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    Eles almoçaram tarde em uma das estações flutuantes, num restaurante com uma vista excelente.

    Apesar de a comida estar bem gostosa, Eugene ficou um pouco insatisfeito com o tamanho decepcionante das porções de carne. Suas refeições na Torre Vermelha de Magia eram satisfatórias, já que, ao longo dos últimos meses, todos ali tinham se acostumado com a exigência dele por pedaços grandes de carne. Mas um restaurante como aquele, que se orgulhava da sua atmosfera, não serviria os nacos de carne assada que Eugene realmente desejava.

    — Agora que seu corpo já cresceu, você realmente precisa continuar comendo de maneira tão bárbara? — perguntou Ciel.

    — Ainda posso estar crescendo — rebateu Eugene.

    — E se, comendo assim, você acabar ficando parecido com o Gargith? Eu realmente odiaria se você ficasse daquele tamanho.

    — Eu também odiaria. Quem é que ia querer isso?

    Com uma expressão de desagrado, Eugene limpou os lábios com um guardanapo. Como a carne só vinha em pequenas porções por causa das regras de apresentação do restaurante, uma pequena montanha de pratos vazios se acumulava do lado dele da mesa.

    Do outro lado, a área diante de Ciel estava limpa. Eugene clicou a língua ao perceber que ela havia escolhido só vegetais, com exceção dos pimentões e das cenouras, que ela não gostava.

    — Se você for tão fresca assim, claro que não vai crescer.

    — A gente pode até duvidar de você, mas eu já estou completamente crescida — rebateu Ciel.

    — Se parar de ser tão exigente, acho que você ainda pode crescer mais um pouco — disse Eugene, aconselhando.

    — Crescer demais não seria nada atraente pra mim — respondeu Ciel, levantando-se da cadeira.

    Eugene lançou um olhar para os antebraços finos de Ciel e balançou a cabeça com desaprovação.

    — Embora treinar mana seja sempre bom, exercício físico é igualmente importante. Se você ficar sem mana no meio de uma luta, vai ser forçada a depender só do seu corpo pra…

    — Deve ser porque você andou demais com o Gargith um tempo atrás, mas até o jeito como você fala tá começando a parecer com o dele — interrompeu Ciel.

    — Retira isso — exigiu Eugene.

    Ao ver Eugene expressando repulsa de forma instintiva, Ciel mostrou a língua e caiu na risada.

    — Então, ouvi algo do pai — disse Ciel, mudando de assunto. — Você realmente gastou trezentos milhões de sals pra comprar testículos de gigante como favor pro Gargith?

    — E daí? — perguntou Eugene, em tom defensivo.

    — Você realmente comeu aquilo com ele? Perguntei pro Hazard, e parece que não são só os gigantes — todos os testículos de bestas têm efeito nutritivo pro corpo. Mas não importa o quão saudável seja… como é que você consegue comer uma coisa daquelas?

    — Eu não comi nada — insistiu Eugene.

    — Sério? Então Sir Gerhard vai ficar feliz.

    — Por que meu pai ficaria feliz?

    — Ele ficou emburrado porque você guardou uma coisa tão boa só pra você.

    “Pai, por favor”, Eugene gemeu por dentro.

    Felizmente, Ciel mudou de assunto.

    — Já faz mais de três meses que você chegou a Aroth. E o que tem feito?

    — Lido livros, aprendido magia — respondeu Eugene, sem rodeios.

    — Fora essas coisas óbvias — retrucou Ciel. — Não teve nenhuma experiência nova e empolgante?

    — Aprender magia é uma experiência nova e empolgante.

    — E quanto a Akron?

    Apesar de ter ido até lá pra comprar o presente da Ancilla, depois que começaram a comer, Ciel preferiu dar uma volta pelos arredores da estação flutuante em vez de descer até as ruas para fazer compras. Enquanto perguntava, apontou para o lago que podia ser visto à distância e para Abram, o palácio real.

    — Afinal, não é qualquer um que pode entrar num lugar como aquele. Você sabe o quanto o pai e o Sir Gerhard ficaram felizes quando souberam que você ganhou um passe de entrada pra Akron?

    — E a Senhora Ancilla?

    — Por fora, minha mãe também fingiu estar feliz. Mas por dentro, ela ficou com sentimentos mais complicados.

    — Complicados por quê? Eu não posso me tornar Patriarca de qualquer forma.

    — Justamente por isso — disse Ciel, virando-se para encará-lo com um sorriso. — Você pode até não poder se tornar Patriarca, mas é mais adequado pra esse posto do que qualquer um de nós, seus irmãos.

    — É só porque eu sou muito talentoso — retrucou Eugene, com descaro.

    — Ser talentoso demais também é um defeito. Não seria melhor mostrar alguma fraqueza de vez em quando?

    — Vou ser direto, porque estou com dificuldade de te entender: Ciel, você veio até aqui só pra me dar esse aviso agora?

    Esse sorriso que Eugene lançou era semelhante ao de Ciel, e, ao vê-lo, os olhos dela vacilaram por um instante. Durante os quatro anos em que viveram juntos, ela já tinha visto Eugene sorrir mais de uma vez.

    Mas agora, havia algo diferente no olhar dele. Eugene a encarava como se pudesse enxergá-la por dentro. Aqueles olhos fizeram Ciel se lembrar de quando o conheceu, quatro anos atrás, quando ele aceitou o desafio para um duelo. Eugene tinha olhado para Cyan com exatamente aquele mesmo olhar.

    — …Aviso, é? — Ciel deu de ombros com leveza diante da acusação e balançou a cabeça. — É só que… eu também estou um pouco inquieta com os acontecimentos recentes. Cyan sempre quis se tornar o Patriarca. Então, essa situação acabou sendo muito boa pro meu irmão. Por causa das suas ações, Eward e Dama Tanis foram obrigados a deixar a propriedade principal.

    — Se for assim, então eles deviam me agradecer — retrucou Eugene, sarcástico.

    — A mãe provavelmente está grata a você. Mas meu irmão… tenho medo de que ele só guarde ressentimento — revelou Ciel.

    — É por isso que eu tenho certa afeição pelo Cyan — confessou Eugene. — A autoestima forte dele me lembra alguém.

    — Quem? — perguntou Ciel, curiosa.

    — Um sujeito por aí, cuja autoestima parecia inflada demais em relação às habilidades que tinha — murmurou Eugene ao passar por Ciel. — Eu sei o que você está pensando. Mesmo vivendo implicando com seu irmão, você realmente gosta dele. E mesmo ressentindo a Senhora Ancilla, você ainda se preocupa com ela.

    Ciel permaneceu em silêncio.

    — Eu não tenho intenção nenhuma de me tornar Patriarca — disse Eugene, tentando tranquilizá-la. — Não quero ser o Patriarca; mesmo que alguém me mandasse, eu não faria. Pro resto da vida, não vou tomar nenhuma atitude com esse objetivo.

    — Não fala uma coisa dessas tão facilmente — reclamou Ciel.

    — E o que você acha? — Eugene se virou para ela. — O que você faria se um dia eu mudasse de ideia e dissesse que quero ser o Patriarca?

    — …O Cyan provavelmente aceitaria — admitiu Ciel, hesitante.

    — E você? — perguntou Eugene.

    Ciel desviou da pergunta.

    — Meu pai… também aceitaria. O tio Gion e os outros membros da linhagem principal também fariam isso. Se você dissesse que estava decidido, eles não teriam escolha a não ser aceitar. Porque a diferença entre você e o Cyan é grande demais.

    — Eu te perguntei o que você faria.

    — …Eu também aceitaria — murmurou Ciel entre os lábios apertados. — …Mas não me sentiria confortável com isso. Porque minha mãe jamais aceitaria você.

    — Tá vendo? — Eugene riu, encostando as costas contra um corrimão. — Se eu disser que quero ser o próximo Patriarca, alguém vai sair magoado. Isso é inevitável. Porque, por mais talento que eu tenha, eu não sou herdeiro da linhagem direta.

    — …Quer dizer que você está desistindo por causa da minha mãe?

    — Existem vários motivos pelos quais desisti disso. Mesmo que vocês dois e os cavaleiros que servem a linhagem principal me aceitassem como próximo Patriarca, o Conselho dos Anciãos não aceitaria. Não seria esse o primeiro e mais difícil obstáculo?

    Ciel não encontrou nada para rebater.

    — Só isso já seria incômodo o bastante, mas a verdade é que eu realmente não quero ser o Patriarca. Por que eu ia querer isso? Me tornar o próximo Patriarca da linhagem direta dos Lionheart… o que tem de tão incrível nisso?

    — …Não tem várias vantagens incríveis?

    — Mesmo que eu não vire Patriarca, tenho confiança de que vou receber o melhor tratamento onde quer que eu vá.

    — Você é mesmo um desgraçado irritante.

    — Mas eu falei alguma mentira? Vamos olhar pros fatos — Eugene riu e levantou um dedo diante de Ciel. — Primeiro, eu vim de um ramo colateral. Mas com treze anos, fui o primeiro na história do clã Lionheart a derrotar membros da linhagem principal na Cerimônia de Continuação da Linhagem. Além disso, recebi a recompensa inédita de ser adotado pela linhagem principal e ainda fui presenteado com a Espada Tempestuosa Wynnyd.

    — Nessa idade, consegui ativar minha mana logo na primeira tentativa, e também herdei a Fórmula da Chama Branca. E agora? Meu progresso na fórmula é maior que o do Cyan, que começou a praticar anos antes de mim. Mesmo que existam pessoas na história do clã que chegaram à Terceira Estrela antes da maioridade, nenhuma delas fez isso aos dezessete anos, como eu.

    — Você está começando a me irritar de verdade — alertou Ciel.

    — E isso não é tudo. Depois de estudar magia sozinho por apenas um mês, já consegui lançar meu primeiro feitiço, e agora, com três meses de estudo, recebi permissão pra entrar na Biblioteca Real, Akron. Com esse nível de talento, será que eu realmente preciso pensar em virar Patriarca?

    — Tá bom. Você venceu. Você é mesmo muito talentoso, seu bastardo irritante.

    Ciel ouviu cada ponto um por um e não pôde deixar de pensar que Eugene era mesmo um monstro. Ao encarar aquele olhar zombeteiro dele, só conseguiu balançar a cabeça, frustrada.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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