Índice de Capítulo

    Nada havia acontecido.

    — …

    De fato, absolutamente nada havia acontecido. Embora Eugene esperasse algum tipo de punição por ter deixado Cyan, um descendente da linha principal, naquele estado… o anexo permanecia em completa paz, como se o duelo com Cyan jamais tivesse ocorrido.

    Francamente, embora nada que pudesse ser chamado de incidente real tivesse acontecido, não era como se não houvesse nenhuma mudança. Após o duelo, os olhares dos criados do anexo haviam mudado. Agora estavam cautelosos quanto ao humor de Eugene, e também não demonstravam pressa em se aproximar.

    Provavelmente não queriam ser pegos no meio de alguma retaliação junto com ele.

    — Você está bem com isso? — Eugene perguntou, olhando para Nina.

    Sua primeira noite no anexo havia passado, e agora era manhã do dia seguinte. Quando Eugene e Nina chegaram ao refeitório do primeiro andar, viram que eram os únicos presentes. Ainda assim, uma grande variedade de pratos havia sido posta sobre a mesa.

    — Posso perguntar o que o senhor quer dizer com isso? — indagou Nina.

    — Com me acompanhar — disse Eugene, cortando grosseiramente um pedaço de carne para si.

    Os pedaços de carne eram grandes demais para uma refeição matinal. A única coisa que Eugene realmente havia pedido entre todos os alimentos era a carne. Se não se alimentasse bem, apesar de forçar o corpo vigorosamente, tanto sua resistência quanto, claro, sua condição física acabariam caindo.

    — …Hm… — Nina não teve pressa em responder.

    Enquanto hesitava, Eugene empurrou a carne cortada para dentro da boca usando a faca.

    — …Não é como se eu não soubesse da situação… mas não posso fazer nada quanto a isso. Por isso, enquanto o Mestre Eugene estiver nesta propriedade, continuarei servindo como sua assistente pessoal.

    — Você não precisa demonstrar lealdade a alguém que vai embora em, no máximo, um mês. Afinal, você ainda precisa continuar trabalhando aqui depois que eu for embora, não é?

    — …Não é tudo por lealdade. O mordomo-chefe desta propriedade me designou como atendente pessoal do Mestre Eugene, e quem provavelmente deu essa ordem a ele foi a Segunda Senhora.

    Nina sorriu amargamente e balançou a cabeça.

    — Se eu negligenciasse minhas obrigações para tentar evitar problemas, isso significaria, indiretamente, desobedecer às ordens da Segunda Senhora. Por isso, mais ainda, devo agir conforme a situação e continuar servindo ao Mestre Eugene.

    — Você é esperta — elogiou Eugene com um sorriso, empurrando o prato vazio para o lado.

    Em seguida, pegou uma coxa de cordeiro tão grossa quanto seus próprios antebraços.

    — Quando disse que não era só por lealdade, isso quer dizer que você é ao menos um pouco leal a mim, certo? — comentou Eugene.

    — …Mesmo que temporariamente, o senhor ainda é meu mestre — disse Nina.

    — Então, eu também não tenho escolha a não ser agir como um mestre de verdade. Se algo que eu fizer acabar lhe trazendo algum aborrecimento, não guarde isso pra si. Fale comigo na hora.

    — …Hã?

    — Que foi esse ‘hã’? Você teve o azar de ser designada como minha criada pessoal, e eu também não tive sorte de ser designado com uma criada como você. Então, o mínimo que podemos fazer é manter o clima limpo entre nós.

    — M-Mas…

    — Chega. A partir de agora, não deve questionar nenhuma das minhas ordens. Apenas obedeça. Entendido?

    — …Sim.

    — Então vá buscar umas toalhas úmidas — sem dizer mais nada, Eugene começou a devorar a coxa de cordeiro com os dentes.

    Nina ficou momentaneamente paralisada com a cena, mas assentiu e começou a recuar.

    — …Acredito que toalhas apenas possam ser insuficientes, então voltarei trazendo uma bacia completa — disse Nina, com sensatez.

    — Isso sim é o que gosto de ver, alguém que pensa por conta própria — disse Eugene com um sorriso, mesmo enquanto mastigava um naco de carne. — Ah, e já que vai passar pela cozinha, deixe um recado para o chef. Diga que aumente a proporção de carne em relação ao resto no almoço e, em vez de ficar tentando enfeitar os pratos com técnicas refinadas, é melhor apenas garantir que sirva mais carne magra.

    — Sim.

    Enquanto se retirava com educação, Nina lançou um olhar à mesa. Aquilo queria dizer que ele pretendia mesmo comer tudo sozinho?

    Claro que Eugene comeu tudo. Desde sua vida anterior, nunca fora exigente com comida e sabia apreciar todos os tipos de pratos.

    “Eu já comi até monstros e demônios.”

    Depois de remover um pedaço de carne preso entre os dentes, Eugene lavou as mãos na bacia. Então, enquanto acariciava o estômago cheio, deixou a mesa. Nina o seguiu com passos apressados.

    — Você ouviu dizer se alguém vai chegar hoje? — Eugene perguntou.

    — Peço desculpas, mas ninguém me informou nada — respondeu Nina.

    — Então vá descobrir. Estarei no ginásio se precisar de mim.

    — Sim. No entanto, por favor, considere… o senhor acabou de comer. Temo que, se começar a se exercitar logo em seguida, acabe sentindo dores no estômago…

    — Agradeço pela preocupação, mas é desnecessária. Meu estômago não dói nem se eu sair correndo logo após uma refeição.

    Nina tinha um corpo comum e achava impossível compreender tal constituição. Mesmo assim, retirou-se em silêncio, sem fazer mais perguntas.

    Eugene não havia mentido para ela. Desde pequeno, seu corpo jamais sofrera com doenças duradouras. Mesmo as palmas das mãos, que haviam se rasgado ao empunhar a lança no dia anterior, agora estavam completamente curadas, sem um único arranhão.

    “Esse corpo é mesmo uma injustiça.”

    Pensando bem, até em sua vida anterior, Vermouth quase nunca precisara usar magia de cura ou poções. Embora fosse raro se ferir, quando isso acontecia, seu corpo se curava sozinho.

    Graças a isso, a magia de cura de Anise e Sienna era quase sempre usada exclusivamente para curar Molon e Hamel.

    — A razão de você se machucar toda hora é porque vive correndo na frente sem pensar!

    — Ei, aquele idiota do Molon que avançou primeiro!

    — Ele faz isso porque é um imbecil. E por que você fica copiando um imbecil? É burro também?

    — Porra, então era pra eu deixar aquele desgraçado ser espancado pelos monstros? Por que você tá brigando comigo!?

    — Ai, chega de discutir. Olha pro Vermouth. Por que você não luta com mais cuidado, como ele, sem ficar se machucando?

    — Se quer parar a briga, por que continua falando merda?

    Sempre que voltava cheio de ferimentos, Sienna caía em cima de Hamel. Mesmo depois de treze anos desde a reencarnação… as memórias da vida passada não haviam se apagado nem um pouco. Permaneciam tão claras quanto antes.

    “…Fizeram um funeral pro Vermouth depois que ele morreu, mas não sei se os outros três ainda estão vivos ou não.”

    A Sábia Sienna, que deteve o cargo de Mestre da Torre de Magia por mais tempo na história do Reino Mágico de Aroth, desapareceu de repente cerca de duzentos anos atrás. Ninguém sabia seu paradeiro desde então.

    Até mesmo a Fiel Anise, reverenciada como santa pelo Império Sagrado de Yuras, afastou-se de suas funções no Templo Central em seus últimos anos e partiu numa peregrinação solitária. Nem mesmo o Papa do Império conseguiu arrancar dela o destino dessa jornada.

    Quanto ao idiota do Molon, primeiro rei do Reino do Norte de Ruhar, esse ainda estava por aí, felizmente. Ou melhor, ‘ainda estava por aí’ significava que havia sido visto pela última vez cerca de cem anos atrás… Após abdicar do trono, passou a viver uma vida tranquila. A última aparição registrada dele foi na comemoração do centenário de fundação de seu reino.

    “Por mais que eu pense, não consigo imaginar nenhum deles morrendo de forma pacífica, mas…”

    Mas pensar nisso era inútil.

    Porque Vermouth, aquele que parecia ser o menos provável de morrer… havia morrido há mais de duzentos anos.

    Com um gosto amargo subindo à boca, Eugene balançou a cabeça para espantar os pensamentos.

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