Capítulo 101: Os Leões Negros (2/9)
— …E quanto ao Hamel?
— Por que você tá falando do Estúpido Hamel agora?
— Não sei, é só que… sinto que ele também é uma grande figura digna de respeito.
— Por que eu deveria respeitar ele?! Vai lá, para qualquer pessoa na rua e pergunta! Entre o Grande Vermouth, a Sábia Sienna e o Estúpido Hamel, se pedir pra escolherem quem mais respeitam, desde que não sejam uns exibidos mentirosos, ninguém vai dizer que respeita o Hamel!
— …Cof… — Lovellian soltou uma tosse baixa ao ouvir o surto de Melkith. As palavras de Gilead, dizendo que Hamel era o seu favorito, passaram por sua mente, e o Mestre da Torre Vermelha falou com certa hesitação: — …Hã-hãm… Eugene, se você realmente não tem interesse por um cajado, então—
Melkith o interrompeu:
— Ei, você aí, não fala besteira e fica quieto.
Ignorando-a, Lovellian continuou:
— Entre os artefatos coletados pela Mestra da Torre Branca, há um que é extremamente raro e precioso.
— Eu disse pra calar a boca! — Melkith gritou. Como se algo respondesse ao seu grito, seus cabelos cacheados começaram a se erguer enquanto uma corrente elétrica passava por eles.
— É estritamente proibido cometer qualquer ato de violência dentro de Akron — Lovellian a lembrou.
Melkith o ameaçou:
— Desde que você não fique falando besteira, eu não preciso fazer nada violento…!
— Que besteira? — Lovellian se defendeu. — Só vou dar um conselho ao Eugene para que ele possa tomar uma decisão bem-informada.
— Eu também tô curioso pra ouvir o que ele tem a dizer — Eugene falou com um sorriso.
Eugene também queria ver Melkith invocar o Rei dos Espíritos do Vento, Tempest. Mas se ainda por cima conseguisse colocar as mãos em um tesouro raro, aí sim ficaria radiante.
Lovellian começou:
— Bem… existe um artefato chamado Manto das Trevas…
— Eu disse pra calar a boca! — Melkith repetiu mais uma vez.
— Por que está tão exaltada? Até onde sei, você nem usou o Manto das Trevas uma única vez nesses últimos dez anos.
— Você… Sabe pelo que passei pra conseguir aquele manto?
— Não é melhor emprestá-lo a alguém que realmente precise e conseguir o que quer em troca, em vez de deixar o manto parado servindo só como peça decorativa?
Mais uma vez, Melkith ficou sem palavras. Enterrou os dedos nos próprios cabelos flutuantes, tomada por uma angústia frustrada.
— O que exatamente é o Manto das Trevas? — Eugene perguntou, curioso.
— …É só um manto de inverno. Como ele é todo forrado, é bem quentinho… S-só isso mesmo — Melkith gaguejou, desviando do assunto real, mas Lovellian foi gentil o bastante para explicar em detalhes.
— Você conhece o Escudo de Gedon que está guardado no cofre de tesouros dos Lionheart, certo? — Lovellian confirmou. — Embora não esteja exatamente no mesmo nível, o manto consegue fazer algo parecido. Se você direcionar um ataque frontal para dentro do manto, pode redirecioná-lo de volta na direção que quiser.
— N-Não é tão versátil assim — Melkith tentou minimizar, desesperada. — Tecnicamente, ele depende de um ricochete, não de um reflexo. Se você não calcular corretamente as coordenadas espaciais e guiar a trajetória do ataque com mana, não vai conseguir redirecionar o ataque pra onde quer.
— De qualquer forma, ele utiliza magia espacial de altíssimo nível. Talvez você não consiga dominá-lo imediatamente, mas com o seu talento, Eugene, acredito que logo conseguirá usá-lo — assegurou Lovellian.
— Você…! Você, por que continua soltando essas asneiras? Acha mesmo que o Manto das Trevas é algo que se pega assim, tão fácil?! — Os ombros de Melkith tremiam, subindo e descendo com força.
— E isso nem é tudo que ele pode fazer — Lovellian prosseguiu, ignorando mais esse surto de Melkith. — A superfície externa do manto também é encantada com feitiços defensivos de alto nível. Só de vesti-lo, você consegue bloquear com facilidade um feitiço ofensivo do Quinto Círculo.
— …Mas isso também depende da sua própria mana — Melkith acrescentou, emburrada.
— No geral, é um artefato muito prático. E, Eugene, você ainda gosta de usar diferentes tipos de armas? — Lovellian perguntou, sem dar sinal de que tinha ouvido Melkith.
O Mestre Mago se lembrou da Cerimônia de Continuação da Linhagem que havia assistido alguns anos atrás. Embora o Eugene atual empunhasse apenas Wynnyd, naquela ocasião ele havia manejado com habilidade tanto um escudo quanto uma espada ao mesmo tempo. Além disso, Lovellian tinha ouvido de Gilead que Eugene também era muito bom com lanças.
Eugene tentou soar modesto:
— Bom, não é como se eu usasse várias armas só por diversão. Mas, se eu tiver à disposição, vou usar. Só estou com Wynnyd agora porque é incômodo carregar várias armas.
— Haha! Nesse caso, você vai adorar o Manto das Trevas. Ele também tem magia de subespaço de altíssimo nível embutida. Não tem nada de complicado. Basta colocar algumas coisas dentro do manto… e então você pode tirá-las sempre que precisar — revelou Lovellian de forma dramática.
— Esse filho da…! — Melkith xingou, lançando um olhar desesperado para Lovellian.
— Isso parece ótimo — Eugene assentiu com um sorriso largo. — Vamos trocar pelo Manto das Trevas em vez de um cajado. Ah, mas não agora. Ainda preciso pedir permissão à família principal.
— E-Eu ainda não concordei com isso — Melkith cuspiu, tomada por desespero.
No entanto, quem tinha mais a perder por não fechar o acordo era Melkith, não Eugene. Ou ao menos, era assim que ela sentia. Nem mesmo em sonhos, Melkith poderia imaginar que Eugene estava extremamente ansioso para conversar com Tempest mais uma vez.
— Se você não quiser, então paciência — Eugene deu de ombros, indiferente. — De qualquer forma, usei demais o cérebro lá em cima, então agora estou morrendo de fome… Mestre Mago Lovellian, se não for incômodo, gostaria de fazer uma refeição comigo? Podemos conversar sobre o que preciso fazer como seu discípulo.
Lovellian aceitou o convite:
— Por mim, tudo bem. Embora não seja tão perto daqui, conheço um ótimo restaurante suspenso no céu, em uma das plataformas flutuantes. A comida é deliciosa, mas a vista noturna pelas janelas é ainda melhor que a comida.
— Uau. Pensando bem, ainda não vi a vista noturna que dizem ser uma das Joias da Coroa de Aroth.
— Nesse caso, perfeito! Deixe-me chamar uma carruagem aérea imediatamente.
Ignorando Melkith, Eugene e Lovellian foram se conhecendo melhor enquanto trocavam conversa fiada. Melkith só observava a cena com um olhar furioso, mas então rangeu os dentes e abaixou a cabeça em rendição.
— …T-tá bom, entendi — Melkith admitiu a derrota a contragosto.
— Ah, você ainda estava aqui? — Eugene perguntou com surpresa.
Era mesmo o que aparentava: um pirralho atrevido. Enquanto Melkith o fulminava com os olhos, cerrou os punhos.
Melkith lutou para pronunciar as palavras:
— …O Manto das Trevas…! Se é isso que você quer, eu… eu vou te emprestar.
— Não precisa se apressar. Já disse que preciso pedir permissão à família principal, não disse?
Ao ouvir a resposta de Eugene, balançando a cabeça, Melkith não conseguiu mais se conter e começou a soltar gritos estridentes de raiva:
— Kyaaaaaah! Kiyaaaaah! Ukyaaaaah!
— Dá até pra pensar que você é um corvo… — disse Eugene, balançando a cabeça com pena enquanto se afastava dela.
Assim como Eugene havia previsto, Gilead não fez objeções quanto ao empréstimo de Wynnyd.
No entanto, ele impôs algumas condições. Em hipótese alguma Wynnyd poderia ser danificada durante o período de empréstimo, e um observador da família Lionheart seria designado para acompanhar Melkith enquanto estivesse com Wynnyd.
— Um observador? — Melkith perguntou.
Tendo ido visitá-lo logo cedo, poucos dias após sua última conversa, o rosto de Melkith não parecia nada bom. Talvez por conta do estresse acumulado nos últimos dias, as olheiras sob seus olhos estavam bem profundas.
Melkith continuou:
— O Patriarca virá pessoalmente?
— Não — Eugene respondeu.
— Então quem virá? É aquele sujeito, o irmão mais novo do Patriarca, Gion Lionheart?
— Como você sabe disso?
— O Patriarca da família principal dos Lionheart não seria tão despreocupado a ponto de ser convocado pra cá e pra lá por qualquer motivo. Já que foi chamado a Aroth recentemente por causa daquele filho inútil… seria ridículo que voltasse por causa disso — Melkith resmungou enquanto desabotoava a gola de seu manto.
— Esse é o Manto das Trevas? — Eugene perguntou, apontando para o manto que Melkith vestia.
Ela havia dito que ele era quente por ser forrado de pelos, e era exatamente assim que o manto parecia.
— …Legal, né? — Melkith se gabou, com sentimentos mistos.
— Acho que ficaria mais legal se eu o usasse do que quando a Mestre Maga Melkith o usa — Eugene provocou.
— Sempre achei você um pirralho irritante, mas isso é…!
— Não fique tão brava. Já que estamos fazendo negócios, não seria melhor se todos estivessem sorrindo?
— Cala essa boca. E então, quando é que o irmão do Patriarca vai chegar?
— Disseram que seria por volta do meio-dia de hoje… mas o Sir Gion não virá sozinho.
— Quem mais vem junto?
Melkith estreitou os olhos enquanto alisava cuidadosamente o pelo do manto.
— Os Guardiões da família Lionheart também virão com ele — Eugene respondeu com um clique na língua. — Essa é a primeira vez que um tesouro da família principal será emprestado, e eles também vêm para averiguar… o caso do Eward… meu irmão mais velho.
— …Os Guardiões? — Os olhos estreitos de Melkith relaxaram levemente enquanto ela tentava se lembrar do termo. Após um breve momento de reflexão, Melkith sorriu e assentiu. — Ah, é verdade. Você está falando dos Cães de Caça da família Lionheart, certo?
Chamando-os de Cães de Caça, embora os Guardiões certamente não gostassem desse rótulo, a opinião de Eugene sobre eles não era muito diferente da de Melkith.
Os Guardiões dos Mandamentos da Família, os Leões Negros da família Lionheart.
Embora esse fosse o nome oficial, sua função não era diferente da de cães de caça.
Se uma criança de um ramo colateral que ainda não tivesse participado da Cerimônia de Continuação da Linhagem ousasse treinar mana ou empunhar uma espada de verdade, ou se a Fórmula da Chama Branca, que era para ser aprendida apenas pelos membros da família principal, fosse ensinada a um descendente colateral, os Guardiões apareciam para aplicar o julgamento por tal transgressão.
“E quanto à magia negra”, Eugene se lembrou.
A prática da magia negra era estritamente proibida pelos mandamentos da família Lionheart. Embora Eward não tivesse conseguido de fato praticá-la, era verdade que havia tentado começar a aprender magia negra.
Por isso, os Guardiões haviam decidido visitar Aroth para investigar a situação de perto.
Gion Lionheart, o irmão mais novo do Patriarca e ainda solteiro, era um membro dos Leões Negros da família Lionheart.
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