Capítulo 102: Os Leões Negros (3/9)
O atual Patriarca da família principal dos Lionheart tinha dois irmãos mais novos.
A relação entre os três irmãos era tranquila, e o filho mais velho, Gilead, havia ascendido à posição de Patriarca sem precisar derramar sequer uma gota de sangue. Além da simples prioridade de primogenitura, as habilidades de Gilead na época também superavam as dos irmãos.
E os dois irmãos mais novos de Gilead nunca demonstraram muito interesse na posição de Patriarca. O segundo filho, Gilford Lionheart, cujas habilidades eram inferiores às de ambos os irmãos, havia desistido cedo da disputa pela sucessão e passou a buscar sua própria felicidade.
Do que Eugene se lembrava, Gilford Lionheart era um homem de meia-idade com uma barriga um pouco saliente, embora não tanto quanto a de Gerhard. Segundo os rumores, ele havia aprontado bastante quando jovem, mas… embora os dois não tivessem se conhecido muito bem, Gilford não pareceu ser uma pessoa ruim aos olhos de Eugene. Gilford deixara a propriedade principal no início daquele ano e estabelecera seu próprio lar em uma propriedade campestre tranquila e isolada.
Ao contrário de Gilead e Gilford, Gion Lionheart nunca se casou, nem desejava se casar. Eugene havia perguntado diretamente a Gion sobre isso alguns anos antes.
— Casamento? Claro, é algo admirável e bonito. Mas se eu quisesse me casar e ter filhos, teria que deixar a família principal antes de qualquer um dos meus filhos completar cinco anos. Eu odiaria ter que fazer isso. E com minha personalidade, não acho que seria um bom pai.
Gion tinha uma personalidade livre. Estava sempre rindo com os cavaleiros que serviam a família principal e seu trato com os criados nunca era autoritário. Demonstrava paixão em ensinar Ciel e Cyan e até mesmo reduziu seu tempo livre para treinar os cavaleiros.
Em especial, Gion sempre foi muito gentil com Eugene. Durante os quatro anos que Eugene passou na propriedade principal, Gion o havia instruído pessoalmente junto de Gilead. Pelo menos enquanto esteve ali, Eugene nunca foi discriminado por ser um filho adotado de um ramo colateral.
Aos olhos de Eugene, tudo isso fazia de Gion alguém bastante singular.
Suas habilidades marciais também eram notáveis. O próprio Patriarca, Gilead, respeitava as habilidades de Gion. Diferente de Gilead, que não pôde manter o foco em seu treinamento depois de se tornar Patriarca, Gion havia se dedicado completamente ao treinamento enquanto vagava pelo continente. Por conta disso, no momento, as habilidades de Gion haviam superado as de Gilead.
Dito isso, Gion jamais cogitou se rebelar contra Gilead. Ele jamais se desviaria de seu papel como ‘irmão mais novo do Patriarca’.
Um ano atrás, houve um período em que Gion esteve ausente da propriedade principal por vários meses. Quando retornou, o brasão pessoal da família Lionheart que ele ostentava no lado esquerdo de sua veste formal estava ligeiramente diferente.
Havia se transformado no brasão de um leão negro, com presas expostas e garras à mostra.
Isso indicava que Gion havia se tornado oficialmente membro dos Cavaleiros do Leão Negro, os Guardiões da família Lionheart.
Na verdade, isso não era incomum. Desde que alguém possuísse habilidades excepcionais e lealdade comprovada ao clã, qualquer membro da família Lionheart podia se candidatar aos Cavaleiros do Leão Negro. Os Cavaleiros do Leão Negro eram mais fortes e afiados do que os Cavaleiros do Leão Branco, compostos pelos cavaleiros que serviam diretamente à família principal.
“Embora essa seja a primeira vez que os verei pessoalmente.”
O horário do meio-dia, o horário marcado para a chegada deles, se aproximava. Eugene sentia uma leve excitação ao conferir o tempo. Embora tivesse vivido quatro anos na propriedade principal, nunca havia visto um único membro dos Cavaleiros do Leão Negro durante todo esse tempo.
Os Cavaleiros do Leão Branco, pertencentes à linha direta dos Lionheart, juravam lealdade exclusivamente à família principal. Já os Cavaleiros do Leão Negro não juravam fidelidade à família principal, e sim ao nome ‘Lionheart’ como um todo.
A força diretora por trás dos Cavaleiros do Leão Negro era o Conselho dos Anciãos, um grupo composto pelas figuras lendárias que deixaram seus nomes marcados na história do clã Lionheart, independentemente de sua linhagem ser direta ou colateral. Nem mesmo o atual Patriarca, Gilead, estava em pé de igualdade com os Anciãos do Conselho.
“Ainda não é hora”, pensou Eugene, impaciente.
Ele não podia deixar de se interessar pelos Cavaleiros do Leão Negro.
Passara quatro anos na propriedade principal. Gilead era forte, e Gion também. Ambos eram fortes o bastante para serem reconhecidos onde quer que estivessem no continente.
Os Cavaleiros do Leão Branco da família principal também eram fortes. Mesmo entre as diversas ordens de cavaleiros do continente, estavam entre as mais poderosas. Mesmo em comparação com as ordens da cavalaria do Império de Kiehl, embora talvez perdessem em número, não perdiam em qualidade.
Mas só isso não era suficiente.
Vermouth havia sido o homem mais forte de toda a história da humanidade. Foi por isso que recebeu o título de Herói e liderou a força de subjugação que buscava matar todos os Reis Demônio. Nem os elfos, com sua longevidade, nem os dragões, tidos como mestres da magia, conseguiram matar um Rei Demônio.
No entanto, Vermouth matou três dos Reis Demônio. Eugene tinha plena consciência disso.
Molon, Anise, Sienna e… Hamel, todos eram fortes. No entanto, sem Vermouth, teria sido impossível matar um Rei Demônio.
Vermouth, que Hamel viu, acompanhou, e que residia nas memórias de Eugene, era tão poderoso que nem parecia humano.
“É por isso que ainda não é suficiente.”
Eugene se levantou com um clique decepcionado da língua. Embora Gilead e Gion fossem fortes, assim como os Cavaleiros do Leão Branco, não era o bastante para se dizerem verdadeiros sucessores de Vermouth.
Se esse era o caso, e os Cavaleiros do Leão Negro? Sem distinguir entre linhagem direta e colateral, aceitando apenas os membros mais excepcionais e leais do clã que carregavam o nome Lionheart”, quão forte seria uma ordem como essa? E o Conselho que dava suporte aos Cavaleiros do Leão Negro? Quão poderosos eram?
“Aqueles velhos que se recolheram nos bastidores… não pode ser só pra dar espaço aos outros, certo?”
Gilead não gostava das tradições da linha direta. É claro que havia a Cerimônia de Continuação da Linhagem, mas existiam outras tradições que serviam para suprimir absolutamente os ramos colaterais.
No entanto, a força do Patriarca sozinha não era suficiente para mudar tradições que já duravam mais de trezentos anos. Tanto o Conselho quanto os Cavaleiros do Leão Negro faziam parte dos Guardiões dos Mandamentos da Família que mantinham as regras do clã Lionheart acima de tudo.
E, como guardiões, era exigido deles o nível de força adequado para cumprir tal papel.
Eugene não havia planejado que tudo isso acontecesse, mas estava empolgado por finalmente se envolver com os Cavaleiros do Leão Negro.
Uma carruagem aérea gigantesca, exibindo um esplendor magnífico, pousou diante da Torre Vermelha da Magia.
— Estão mesmo querendo se mostrar — Melkith zombou.
Ela não gostava de estar naquela posição, especialmente quando a outra parte nem sequer era uma figura de alto escalão de Aroth. Se não fosse por causa de Wynnyd, Melkith com certeza não estaria ali, esperando respeitosamente para recepcionar aqueles convidados.
Eugene a lembrou:
— Você não disse que respeita Sir Vermouth, o ancestral da família Lionheart?
— Garoto, não coloca palavras na minha boca — Melkith o corrigiu. — Quem eu respeito é o Grande Vermouth, não o fundador da família Lionheart.
— Ué, mas não são praticamente a mesma pessoa?
— É diferente. Eu não gosto da família Lionheart. Não gosto de como a família principal reprime os ramos colaterais, nem de como o Conselho e os Cavaleiros do Leão Negro fazem esse teatrinho cheio de segredos.
— Mas, por ora, seria melhor esconder essa atitude — Lovellian lembrou Melkith.
Diferente dela, a expressão de Lovellian era calma.
Enquanto observava a carruagem aterrissando, ele continuou:
— Se você realmente quer pegar Wynnyd emprestado, é melhor evitar fazer qualquer coisa que possa ofendê-los.
— Você está mesmo me pedindo pra agir toda educadinha? — Melkith questionou. — Se alguém te ouvisse agora, poderia achar que não estou negociando em pé de igualdade. Eu… com meu tão estimado e adorado Manto das Trevas, estou fazendo uma troca por Wynnyd!
Foi a vez de Eugene corrigi-la:
— Isso não é exatamente uma troca. Estamos só emprestando um ao outro. E você lembra que combinamos um dia por um ano, né?
Melkith rangeu os dentes, furiosa.
Mas, apesar da expressão que fazia, ela não estava realmente com raiva. Embora naquele dia em Akron ela realmente tivesse ficado furiosa, a ponto de gritar como um corvo, quando voltou para a Torre Branca da Magia, abraçada ao Manto das Trevas… conseguiu se acalmar e pensar com racionalidade.
“Duvido que vá levar um dia inteiro. Provavelmente só algumas horas, no máximo meio dia”, pensou Melkith, otimista.
Ela confiava em sua afinidade com os espíritos. E já que também teria consigo o poderoso catalisador da Espada Tempestuosa Wynnyd, não havia razão para não conseguir invocar o Rei dos Espíritos do Vento.
“Isso significa que vou emprestar o manto só por alguns meses, no máximo. Posso aguentar isso”, assegurou-se Melkith.
Em troca da chance de firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento, algo que desejava desde a juventude, ela estaria apenas emprestando o Manto das Trevas por alguns meses. Por mais que pensasse sobre isso, não era um ótimo negócio? Claro que Melkith tomou cuidado para não demonstrar essa alegria abertamente.
“Se eu mostrar o que tô sentindo à toa, aquele pirralho pode tentar mudar os termos do acordo.”
Embora tivessem se conhecido havia apenas alguns dias, Melkith já havia percebido que Eugene era astuto, desagradável e teimoso como um pitbull.
A porta da carruagem aérea finalmente se abriu. Para uma carruagem tão espaçosa, havia apenas cinco passageiros, e a primeira pessoa a descer foi—
— O que você tá fazendo aqui? — Eugene perguntou.
Era Ciel.
— O aniversário da minha mãe está chegando — disse Ciel, como explicação.
Como só fazia alguns meses desde o último encontro dos dois, a aparência de Ciel não poderia ter mudado muito. No entanto, ao vê-la com um vestido formal de corte elegante e o cabelo preso de um jeito que ele nunca havia visto durante o tempo que viveram juntos na propriedade principal, ela lhe pareceu um pouco diferente.
— Por isso vim escolher alguns presentes pra ela. Também queria ver como você estava — respondeu Ciel com uma expressão seca, sem nenhum traço de diversão.
Dizendo isso, ela estreitou os olhos, esperando alguma reação de Eugene. No entanto, ele não pareceu tão surpreso ou incomodado quanto ela esperava.
— Ah, é mesmo? — ele perguntou.
E só isso. Ciel franziu a testa, mas em vez de continuar bloqueando a porta, deu um passo para o lado.
Logo depois de Ciel, Gion foi o próximo a sair. Assim como da última vez que Eugene o vira, o brasão dos Cavaleiros do Leão Negro estava bordado no lado esquerdo do peito de sua túnica. Assim que viu Eugene, Gion sorriu animado e acenou com a mão.
— Não faz nem tanto tempo assim desde que vocês se viram pela última vez pra estarem tão felizes com o reencontro — comentou o homem de meia-idade que saiu da carruagem logo em seguida, dando um tapinha no ombro de Gion.
— Pode até ser, mas o que eu posso fazer se fico feliz de ver o Eugene assim? — Gion respondeu com bom humor.
— Vai ter tempo suficiente pra isso depois, então vamos focar nos assuntos importantes por enquanto — o homem aconselhou.
Embora não soubesse quem ele era, Eugene sentia que o homem possuía habilidades excepcionais.
“Mas não com uma espada. Parece que ele usa lança”, observou Eugene.
O homem não carregava arma alguma. Mas, considerando sua postura e o modo como seus músculos estavam desenvolvidos, Eugene podia afirmar com certeza que ele era um usuário de lança.
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