Capítulo 136: O Deserto (6/13)
— …Um oásis…? — Laman arfou.
Já fazia um dia desde que Laman começara a acompanhar Eugene, e agora haviam adentrado o Deserto de Kazani. Assim como Laman e seu tenente haviam dito, o deserto era árido e completamente vazio. Era um deserto onde nada podia sobreviver. Mas isso parecia ser tudo: em meio dia naquele lugar, não haviam encontrado nenhum perigo específico. E então, de repente, avistaram um oásis.
Laman encarava o oásis à distância com uma expressão de total incredulidade.
O Deserto de Kazani não tinha oásis. Era justamente por isso que nada sobrevivia ali, e Laman conhecia esses fatos melhor do que ninguém. Mas terem encontrado um oásis ali… Teria uma terrível tempestade de areia remexido o solo e liberado a água subterrânea? Ou será que choveu ali sem que ninguém notasse, e a água se acumulou? De qualquer forma, para Laman, aquele oásis só podia ser um milagre do deserto.
— É falso — enquanto Laman olhava para o oásis com olhos encantados, Eugene soltou essas palavras num tom frio.
— …Hã? — Laman ficou confuso.
— Eu disse que é falso — Eugene repetiu.
— Está dizendo que é uma miragem? — Laman perguntou.
— Se você vê uma miragem de um oásis, isso quer dizer que deve haver um oásis real em algum lugar à frente. Mas não é o caso aqui. Aquilo é uma ilusão mágica.1
Eugene tinha certeza disso. Sentira que, a partir daquele ponto, a densidade de mana era diferente do restante da área ao redor. Mas Laman não foi capaz de perceber que aquilo era magia ilusória como Eugene havia feito. Sua sensibilidade à mana era bem mais baixa que a de Eugene, e ele não possuía o mesmo nível de compreensão profunda da magia.
— Então é assim que eles fazem — Eugene assentiu com uma risada. — Ao mostrar uma miragem, querem nos fazer pensar que estamos indo na direção errada, para nos desencorajar de seguir adiante. Mas isso só torna tudo ainda mais suspeito.
Laman demorou a reagir.
— Está dizendo que aquilo é um feitiço… Isso é impossível.
— Olha, Laman. Guarda essas tentativas de fugir da realidade aí dentro da sua cabeça. Não me irrite despejando negação inútil — Eugene o advertiu.
— … — Laman mordeu o lábio em silêncio.
— É louvável que você demonstre lealdade ao seu mestre, mas o seu mestre não é o meu mestre, certo?
— …Por favor, não insulte meu mestre.
— Quando é que eu chamei seu mestre de filho da puta? Do que você está falando quando diz que eu o insultei? Por que as pessoas andam tão sensíveis hoje em dia? Ficam inventando insulto do nada.
O que Eugene queria dizer com ‘hoje em dia’? Deixando isso de lado, Laman relaxou os ombros à força e abaixou o olhar.
— …Se aquilo for mesmo magia ilusória, o que fazemos agora? Seria perigoso tentar contornar… então… já que foram tão longe a ponto de lançar um feitiço pra nos afastar, por que não voltamos pelo caminho de onde viemos…? — Laman sugeriu, com a voz fraca.
— Vou dar uma olhada de perto antes de decidir o que fazer — disse Eugene com um sorriso, começando a caminhar em direção ao oásis distante.
— Você não acabou de dizer que é uma ilusão? — protestou Laman. — Então por que temos que ir até lá?
— Pra ver se eles estão mesmo tentando mandar as pessoas de volta para um lugar seguro.
— …Hã?
— Pra viajantes no deserto, um oásis é um ponto precioso. A ponto de ser inevitável que tentem parar ali assim que veem um.
— …Não pode ser. Você acha que pode ter uma emboscada?
— Provavelmente, né? Se fosse eu, é o que faria. Em vez de tentar afastar um intruso que pode vir de qualquer lado, é muito mais conveniente e eficiente cortar a garganta dele depois de atraí-lo.
Laman olhou para Eugene com olhos trêmulos. Embora, logicamente, o que Eugene dizia fizesse sentido, era difícil acreditar que esse tipo de raciocínio vinha de um garoto de dezenove anos.
Laman hesitou.
— …Se for mesmo isso… então por que arriscar?
— Não é melhor confirmar suas suspeitas? — respondeu Eugene, puxando um mapa de dentro do manto.
Se quisesse ir diretamente até onde ficava sua antiga cidade natal trezentos anos atrás, Eugene precisava passar justamente por aquele oásis.
Mas… seria possível que alguém tivesse deixado uma armadilha ali, já prevendo isso?
Trezentos anos atrás, Hamel era o tipo de pessoa que, se suspeitasse de uma armadilha, ia lá e conferia com os próprios olhos. Não considerava isso imprudente. Se achava que podia lidar com o que encontrasse, então por que não correr o risco? E se realmente houvesse uma armadilha? Ele quebrava tudo. Se não houvesse? Então podia seguir em frente ainda mais tranquilo.
Eugene na verdade preferia que o oásis fosse mesmo uma armadilha. Esperava que realmente houvesse alguém ali esperando para emboscá-los. Se fosse o caso, isso tornaria mais fácil para ele se preparar para situações futuras.
Também confirmaria que seu túmulo estava em algum lugar naquele deserto.
No momento, a presença dos Xamãs da Areia de Nahama era apenas uma suspeita de sua parte. Mas o fato de o oásis à sua frente ser uma ilusão mágica inclinava a suspeita de Eugene para a certeza.
Se aquilo fosse mesmo uma armadilha criada para enterrar qualquer viajante no deserto, e não para guiá-los de volta a um lugar seguro…
“Então isso só confirma.”
E se não fosse, bastaria tomar outra decisão quando chegasse o momento. Decidir se continuaria explorando sozinho à procura da localização desconhecida de seu túmulo, ou se pediria permissão formal para realizar uma expedição completa.
“O Emir de Kajitan e Laman Schulhov, o comandante da Segunda Divisão da guarda pessoal do Emir. Com esses dois como respaldo, já é algum tipo de seguro… e se isso não for suficiente, posso usar o nome dos Lionheart como seguro adicional”, Eugene planejou.
Se os atacantes decidissem ignorar tudo isso, significava que havia algo ali importante o bastante para correr o risco de se tornarem inimigos do clã Lionheart.
“Então o que pode ser?”
Seus pensamentos se voltaram aos rumores de que logo haveria uma guerra.
“Mas será que isso foi mesmo decidido por Nahama?”
Amelia Merwin estava baseada em Nahama. Uma maga negra que havia firmado um contrato pessoal com o Rei Demônio do Encarceramento. Era fato conhecido que ela representava uma parte enorme da força militar de Nahama. Se Nahama estivesse realmente se preparando para uma guerra… seria porque essa guerra foi decidida por Helmuth? Ou Nahama estaria apenas escondendo uma ambição crescente sob o olhar de Helmuth?
Essa era uma pergunta sem resposta. Ainda assim, Eugene não podia ignorar a suspeita de que os Reis Demônio e Helmuth estavam por trás de tudo isso.
Ele não podia se dar ao luxo de ignorar essa possibilidade.
— Merda, por que é tão difícil só encontrar um túmulo — resmungou Eugene.
— …Um túmulo? Você veio aqui porque queria visitar o túmulo de um parente? — Laman perguntou.
— Uhum — Eugene confirmou com um murmúrio.
— Como assim, por que não me contou isso antes? — Laman indagou, indignado.
— E o que você teria feito se eu contasse? — Eugene devolveu a pergunta.
— Há uma área separada em Kazani que serve de cemitério — Laman explicou. — Eu poderia ter te levado direto até lá…
— Não está num cemitério. O túmulo que procuro deve estar isolado.
— Então não sei que tipo de túmulo você está procurando, mas devem ter centenas de milhares de corpos enterrados neste deserto imenso.
— É provável. Você é nativo de Kazani? — Eugene soltou a pergunta de repente, sem nem olhar para Laman.
Por um momento, Laman não soube o que dizer e apenas apertou os lábios.
— Seus olhos brilharam quando viu aquele oásis antes — Eugene listou suas observações. — Também teve a forma como você se encolheu nas tempestades de areia. E sua expressão mudou quando mencionei os Xamãs da Areia.
— …Isso… — Laman hesitou, relutante.
Mas Eugene não precisava de resposta.
— Você fazia parte do grupo que tentou se estabelecer no deserto, né? Aí teve a sorte de sobreviver àquela tempestade desastrosa e conseguiu chegar a Kajitan… Foi seu mestre que permitiu sua entrada? É por isso que você não quer acreditar que ele está envolvido nas tempestades de areia, mas aposto que já começou a duvidar…
O silêncio de Laman confirmou a conclusão de Eugene.
— Ei, Laman. Vou te dar um conselho — Eugene disse. — Do jeito que o mundo funciona, a maioria das coisas que a gente não quer acreditar acaba sendo verdade. E, entre essas, as suspeitas de que alguém é um completo filho da puta geralmente acabam sendo verdadeiras mesmo.
Laman rangeu os dentes.
— Você pode até dever muito ao seu mestre — Eugene continuou. — Mas também deve ser verdade que ele conhece a origem das tempestades de areia. O que Tairi Al-Madani não esperava era que eu fosse forte o suficiente pra derrotar você e seus homens com facilidade. Nem que eu seria teimoso o bastante pra entrar em Kazani de qualquer forma, ignorando todas as ameaças e avisos.
— …Não tem como isso ser verdade — Laman não conseguiu mais ficar calado.
— Eu não te disse pra guardar suas fugas da realidade só pra sua cabeça? Enfim, faça o que quiser. A escolha do que acreditar é sua — disse Eugene com um riso debochado, voltando a andar.
Nesse momento, a expressão de Laman mudou. Ele se lançou à frente e correu na direção das costas de Eugene.
— Cuidado!
Laman não estava atacando Eugene. Com um grito de alerta, ele empurrou Eugene para trás quando uma lâmina negra irrompeu da areia sob os pés de Eugene. Mas as mãos de Laman não conseguiram mover nem um centímetro das costas firmes de Eugene.
Então Eugene saltou direto para o alto e girou no ar.
— Acha mesmo que eu não notaria algo que até você percebeu? — Eugene resmungou, invocando espíritos do vento.
Boom!
A areia cobrindo o solo foi varrida por uma rajada intensa de vento.
- Fake News! Na verdade, um oasis pode aparecer como miragem formado pelas ondas de calor sem haver qualquer fonte de água próxima.[↩]
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