar um gole. O som metálico da bebida batendo no vidro ecoou baixo.
— Você sabe o que é ser um delinquente, garoto? — perguntou ela.
Hayato hesitou, tentando encontrar a resposta certa.
— É… ser alguém que não segue regras… que enfrenta tudo de frente…
Aiko riu, mas não de forma debochada — era um riso curto, como se confirmasse algo que já sabia.
— Errado e certo ao mesmo tempo. Ser um delinquente… é viver sabendo que cada dia pode ser o último. É atrair perigo para si apenas por existir. Você não precisa procurar briga. Ela vem até você. Amigos? Poucos. Inimigos? Centenas. — Ela deu mais um gole e continuou: — E o mais irônico é que os que sobrevivem… raramente vivem muito depois disso.
O vento bateu mais forte, agitando alguns fios soltos de seu cabelo preso no coque.
— Mesmo que eu aceite te treinar… não vou te considerar um discípulo. — Ela o encarou, e o olhar dela parecia atravessá-lo. — Vou trabalhar apenas a sua força. Não vou ensinar o meu Thunder Boxing. Não tenho interesse em passar isso para ninguém.
Hayato sentiu um aperto no peito, mas não recuou.
— Se for só isso… ainda aceito.
Aiko se aproximou do sino, pousou o saquê no chão com cuidado e deu dois passos para trás. Sua postura mudou de forma sutil, como se cada músculo tivesse sido realinhado. O ar ao redor pareceu ficar mais denso, e Hayato, instintivamente, prendeu a respiração.
Em um movimento quase imperceptível, ela girou o quadril e lançou o braço à frente. O som veio antes da compreensão: um estrondo seco, acompanhado de um impacto que reverberou pelo chão. O sino… rachou. Não apenas rachou — explodiu em fragmentos, estilhaçando o aço como se fosse vidro, espalhando pedaços pelo pátio.
O barulho ecoou pela mata como um trovão, assustando pássaros que voaram em bando. Hayato ficou imóvel, a boca entreaberta, tentando processar o que acabara de ver.
Aiko estendeu o braço e pegou novamente a garrafa, bebendo calmamente como se nada tivesse acontecido.
— Isso é força, garoto. Força de verdade. — Ela o olhou de cima a baixo. — Quer chegar perto disso? Vai ter que sangrar, suar e perder muito mais do que já perdeu.
Hayato, ainda atônito, assentiu.
— Eu… farei o que for preciso.
— Ótimo. — Ela apontou para o pátio e as áreas ao redor. — Sua primeira missão é simples: limpar tudo. Quero o templo brilhando, sem uma folha fora do lugar. Vai cortar mato, varrer, lavar as pedras… tudo.
— É sério? — ele perguntou, surpreso.
— É claro. — Ela sorriu de canto. — Se você não consegue cuidar de onde pisa, nunca vai aguentar lutar por onde vive.
Hayato respirou fundo.
— Eu aceito.
— Boa resposta. — disse ela, virando-se para entrar no templo. — Quando terminar, talvez eu comece a me importar com o seu treino.
Enquanto Aiko desaparecia pela porta, o eco do golpe dela ainda pulsava na mente de Hayato. Ele olhou para os fragmentos do sino espalhados pelo chão e percebeu que aquela jornada não seria apenas sobre força física — seria sobre resistir a cada teste, mesmo quando parecessem insignificantes.
E, pela primeira vez desde que chegara a Okinawa, ele sentiu que estava exatamente onde precisava estar.
…
O som distante de um galo ecoou em algum ponto da encosta, quebrando a quietude da madrugada. O céu ainda não havia decidido se vestiria de laranja ou cinza, e a brisa fria da manhã carregava um cheiro levemente úmido de terra e vegetação recém-regada pelo orvalho. O templo onde Aiko vivia ficava isolado no alto de uma longa escadaria, rodeado por árvores antigas e grossas, cujos galhos se entrelaçavam como guardiões silenciosos.
Hayato estava de pé desde as 5 da manhã, mesmo que seu corpo ainda reclamasse da noite anterior. O sono pesado e as dores musculares se misturavam, mas a ansiedade queimava como uma fogueira em seu peito — era o seu primeiro dia sob a orientação daquela mulher.
— Certo… vamos começar… — murmurou para si, pegando uma vassoura de bambu que estava encostada na parede lateral do templo.
O chão de pedra estava coberto por folhas secas e pétalas caídas das cerejeiras que cercavam o local. A cada varrida, o som das cerdas arrastando-se contra a pedra ecoava de forma hipnótica. Ele passava pelos cantos, recolhia restos de galhos, limpava o musgo das extremidades das escadas e ajeitava pequenos detalhes que qualquer outra pessoa provavelmente ignoraria.
Enquanto trabalhava, seus pensamentos se misturavam com expectativas.
“Será que ela vai me ensinar algum golpe especial? Alguma técnica secreta? Ou vai começar me batendo até eu não aguentar mais?…”
O coração dele acelerava só de imaginar.
Por volta das 6 da manhã, passos leves e precisos soaram sobre o tatame da varanda. Aiko, ainda vestindo o mesmo kimono simples, surgiu como uma sombra silenciosa. Os cabelos negros, soltos e levemente bagunçados pelo vento, contrastavam com a expressão fria de seu rosto.
Ela cruzou os braços e ficou apenas observando Hayato, sem dizer uma única palavra no início. Seus olhos analisavam cada detalhe: o modo como ele segurava a vassoura, o ritmo dos movimentos, a postura inclinada.
“Ele não está apenas limpando…” — pensou. — “Está pondo energia nisso… ele está realmente levando a sério.”
— Você acordou cedo — disse ela, finalmente quebrando o silêncio, sua voz carregando uma calma enigmática.
Hayato interrompeu o movimento por um segundo, olhou para ela e sorriu de leve, mesmo suando.
— Bom dia. Eu… não queria perder tempo. Se vamos treinar, eu quero estar pronto.
Ela não respondeu de imediato. Apenas desceu da varanda e caminhou até o jardim, parando ao lado dele. Os olhos dela então se fixaram nas mãos dele enquanto ele cortava o excesso das plantas ao redor.
— Você sabe o que é velocidade? — perguntou de repente, sem qualquer introdução lógica.
Hayato piscou, confuso com a pergunta repentina.
— Hã… correr rápido? Mover-se mais rápido que o inimigo?
Aiko deu um leve sorriso quase imperceptível e balançou a cabeça.
— Não. Isso é apenas o reflexo do corpo. Velocidade de verdade não é medida em metros por segundo. É algo… diferente.
Ela se agachou, pegando uma folha caída, e deixou-a cair novamente.
— Velocidade é a capacidade de agir no momento exato, não antes, não depois. É… estar onde precisa estar no instante inevitável. Pode correr o quanto quiser, mas se não souber o momento de agir, você será lento.
Hayato parou de aparar as plantas, tentando processar aquilo.
— Eu… acho que entendi.
— Não, não entendeu — ela retrucou, olhando para ele de lado. — Isso não é algo que se entende apenas ouvindo. É algo que você vive. O problema é que todos pensam que velocidade é se mover mais depressa, quando, na verdade, é se mover quando o mundo ainda nem percebeu que você começou a agir.
Ele franziu a testa.
— Isso… é meio abstrato demais.
— É para ser — respondeu Aiko, voltando a cruzar os braços. — Você ainda é muito bruto para entender. Mas se continuar… talvez um dia perceba.
O resto da limpeza foi silencioso. Hayato terminou de varrer, de recolher as folhas e de alinhar o jardim com uma precisão quase obsessiva. O suor escorria pelo rosto, mas havia um certo orgulho em ver o templo ganhando vida.
Quando ele deu o último toque, Aiko se aproximou lentamente, examinando o resultado como uma avaliadora exigente. Então, apontou para a longa escadaria que ligava o templo à base da montanha.
— Desça e suba… vinte vezes.
Hayato olhou para ela como se não tivesse ouvido direito.
— Vinte… vezes?!
— Sim. E não me venha com pausas dramáticas. Quero que desça e suba correndo. Cada vez mais rápido. Quando terminar, podemos falar sobre treino.
Ele respirou fundo, já sentindo as pernas queimarem só de imaginar.
— Isso… vai ser um inferno.
Aiko deu um sorriso frio.
— Bem-vindo ao inferno, Hayato.
E assim, ele começou a descer. O som de seus passos ecoava pelas pedras, enquanto a neblina da manhã se dissipava lentamente. Lá em cima, Aiko apenas o observava, avaliando não apenas seu esforço físico, mas algo mais profundo — a determinação que ardia dentro dele como uma chama teimosa, capaz de romper barreiras invisíveis.
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