Capítulo 237 - A força de um punho
A noite em Tokyo estava coberta por um manto pesado de nuvens, ocultando a lua como se a própria cidade não quisesse testemunhar o que viria a seguir.
No topo de um arranha-céu, um salão envidraçado com vista para as luzes distantes da metrópole exalava poder e ameaça. Charles, de terno impecavelmente alinhado, recostava-se em sua cadeira giratória de couro, um copo de uísque importado na mão.
À sua frente, um mapa holográfico projetava os territórios das gangues da cidade — cada área marcada por cores vibrantes, como se fossem peças de um tabuleiro que ele estava prestes a reorganizar.
Com um movimento lento, Charles arrastou o dedo sobre duas zonas específicas: o território de Gondon e a Rua 12.
— Eles pensam que podem morder a mão que alimenta… — sua voz saiu baixa, quase um sussurro, mas carregada de veneno.
À sua direita, um dos seus homens de confiança, conhecido apenas como Kael, inclinou-se para ouvir.
— E o senhor deseja esmagá-los de forma direta ou… mais artística?
— Artística — Charles sorriu de canto. — Primeiro, vamos isolá-los. Nenhuma entrega de armas. Nenhum contato com fornecedores. Cortem toda a linha de comunicação.
— E quando estiverem sufocados?
— Nós os apagamos… da história.
Charles pousou o copo, inclinando-se sobre a mesa. Seus olhos brilhavam com um cálculo frio.
— Quero Gondon implorando de joelhos. E a Rua 12… ah, eles nem terão tempo de entender que já perderam.
Do outro lado da sala, outro capanga entrou apressado, respirando fundo.
— Senhor, as crianças de Ōtsu continuam se movimentando na cidade.
Charles ergueu o olhar, afiado.
— Deixe-as por enquanto… mas prepare alguém para observá-las. Se interferirem nos meus negócios, o destino delas será o mesmo de quem ousa se colocar no meu caminho.
—
Hina – O Silêncio que Dói
Enquanto Charles orquestrava sua guerra silenciosa, em um pequeno apartamento modesto, Hina encarava o vazio.
A cama desarrumada ainda tinha o perfume distante de Yoru, uma lembrança cruel que a fazia apertar o lençol com força.
O relógio na parede marcava 23h17, mas para ela, o tempo parecia não avançar.
Sentou-se na beirada da cama, o olhar perdido. As memórias invadiam sua mente: o sorriso de Yoru, suas provocações, o jeito despreocupado… e, acima de tudo, o calor da presença dele.
Agora, só havia um frio insuportável.
— Eu preciso vê-lo… — murmurou para si mesma, a voz embargada. — Não importa como…
Bateu à porta. Hina, ainda imersa em seus pensamentos, demorou a reagir. Ao abrir, encontrou Eyvina parada no corredor, segurando duas latas de chá gelado.
— Eu… trouxe algo pra você. — Eyvina falou, a voz um pouco hesitante.
Hina franziu a testa, surpresa. — Eyvina? Você… nunca veio aqui.
— É, eu sei… Mas você não anda aparecendo na escola e… achei que precisasse de companhia.
As duas sentaram-se à mesa pequena. O clima era estranho, quase pesado.
Hina abriu a lata, mas não bebeu.
— Eu sei que você gosta dele. — Sua voz saiu seca, mas não acusatória.
Eyvina suspirou, apoiando o cotovelo na mesa.
— Sim. Mas isso não importa agora. Ele está em perigo. E, gostando ou não, você é a pessoa que ele escolheu estar. Eu não vou virar as costas pra isso.
Hina desviou o olhar, sentindo um aperto no peito.
— Você não precisa fazer isso…
— Preciso sim. — Eyvina sorriu de forma suave, mas triste. — Porque, mesmo que eu queira estar no lugar dele, eu sei que, no fim, é você que o faria lutar mais do que qualquer um.
O silêncio se prolongou, mas dessa vez não era incômodo.
Era… um começo.
De volta ao prédio principal da GHV, Charles observava, de seu escritório iluminado por luzes douradas, a chuva começar a cair sobre Tokyo.
No mapa holográfico, pequenos pontos vermelhos piscavam — rastreadores colocados nas rotas de Gondon e Rua 12.
— Amanhã… começamos o cerco — disse, mais para si mesmo do que para seus homens.
Ele sabia que não se tratava apenas de território ou poder.
Era sobre enviar uma mensagem.
Uma mensagem clara: ninguém desafiava Charles e saía vivo para contar a história.
…
O céu estava encoberto por um manto espesso de nuvens cinzentas, como se a própria cidade se preparasse para testemunhar dias de instabilidade. Dentro da sala de reuniões da escola 25, Hiroshi observava as ruas abaixo, os carros passando, as conversas fragmentadas das pessoas comuns, alheias ao jogo silencioso e letal que se desenrolava nas sombras.
Ele não conseguia ficar parado.
O pensamento martelava sua mente como um tambor de guerra:
“Se o Charles continuar crescendo… não vai ter quem segure.”
Hiroshi estava encostado na mureta de concreto, braços cruzados, o corpo rígido. A respiração pesada se condensava no ar frio. Seus olhos, semicerrados, não se fixavam em nada específico; parecia olhar através das ruas, enxergando apenas cenários futuros — todos ruins.
Foi nesse instante que passos leves se aproximaram. Nathan surgiu, com o sobretudo batendo nas pernas, o colar prateado oscilando no peito. Ele vinha com aquele ar tranquilo de quem sabe que precisa acalmar um amigo à beira de uma crise.
— Você tá com uma cara péssima, Hiroshi. — Nathan falou, parando ao lado dele. — O que foi agora?
— O que foi agora? — Hiroshi soltou um riso seco, quase incrédulo. — Você não tá vendo? Charles tá ganhando mais espaço, mais influência… mais visão. A cidade já tá comentando o nome dele em todo canto. É questão de tempo até ele consolidar tudo.
Nathan respirou fundo, apoiando os cotovelos na mureta.
— E o que você quer fazer? Se desesperar antes da hora?
— Não é desespero, Nathan… é realidade. — Hiroshi respondeu, a voz baixa, mas carregada. — A gente já viu isso antes. Um cara sobe, engole todo mundo que acha que pode bater de frente, e quando percebe… ninguém mais tem força pra derrubar. Eu não vou ficar parado esperando que isso aconteça.
Nathan o encarou com um olhar firme, mas sereno.
— Então planeja. Mas com calma. Se você entrar nisso de cabeça quente, o Charles vai te esmagar antes mesmo de saber que você existe.
Hiroshi desviou o olhar, encarando novamente o horizonte poluído.
— Eu vou precisar de todo mundo. Você, eu, os caras de confiança… e talvez até alguns que a gente não gosta. — Ele disse, quase como se pensasse alto. — Se a gente não unir forças agora, depois vai ser impossível.
Nathan assentiu lentamente
.
— Beleza. Mas promete uma coisa: não deixa o medo guiar teus passos. Medo é bom pra manter a gente vivo… mas se dominar, vira corrente.
O silêncio caiu entre os dois por alguns segundos. Só o som distante de sirenes e o vento cortante preenchiam o ar.
Enquanto isso, no outro lado da cidade, o clima era completamente diferente.
O apartamento de Kira estava silencioso, exceto pelo leve zumbido do secador de cabelo ligado. Ela estava sentada diante de um grande espelho oval, iluminado por lâmpadas circulares que banhavam seu rosto de uma luz suave e cálida.
Seu cabelo branco — longo, sedoso e quase luminoso — caía como uma cascata sobre seus ombros. Com gestos delicados, ela penteava as mechas, observando cada detalhe do reflexo. Não havia vaidade exagerada naquele momento; era quase meditativo.
Seus olhos, de um tom cinza claro quase prateado, pareciam carregar um peso silencioso.
“As peças estão se movendo… rápido demais.”
Ela largou o secador sobre a penteadeira e, com uma calma calculada, começou a trançar uma pequena mecha lateral. A cada movimento, lembranças e projeções do futuro se misturavam.
— Charles… — ela murmurou sozinha, com um leve sorriso que não chegava aos olhos. — Você acha que tá no auge… mas talvez esses sejam seus últimos dias.
Kira apoiou o queixo sobre a mão e ficou alguns segundos imóvel, apenas observando a si mesma. Ela não falava com arrogância; era como se estivesse constatando uma inevitabilidade que só ela conseguia enxergar.
Se levantando, caminhou lentamente até a varanda, onde o vento frio invadiu o ambiente. A cidade se estendia à sua frente como um tabuleiro imenso e caótico. Luzes piscavam, buzinas ecoavam, e lá embaixo, cada figura parecia seguir sua própria rotina banal — sem saber que, em breve, um abalo de proporções históricas estava prestes a acontecer.
Ela segurou o corrimão de metal e fechou os olhos por um momento.
“A geração vai dar um salto. Os fracos vão ser esquecidos. E os fortes… os fortes vão decidir como o amanhã vai ser.”
Quando abriu os olhos novamente, havia neles um brilho que misturava determinação e frieza.
Kira sabia que, para o mundo mudar, sangue teria que ser derramado. E não importava se seria o de Charles… ou de quem se colocasse no caminho.
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