Capítulo 13: Gilead (1/3)
Eugene não sentia nem a menor inclinação em se aproximar dos outros filhos das linhas colaterais menores. Não era como se ele não compartilhasse nenhum senso de pertencimento com eles, mas, sendo sincero, simplesmente não tinham nada que valesse sua atenção.
Primeiro veio Deacon, com onze anos, depois Hansen, com quatorze, e por fim Juris, com dez, os três filhos de famílias colaterais menores chegaram um após o outro. Enquanto trocava cumprimentos de forma distraída, Eugene já agrupava os três sob uma única identidade em sua mente:
“São os descartáveis.”
Para começo de conversa, todos demonstravam falta de confiança e não paravam de olhar ao redor, nervosos.
Ele desconfiava especialmente de um tal de Hansen, que era um ano mais velho que Eugene. Hansen tinha bochechas rechonchudas e um corpo igualmente redondo, mas o que Eugene realmente detestava era o fato de ele fingir ser o líder do grupo só por ser o mais velho. Mas essa postura só durava enquanto estava entre Eugene e os outros descendentes colaterais.
Hansen, que vinha exigindo com arrogância que todos o chamassem de ‘irmão mais velho’, imediatamente se curvou e adotou uma postura bajuladora ao ver o brasão dos Lionheart bordado no peito de Ciel.
Na verdade, tal atitude nem era surpreendente. Os descendentes colaterais de origens frágeis não tinham escolha a não ser temer os filhos da linha direta.
— …Quem diabos é ele?
Por isso, os três descartáveis olhavam para Eugene com olhos confusos, incapazes de encontrar uma resposta para essa pergunta.
Após as breves apresentações, Eugene voltou ao treino. Era uma extensão do treinamento físico que já havia feito naquela manhã.
Eugene acreditava que todo tipo de conhecimento se desenvolvia com o tempo. Isso também valia para as artes marciais. Então, mesmo que ele tivesse sido um dos companheiros do herói trezentos anos atrás, seria arrogância demais acreditar que as artes marciais de ‘Hamel, o Estúpido’ eram indiscutivelmente superiores às artes marciais modernas.
No entanto, por mais que as artes evoluíssem, se a base física não fosse bem construída, elas jamais poderiam ser usadas em seu pleno potencial. Eugene não tinha dúvidas quanto a isso.
Então, mesmo que pudesse abrir mão do treinamento de mana, o treino físico era inegociável.
“Já que não posso treinar mana mesmo, tenho que focar ainda mais no físico.”
Era um plano que gritava ignorância e falta de opções melhores. Mas e daí? Por causa daquela maldita tradição, a Cerimônia de Continuação da Linhagem, ele estava proibido de treinar sua mana.
A cerimônia era feita de forma que só os da linha direta realmente se destacassem. O plano de Eugene de virar o jogo durante a cerimônia era também, em parte, uma forma de se vingar de Vermouth por ter deixado tal tradição passar adiante.
— Não é difícil? — perguntou Ciel.
— Claro que é — respondeu Eugene.
Em algum momento, Ciel se sentara ao lado de Eugene para observá-lo treinar. Havia muitas perguntas que queria fazer. Nascida da linha direta, Ciel e seu irmão recebiam vários tipos de treinamento desde a infância. No entanto, nenhum dos dois jamais havia visto um método tão bruto e torturante quanto o de Eugene.
— Parece que alguém chegou — comentou Eugene, sacudindo os cabelos encharcados de suor ao se levantar.
Os portões da frente, visíveis à distância, estavam se abrindo. Como o sol já começava a se pôr, Eugene presumiu que os dois descendentes colaterais que deveriam chegar por volta do jantar haviam adiantado a chegada.
“Mas não está movimentado demais só por causa disso?”, Eugene reparou.
Os criados da casa principal estavam correndo e se alinhando em frente à mansão. Até os cavaleiros, que ficavam nos fundos da propriedade, vieram correndo e se posicionaram em formação.
Tinha ouvido dizer que as famílias daqueles dois pirralhos, Gargith e Dezra, eram tão prestigiadas que podiam ser contadas nos dedos de uma mão entre as colaterais mais influentes. Ainda assim, era estranho ver tantos criados se movimentando como se estivessem despreparados para recebê-los.
— …Ah! — exclamou Ciel.
Ela também estava sentindo algo parecido. Mas ao olhar fixamente para os portões com os olhos piscando, Ciel sorriu radiante ao ver as bandeiras começarem a se erguer nos mastros ao longo da entrada.
— Parece que o pai voltou! — exclamou Ciel com a voz empolgada.
Ela saltou do lugar e saiu correndo em direção aos portões da frente, sem nem se despedir de Eugene.
— M-Mestre Eugene — chamou Nina, aproximando-se de Eugene, também aflita. — Parece que o mestre da casa retornou. Precisamos ir recebê-lo, espera, não! Primeiro temos que trocar sua roupa.
— É melhor chegar lá suado do que ser o único a chegar atrasado — respondeu Eugene, enquanto limpava a terra do corpo.
Nina hesitou por alguns segundos antes de tirar um lenço do bolso do peito e começar a limpar os braços e pernas de Eugene. Mesmo assim, o cheiro forte de suor persistia, então ela até pegou um pouco de perfume e borrifou sobre ele.
— Já está bom — disse Eugene.
Ele finalizou passando a mão pelos cabelos bagunçados, misturados com terra e suor. Não havia demorado para se arrumar, mas os criados do anexo e os ‘descartáveis’ das linhas colaterais já tinham ido para os portões da frente. No fim, Eugene e Nina foram os últimos a sair do anexo, indo também receber os recém-chegados.
“Uau…” pensou Eugene, impressionado com a cena.
Todas as bandeiras bordadas com o brasão dos Lionheart tremulavam orgulhosamente no céu. Mais de cem cavaleiros estavam alinhados ao longo do caminho sob as bandeiras. Os criados da casa principal e do anexo também se reuniram em um único ponto, formando uma linha na entrada da mansão.
Os membros da linha direta estavam posicionados à frente dos criados. Ciel, arrumando as roupas, estava à esquerda de Ancilla, e Cyan, ainda pálido, à sua direita.
Embora o verdadeiro poder da casa já não estivesse mais em suas mãos, Tanis se encontrava alguns passos à frente de Ancilla. Sua posição superior, como primeira esposa oficial, exigia que ficasse à frente nessa situação. Ainda assim, mesmo prestes a reencontrar o marido após tantos anos, exibia uma expressão relativamente calma.
Eugene olhou para o garoto ao lado de Tanis. Embora tivesse um rosto bonito, os olhos pareciam apagados para alguém da sua idade, e os ombros estavam caídos. Esse era Eward Lionheart, o filho mais velho da família principal e o primeiro na linha de sucessão.
Os lábios de Tanis se moveram levemente, como se dissesse algo. Isso fez a expressão de Eward endurecer. Ele então endireitou as costas e levantou os ombros.
“Parece que os filhos da linha principal também receberam sua dose de disciplina. Talvez por isso todos tenham essa personalidade complicada.” Eugene clicou a língua em reprovação e desviou o olhar.
— Por aqui, por favor — disse um mordomo da casa principal, aproximando-se dos dois retardatários com a cabeça abaixada.
O lugar reservado aos filhos das linhas colaterais era ao lado dos membros da linha direta. A distância moderada entre os grupos deixava clara a diferença de status.
Shiiing!
As fileiras de cavaleiros desembainharam suas espadas ao mesmo tempo. Mesmo com mais de cem lâminas sendo puxadas de uma vez, o som não se espalhou; foi ouvido como uma nota única. Depois, com as espadas erguidas sobre o peito esquerdo, os cavaleiros se viraram para os portões.
Um homem montado num enorme cavalo preto avançou a galope, puxando duas carruagens atrás de si. Não houve gritos nem comemorações. Os cavaleiros acolheram o senhor da casa, que retornava após tantos anos, com um silêncio unificado.
“Então este é Gilead Lionheart.”
Eugene o encarava com olhos atentos. Embora seu rosto não se parecesse com o de Vermouth, o brilho intenso nos olhos de Gilead chamava atenção.
“E o que vem logo atrás deve ser seu irmão mais novo, Gion.”
O Patriarca da Família Lionheart, Gilead, tinha dois irmãos mais novos. O segundo, Gilford, já era casado, mas ainda não havia se mudado da propriedade principal. O terceiro, Gion, optou por não se casar e seguiu Gilead em sua jornada de treinamento.
— …Teria sido melhor se você tivesse nos avisado antes de chegar — repreendeu Tanis, enquanto Gilead passava pelos portões.
— Eu, o Patriarca, estou voltando para casa. Que motivo teria para precisar avisar? — respondeu Gilead ao descer do cavalo. — Eward, é bom ver que cresceu bastante. Suas habilidades também cresceram proporcionalmente?
— …Tenho tentado corresponder às expectativas de meu pai… — murmurou Eward, evitando olhar nos olhos do pai.
Gilead encarou o filho por alguns segundos antes de virar a cabeça.
— E esses são mesmo o Cyan e a Ciel? Quase não reconheci. As crianças realmente crescem rápido. É impressionante.
— Estava com saudades, pai — disse Ciel, com um largo sorriso.
Naquele momento, Gilead sorriu de volta e assentiu, satisfeito. Sentiu o cheiro de terra e suor nos gêmeos. Era um cheiro que não percebia em Eward.
— Gilford, soube que agora você tem um filho. Lamento não ter podido estar presente para comemorar esse momento com você.
— Irmão, por favor, não diga isso — respondeu Gilford, com a cabeça abaixada.
Ao lado dele, sua esposa, Neria, segurava nos braços um bebê dormindo profundamente. Gilead olhou para o bebê por alguns instantes antes de desviar o olhar.
Seu olhar intenso percorreu as fileiras de crianças das linhas colaterais. Na mesma hora, os outros se endireitaram, engolindo o medo. Eugene não fez o mesmo. Gilead estava apenas olhando para eles, por que agir como se suas almas fossem sair do corpo?
— …Não há necessidade de prepararem nada especial. Vamos apenas nos reunir para uma refeição — disse Gilead, elevando a voz para todos ouvirem. — Depois disso, discutiremos como será realizada a Cerimônia de Continuação da Linhagem este ano.
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