Capítulo 120: Dezenove Anos (6/16)
“O que está acontecendo hoje?”, Eugene pensou, exasperado.
Não havia como aquilo ser coincidência. Tinha que ser uma jogada daquele Comandante dos Magos da Corte que vinha o seguindo feito cocô de peixe-dourado. Mas por ora, Eugene largou a garra de lagosta que segurava e se levantou da cadeira.
— Pensar que eu encontraria uma pessoa tão ilustre num lugar tão caído… — murmurou Eugene.
— Este lugar está longe de ser caído — contestou a pessoa a quem Eugene se dirigia. — Mesmo em todo o Pentágono, este restaurante é bastante famoso, afinal.
— Mas não vai negar que é uma pessoa ilustre?
— Se dependesse de mim, eu negaria, mas não seria ridículo da minha parte cometer lèse-majesté fazendo isso?
A pessoa com quem Eugene falava era Honein Abram. O Príncipe Herdeiro de Aroth acabara de entrar no salão reservado do restaurante sem qualquer acompanhante. Com um sorriso aberto, apontou para uma cadeira vazia na mesa de Eugene.
— Posso me sentar aqui? — perguntou educadamente.
Eugene respondeu:
— Por mim, tanto faz, mas…
Mesmo que não fizesse muita diferença, Eugene ainda assim lançou um olhar a Lovellian, pedindo permissão. Assim como Eugene, Lovellian também se levantou de seu lugar.
— Por mim, tudo bem. No entanto, Alteza, será que não seria melhor se eu deixasse o lugar? — perguntou Lovellian.
— Não há necessidade disso — Honein o tranquilizou. — Se o Mestre da Torre Vermelha fosse forçado a sair, tenho certeza de que Sir Eugene também se sentiria desconfortável, e eu não quero atrapalhar essa refeição entre mestre e discípulo.
— Temo que essa refeição já foi atrapalhada — resmungou Eugene, limpando as mãos com uma toalha úmida. — Se estivesse realmente levando isso em consideração, deveria ter se aproximado depois do jantar.
Esse jeito de falar era rude demais para se usar diante do Príncipe Herdeiro, primeiro na linha de sucessão. No entanto, ninguém ali repreendeu Eugene por sua falta de modos. Já se passavam dois anos desde que Eugene chegara a Aroth, e embora não com frequência, ele havia encontrado Honein algumas vezes nesse período.
— Essa também era minha intenção — revelou Honein. — Mas parece que, Sir Eugene, seu jantar acabou se estendendo mais do que eu esperava. Estava mesmo planejando comer todas as lagostas disponíveis no restaurante?
— Ei, agora, que exagero. Não sabe, Alteza? Essas lagostas têm pouquíssima carne depois que se tira a casca — Eugene se defendeu.
— Não sabia que Sir Eugene gostava tanto de frutos do mar — Honein mudou de assunto.
— Gosto de qualquer coisa, contanto que seja saborosa. Mas por que ainda não se sentou? — Eugene perguntou, puxando a cadeira vazia.
Com o convite, Honein riu e se sentou.
— Ver você demonstrar essa cortesia incomum me faz pensar que caminhar até aqui foi em vão — observou Honein.
— Deveria ter suspeitado disso no seu íntimo antes mesmo de vir — disse Eugene.
— Bem, pode ser que sim.
— Então, vejamos, parece que vai demorar até servirem novos pratos, então…
— Se está me convidando para jantar, receio que terei de recusar — Honein disse.
— Nesse caso, vamos direto ao ponto — Eugene disse com um sorriso, largando a toalha úmida. — Embora, seja o que for que o Príncipe Herdeiro venha oferecer, temo que minha decisão não vai mudar.
— Mesmo que eu esteja prometendo o cargo de Comandante dos Magos da Corte? — Honein respondeu calmamente, como se já esperasse a recusa de Eugene. — Posso garantir essa oferta com o peso do meu nome.
— Acredito que isso esteja fora das suas capacidades… por enquanto — Eugene arqueou a sobrancelha.
— Em dez anos — declarou Honein com firmeza.
Embora Honein tivesse prometido o cargo em dez anos, Eugene ainda tinha apenas dezenove. Nenhum mago na história de Aroth havia se tornado Comandante dos Magos da Corte com apenas vinte e nove anos.
— Isso não é um tanto otimista demais? — Eugene perguntou, duvidoso.
Honein explicou com calma:
— Em dez anos, eu serei o rei de Aroth.
Só de ouvir essas palavras já era perigoso para quem as escutava. No entanto, aquele salão reservado para VIPs fora projetado de modo que nenhuma conversa ali dentro pudesse vazar. Além disso, no momento em que Honein entrou, Lovellian lançou pessoalmente um feitiço para reforçar a proteção contra vigilância.
Ainda assim, isso não tornava as palavras de Honein menos arriscadas, mesmo com todas essas precauções.
— Acredito que o monarca reinante ainda deva ter a palavra final sobre esse assunto — disse Lovellian, com os olhos semicerrados.
Honein sorriu abertamente e ergueu as duas mãos em rendição.
— Por favor, não me entenda mal — disse ele. — Já recebi a promessa de meu pai quanto à sucessão do trono. Não apenas meu direito sucessório é incontestável, como também o povo de Aroth confia em mim e não tem dúvidas de que serei o próximo rei.
— Ainda assim, suas palavras foram inapropriadas — advertiu Lovellian.
Apesar de dizer isso, Lovellian também não tinha dúvidas de que Honein conseguiria se tornar o próximo rei. É claro que havia outros possíveis sucessores, mas Honein era incomparável entre todos os irmãos.
O povo de Aroth tinha tanto respeito e admiração pela magia que o país era conhecido como Reino da Magia. Embora este reino tivesse produzido muitos grandes magos geração após geração, mesmo entre todos esses magos, a família real de Aroth podia se orgulhar de possuir uma excelente ‘linhagem’ para magia.
E mesmo dentro da família real, Honein era absolutamente excepcional. Todos os membros da família real podiam ter começado a estudar magia desde muito jovens, mas Honein foi o primeiro, em toda a história da linhagem real, a alcançar o Quinto Círculo antes mesmo de atingir a maioridade.
“…E isso não é apenas em comparação com o resto da Família Real”, ponderou Lovellian.
Entre todos os magos que estudaram em Aroth, nenhum havia alcançado o Quinto Círculo antes da idade adulta. Até mesmo Lovellian, que fora chamado de gênio desde muito jovem, só alcançou o Quinto Círculo depois de adulto.
Se Lovellian não tivesse conhecido Eugene, acreditaria que esse Príncipe Herdeiro possuía o maior talento desta geração no campo da magia.
— Os Magos da Corte estão sob comando direto do rei. Claro, isso requer certa mediação com o parlamento, mas se for você, Sir Eugene, acredito que em dez anos terá todas as qualificações necessárias para o cargo — afirmou Honein.
— Embora eu agradeça pela alta consideração — Eugene expressou dúvida — Alteza, não pode afirmar com certeza qual é o nível da minha magia, correto?
— Não é justamente porque Sir Eugene e o Mestre da Torre Vermelha têm sido bastante cuidadosos em esconder isso? Agora, por que esconderiam? — perguntou Honein com um sorriso. — Suspeito que haja um bom motivo para isso. Como não revelaram diretamente, só posso especular, mas… os outros magos provavelmente também desconfiam de algo.
— …Hm — Eugene resmungou, incitando-o a continuar.
— Feitiçaria — disse Honein, estreitando os olhos para Eugene.
Honein estava usando o feitiço de Sexto Círculo, Olho de Busca. Esse feitiço permitia detectar a mana contida dentro do corpo de Eugene. Apenas observando a quantidade de mana que Eugene possuía, era possível dizer que ela estava muito além do que um mago comum de Quinto Círculo teria.
Honein foi direto ao ponto:
— Você compreendeu o Buraco Eterno?
— Precisa mesmo que eu responda isso? — devolveu Eugene.
— Ao dizer isso, está praticamente admitindo — apontou Honein.
— É que não posso mentir para o Príncipe Herdeiro, certo? — Eugene sorriu de canto. — Mas isso não quer dizer que eu vá contar toda a verdade.
— O cargo de Comandante dos Magos da Corte de Aroth… esse posto realmente não o atrai? — tentou Honein.
— É sem dúvida um cargo prestigiado, mas eu consigo algo assim onde quer que eu vá — Eugene recusou.
Eugene de fato não se interessava por esse cargo. Especialmente por envolver deveres militares. Além disso, como acabara de dizer, Eugene tinha confiança de que, com suas habilidades, seria bem-vindo em qualquer lugar.
Somente em termos de poder nacional, o Império Kiehl já superava Aroth. Afinal, apenas três países em todo o vasto continente eram poderosos o bastante para serem chamados de impérios: o Império Sagrado de Yuras, o Império de Kiehl e o Reino Demoníaco de Helmuth.
No momento, Eugene era apenas um membro do Clã Lionheart. Embora o Patriarca da família principal não ostentasse um título de nobreza desde a morte do Grande Vermouth, muitos dos ramos colaterais do clã possuíam títulos nobres de alto escalão. Se Eugene jurasse lealdade à coroa, poderia facilmente obter o título mais baixo de barão.
— Com as habilidades de Sir Eugene, isso é mais do que possível — concordou Honein. — Mas será que realmente não há como tentá-lo a ficar em Aroth com esse cargo?
— Não é que eu desgoste de Aroth ou odeie a ideia de ser um Mago da Corte. Só não é algo que me interesse tanto — Eugene confessou.
— Nesse caso, e quanto a conhecimento? — Honein mudou de direção repentinamente.
Sem entender o que Honein queria dizer com aquilo, Eugene inclinou a cabeça, confuso, mas ao seu lado, a expressão de Lovellian ficou tensa.
Com hesitação, Lovellian perguntou:
— Alteza… estaria se referindo a…?
— Apenas o primeiro volume de Feitiçaria está armazenado em Akron — disse Honein com voz calma, olhando diretamente para Eugene. — Como já deve saber, a Sábia Sienna escreveu Feitiçaria como um conjunto completo de três volumes. O primeiro deles está guardado em Akron… e os outros dois volumes estão armazenados no tesouro real.
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