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    Por mais que se tentasse ver de outra forma, um manto coberto de pelos chamava atenção em um deserto escaldante.

    Mas a solução para isso era simples. Entre os diversos encantamentos embutidos nele, o Manto das Sombras também possuía um encantamento simples de transfiguração. Era algo básico, que apenas removia os pelos e reduzia a espessura do tecido, mas isso já era o suficiente. Neste deserto de Nahama, onde tempestades de areia sopravam constantemente e a temperatura caía para abaixo de zero à noite, havia muitos viajantes que usavam roupas assim.

    — Embora isso reduza sua dignidade.

    Mas essa não era uma opinião de Eugene. Melkith El-Haya, a dona original do manto, havia lhe informado sobre o encantamento de transfiguração acrescentando essas palavras no final.

    Naturalmente, Eugene não se importava nem um pouco em reduzir a dignidade do manto.

    — Aroth e Kiehl são mesmo países de primeiro mundo — Eugene murmurou para si enquanto tirava areia do cabelo.

    A razão de Aroth ser chamado de Reino da Magia não era apenas por causa das Cinco Torres da Magia e de todos os magos que se reuniam naquele país. Era também porque todos ali estavam extremamente familiarizados com o uso da magia.

    Aroth usava magia para todo tipo de coisa. Desde estações flutuantes e carruagens voadoras que cruzavam o céu até postes de luz criados magicamente que iluminavam o chão. Tirando Helmuth, Aroth era o único país tão completamente integrado à magia nesse nível.

    Nenhum outro país convivia com a magia com tanta naturalidade quanto Aroth. Isso ficava ainda mais evidente no caso dos portões de dobra. Criar todos aqueles portões conectando as vastas ruas de Aroth já era difícil, mas mantê-los funcionando era ainda mais desafiador.

    Como Aroth estava repleto de magos excelentes, era possível manter centenas desses portões de dobra ativos, mas outros países não conseguiam fazer o mesmo.

    Falando sinceramente, mesmo que conseguissem, não fariam. Apesar de práticos, os portões de dobra envolviam vários riscos. Mesmo nos tempos atuais, dezenas de pessoas morriam, desapareciam ou enlouqueciam todos os anos por falhas nas dobras.

    Aqui, por exemplo, não havia muitos portões de dobra em Nahama, o Reino do Deserto. Os poucos que existiam eram reservados para nobres de alto escalão do país, e estrangeiros não tinham permissão para usá-los.

    Claro, se usasse o nome Lionheart, Eugene conseguiria permissão para usar esses portões. No entanto, como não apenas seu mestre, Lovellian, mas até mesmo o Mestre da Torre Azul o haviam aconselhado a não fazer isso, Eugene não tinha a menor intenção de revelar seu nome de família tão cedo.

    — Pfff.

    Eugene cuspiu a areia presa aos lábios e enfiou a mão no manto. Puxou dois pedaços de papel de entre as várias coisas armazenadas dentro do manto.

    Um deles era um mapa de todos os restaurantes especializados em servir escorpiões de cacto, que Hera havia preparado às pressas para Eugene ao saber que ele estava indo para Nahama com o intuito de experimentar os tais escorpiões de cacto.

    Embora Eugene fosse grato por isso, o mapa era inútil para ele. Afinal, ele não tinha vindo para esse deserto escaldante e eternamente coberto de areia apenas para comer escorpiões. Ainda assim, sentindo-se grato pela gentileza dela, Eugene não conseguia simplesmente jogar o papel fora.

    O outro pedaço de papel era um mapa de Nahama que ele havia recebido de Lovellian. Mas não era um mapa qualquer. Era um mapa mágico conectado às coordenadas espaciais do local onde Eugene estivesse, permitindo saber exatamente onde no mundo ele estava.

    No momento, Eugene estava no extremo oeste de Nahama. Se seguisse bastante para o norte dali, acabaria chegando em Turas.

    Normalmente, se estivesse tentando procurar seu túmulo perdido, Eugene deveria ter buscado entrar em Turas para visitar sua cidade natal. No entanto, já não havia mais necessidade disso.

    Trezentos anos era muito tempo. Nesse período, o Deserto de Nahama vinha expandindo seu território aos poucos. A cada poucas décadas, tempestades de areia horrendas surgiam esporadicamente, avançando de forma anormal e engolindo as terras além do deserto.

    Depois de trezentos anos disso, a cidade natal de Hamel, a vila que ficava na região fronteiriça de Turas, já havia sido engolida pelo deserto.

    Turas era apenas um pequeno reino. Não teve escolha senão recuar diante das tempestades calamitosas e da desertificação das terras, e assim a expansão do deserto inevitavelmente se tornou novo território de Nahama.

    “É uma forma de conquistar outro país”, Eugene pensou.

    E com esse método, nem era necessário travar uma guerra.

    Só um idiota seria ingênuo o bastante para não perceber que havia intervenção humana por trás da desertificação causada por essas tempestades de areia. Os responsáveis por elas não eram tão infames quanto os magos negros, mas mesmo trezentos anos atrás já eram bastante notórios.

    Na era em que os Reis Demônios reuniam seu poder, as bestas demoníacas se espalhavam pelo mundo e os monstros enlouqueciam, alguns países reuniram suas tropas para enfrentar os Reis Demônios, enquanto outros reuniram tropas para tirar vantagem do caos.

    Nahama fazia parte do segundo grupo. Aproveitou a guerra e posicionou suas tropas na fronteira com o Império de Kiehl. Se Vermouth não tivesse aparecido em Kiehl, Nahama também teria conseguido invadir o império e ascendido ao posto de império.

    Nahama já era um país de que Eugene não gostava muito em sua vida passada, e mesmo trezentos anos depois, sua impressão não havia melhorado em nada. Mas isso não era por ter perdido sua cidade natal para eles. Pelo contrário, até sentia certa gratidão por Nahama por isso.

    Graças a isso, Eugene não precisava tentar atravessar as fronteiras de dois países.


    Havia algumas coisas incomodando Eugene.

    A primeira era o deserto. O calor não era grande coisa, mas as rajadas constantes de areia eram uma merda.

    Felizmente, a situação de Eugene não era tão ruim graças à Espada Tempestuosa Wynnyd. Com a espada, Eugene conseguia invocar espíritos do vento que o ajudavam a se livrar de toda aquela areia sem precisar tomar banho.

    No entanto, as rajadas de areia não eram o único problema naquele deserto. O deserto era vasto e desolado. Para qualquer lado que se olhasse, havia apenas areia. Desde que havia passado pelo portão de dobra na fronteira oeste, Eugene não tinha visto nenhuma vila, muito menos uma cidade.

    Mas isso não era um grande problema. Ele já tinha um mapa que impedia que se perdesse mesmo nesse deserto imenso, e havia armazenado bastante comida e água dentro do manto.

    Quanto à falta de abrigo? Bem, isso poderia ser um grande desafio para um jovem mestre da prestigiada família Lionheart, criado em berço de ouro; mas para Hamel, que desde cedo fora forçado a viver como um andarilho, aquilo era rotina. Assim, mesmo com o frio infernal do deserto à noite, quando se deitava coberto pelo Manto das Sombras, Eugene até se animava ao relembrar os velhos tempos.

    “É bom poder ver as estrelas tão claramente”, pensou Eugene, positivamente.

    Enrolado no manto, Eugene olhava para o céu noturno. Embora os céus de Kiehl e Aroth também fossem belos, não se comparavam ao céu de um deserto sem nenhuma fonte de iluminação.

    Se não fosse por aqueles desgraçados pairando à distância, ele estaria com um humor ainda melhor para apreciar o céu estrelado.

    “Quantos dias já se passaram?”, Eugene se perguntou.

    Fazia cerca de quatro dias desde que passara pelo portão oeste da última cidade.

    Normalmente, ninguém atravessaria um deserto sozinho. No portão, por onde todos os estrangeiros precisavam passar para sair da cidade, havia muitos viajantes em busca de companheiros para cruzar o deserto juntos. Assim, poderiam cooperar entre si, formar uma caravana temporária, ou até contratar guias e escoltas acostumados com o deserto.

    Essas eram algumas das formas mais seguras de atravessar o deserto, mas Eugene não escolheu nenhuma delas. Em vez disso, decidiu atravessar o deserto completamente sozinho, e foi exatamente o que fez. Sem nem mesmo montar num camelo, partiu a pé confiando apenas em seu próprio corpo. Isso porque Eugene avaliou que, no fim das contas, andar com as próprias pernas seria mais rápido do que montar num camelo.

    Voltando ao presente, Eugene pensou consigo mesmo:

    “Será que são mesmo ladrões?”

    Essa havia sido sua primeira suspeita. Mas, para ladrões, o comportamento deles era estranho. Eles estavam seguindo Eugene fazia dois dias, mas em vez de atacá-lo para roubar seus pertences, apenas seguiam seus rastros mantendo uma distância considerável.

    “Cartões de identidade são convenientes, mas em momentos como este, são um verdadeiro saco.”

    Trezentos anos atrás, falsificar um documento era comum. Bastava entregar algumas moedas junto de um crachá de identificação qualquer que encontrasse por aí, e se passava por qualquer portão sem dificuldades. Mas, atualmente, como era comum os cartões de identidade estarem vinculados ao sangue, não era tão fácil falsificar uma identidade.

    E como era difícil, e as consequências seriam um incômodo se fosse pego, Eugene decidiu nem tentar.

    “Então quem são eles?”

    Eugene não teve escolha a não ser apresentar sua identidade verdadeira no portão da cidade. Também deu uma boa quantia de dinheiro ao responsável, que estava prestes a fazer um escândalo. Eugene achou que tinha conseguido convencer o homem com ameaças e propina para que ficasse quieto e o deixasse passar, mas parecia que o desgraçado tinha apenas embolsado o dinheiro e depois o denunciado aos superiores.

    Provavelmente era por isso que agora ele tinha um rastro. Fazer parte de uma família prestigiada nem sempre era uma vantagem.

    Estalando a língua, Eugene pegou o mapa. Nos últimos quatro dias desde que partiu de Kajitan, ele havia avançado bem. Seu corpo não se cansava com facilidade, e sua mana estava em plena forma. Graças a isso, conseguia se mover mais rápido do que se estivesse montado num camelo. Se continuasse naquele ritmo, Eugene chegaria à sua antiga cidade natal em, no máximo, três dias.

    Mas não tinha a menor intenção de levar aquele rastro incômodo até lá.

    Nos últimos dois dias, Eugene os havia deixado quietos justamente para analisar melhor suas intenções, mas já que aqueles caras permaneciam calados, parecia que ele mesmo teria que fazê-los falar, nem que fosse à força.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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