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    Eu costumava achar que era um gênio, mas agora, olhando pra trás, é tão constrangedor que sinto que posso enlouquecer. Ainda assim, o fato é: eu realmente acreditava que era um gênio.

    No começo, eu tinha talento suficiente pra sustentar essa crença equivocada. Na infância, aprender coisas novas era fácil, e eu melhorava minhas habilidades mais rápido do que os outros.

    Mas as coisas só foram fáceis no início. Embora eu tenha avançado mais rápido no começo, quando a coisa ficou séria, acabei desacelerando até me igualar aos demais.

    No início, não liguei muito, achei que era normal. Afinal, eu ainda estava melhorando, pouco a pouco. Eu ainda consigo. Por quê? Porque eu sou um gênio.

    No fim, fui forçado a aceitar a realidade que tanto tentei rejeitar.

    Eu não era um gênio.

    Foi graças a ter conhecido um ‘verdadeiro’ gênio, alguém com quem eu nem podia me comparar, que finalmente fui arrancado daquela ilusão ridícula e infantil.

    O eu que se achava um gênio não passava de um sapo num poço. Aconchegado no conforto do meu mundinho, me embriaguei com uma falsa sensação de superioridade. Enquanto isso, os verdadeiros gênios já estavam voando no céu aberto.

    Eu odiava aquele gênio.

    Sentia minha intenção assassina crescer sempre que ouvia ele vomitar aquele papo de que qualquer um poderia conseguir o que ele conseguiu se apenas tentasse de verdade. Não importava se ele acreditava mesmo naquilo ou se só estava menosprezando o esforço de alguém menos talentoso. De qualquer jeito, aquilo me fazia sentir um merda.

    — Tá com inveja?

    Foda-se a inveja. Foi você quem começou a falar merda primeiro. Eu só respondi. E agora sou eu que tô com inveja?

    — Não achei que você fosse levar assim. Eu só… senti pena de você.

    Pena? O quê?

    — Se você apenas se esforçasse um pouco mais…

    E o que é que você sabe pra achar que tem moral pra dar sermão sobre esforço?

    — Você poderia ser muito melhor do que é agora.

    Eu tô indo muito bem, valeu. O problema é que os seus padrões são altos pra caralho. Você realmente acha que todo mundo pode ser como você? Só porque é um gênio, não presume que os outros conseguem fazer o que você faz.

    Entendeu?

    Eu não posso ser tão bom quanto você.


    — Vai se foder.

    Mal consegui soltar essas palavras. Havia um buraco escancarado atravessando meu peito. Estavam tentando tratar o ferimento, desesperados, lançando feitiços e derramando gotas daquele elixir precioso, mas era inútil.

    — Não, por favor, não.

    Ela tá chorando? Nunca achei que uma garota como ela faria esse tipo de expressão por minha causa. Mesmo com todas as nossas brigas, e aquele olhar azedo que ela sempre fazia quando falava comigo, acho que ela acabou se apegando um pouco às nossas discussões.

    — Por isso… por isso que eu te falei. Era só voltar. Por que você teve que ser tão teimoso e continuar seguindo a gente…?

    — Sienna. Por enquanto, guarda isso.

    Minha voz não saía como eu queria. Devia ser por causa de todo o sangue subindo pela garganta.

    — Eu não preciso do elixir. Vocês não têm o bastante pra desperdiçar um aqui. Não sejam tolos.

    — Mas…!

    — Já chega. Ninguém conhece meu corpo melhor do que eu. Não tem chance de eu sobreviver. Vou morrer logo.

    Eu estava morrendo.

    Já tinha aceitado isso antes mesmo de meu peito ser perfurado. Desde o começo, meu corpo estava tão destruído que devia parecer uma missão suicida. Eles tinham mandado eu voltar e esperar, mas ignorei todas as preocupações e sermões deles pra seguir até aqui.

    — …Eu podia ter evitado isso.

    A voz dele era fria como sempre. Filho da puta. Parece que vai ser um pé no saco até o fim.

    — Então não havia necessidade de você fazer isso.

    — Já não mandei você se foder?

    Mesmo com tanta dificuldade pra falar, por que esse desgraçado continua me enchendo?

    — Você também devia saber disso.

    A expressão dele mostrava que simplesmente não entendia. E talvez estivesse certo. Mesmo que pros outros aquilo parecesse uma crise desesperadora, pra ele provavelmente nem parecia tão perigoso assim.

    Eu não sabia disso? É claro que sabia. A gente viajou junto por tempo demais. Eu sabia muito bem o tipo de monstro indescritível que ele era. E entre todos que o chamavam de monstro, ninguém conhecia tão bem suas habilidades quanto eu.

    — …Não havia necessidade de você morrer assim.

    E de que outra forma eu devia morrer? Ele devia saber também. O quanto foi um milagre eu ter chegado até aqui. Sem ele, eu nunca teria conseguido.

    — …Pelo menos assim, é uma morte honrada. — Foi difícil fazer a voz sair, mas eu precisava dizer isso — Eu só seria um peso se continuasse com vocês, mas também não queria voltar atrás.

    E eu não queria tentar viver uma vida comum com esse meu corpo aleijado.

    — Já que você é tão talentoso, realmente não precisava que eu te cobrisse, né?

    Mesmo sabendo disso, ainda joguei meu corpo na frente. Um corpo que já nem conseguia se mover direito, mas que, por um instante, se mexeu exatamente como eu quis. Graças a isso, consegui empurrar esse bastardo detestável pra fora do caminho, e acabei com esse buraco enorme no peito.

    — …Tô cansado agora, então vai logo.

    Aos poucos, tava ficando ainda mais difícil falar. Parecia que minha própria voz vinha de longe, e, mais distante ainda, eu ouvia o som de choro. Meu corpo tava tão pesado que eu não conseguia nem mexer um dedo. Tudo à minha frente estava escurecendo.

    — Valeu.

    Nos meus últimos momentos, ouvi a voz dele. Desgraçado, se era pra dizer isso, por que não falou antes? Mesmo assim, me senti bem. Afinal, foi a primeira vez que ouvi ele me agradecer.

    — Waaahhhhh.

    Que porra é essa.

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