Capítulo 14: Gilead (2/3)

Todos estavam reunidos em volta de uma longa mesa retangular de jantar. As crianças das linhas colaterais começaram a se sentar em uma das extremidades da mesa.

As duas carruagens que chegaram com Gilead haviam trazido Dezra e Gargith. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, os dois se sentaram bem no centro das cadeiras destinadas aos outros descendentes colaterais.

Então Eugene se sentou ao lado de Gargith.

— …? — Com uma expressão confusa, Gargith examinou o rosto de Eugene.

Era uma regra não escrita que todos se sentavam de acordo com a ordem de senioridade dentro do clã. Assim, normalmente, quem deveria estar sentado ao lado de Gargith era o gordo do Hansen. No entanto, Hansen não demonstrou nenhuma insatisfação com essa mudança e simplesmente se sentou ao lado de Eugene.

Quando chegou ao meio-dia, Hansen teve a chance de observar o treinamento extremamente bárbaro de Eugene. Também viu como Ciel, uma das notórias gêmeas demoníacas da linha principal, falava com Eugene de forma amigável. Hansen realmente não queria arrumar problemas com esse parente misterioso.

— Já vi Gargith e Dezra antes, inclusive viajamos juntos até aqui, mas quanto ao resto de vocês… — Sentado do outro lado da mesa, na cabeceira, estava o Patriarca Lionheart, Gilead. Enquanto limpava as mãos com uma toalha úmida, observou atentamente cada uma das crianças das linhas colaterais antes de continuar — Não sei quem são vocês quatro.

— Venho da província de Gidol. Podem me chamar de Eugene. O nome do meu pai é Gerhard Lionheart — Eugene fez uma leve reverência ao se apresentar.

Com ele tomando a dianteira, os demais filhos das linhas colaterais também se apresentaram. No entanto, apenas Eugene conseguiu falar com confiança. As vozes dos outros tremiam enquanto gaguejavam. O fato de estarem sentados diante do Patriarca Lionheart os deixava nervosos.

— …Hm.

Após ouvir todas as apresentações, Gilead assentiu profundamente. Então, sem dizer mais nada, apoiou o queixo nas mãos.

Havia um silêncio total.

Os descendentes colaterais entenderam o clima e até tentaram silenciar o som da própria respiração. Isso também valia para Gargith e Dezra, mas especialmente para Dezra. Como estava sentada bem à frente de Gilead, não sabia para onde olhar e ficava coçando nervosamente as coxas inocentes.

“Que fome”, reclamou Eugene em pensamento.

Não podiam ter sido chamados só depois que o jantar estivesse pronto? Eugene olhou para a mesa de jantar quase vazia. Havia apenas alguns pedaços de pão e chá servidos, como alguém deveria fazer uma refeição com aquilo?

“E quem é aquele desgraçado?”

Um jovem loiro estava sentado ao lado de Eward. Tinha chegado numa carruagem separada das que trouxeram Dezra e Gargith. À primeira vista, não parecia ter qualquer sangue Lionheart. Eugene notou que Eward, que estava sentado ao lado dele, também parecia não reconhecê-lo.

— Pai — chamou Ciel, rompendo o silêncio.

Ela sorriu timidamente e olhou para Gilead ao perguntar — Faz três anos que o senhor saiu. Não trouxe um presente pra mim?

— Parece que esqueci disso — respondeu Gilead com um sorriso.

Como a maioria dos pais, Gilead tinha um ponto fraco pela filha. Além disso, Ciel era muito melhor em fazer charme do que seu filho mais velho.

— Eh… Mas eu senti saudades do pai todos os dias. O senhor não sentiu o mesmo?

— É claro que senti.

— Mentira, nem presente trouxe pra mim.

— Haha, vou te dar um presente especial assim que a Cerimônia de Continuação da Linhagem terminar. Então não guarde mágoas do seu pobre pai.

Durante essa conversa, Eward mantinha os dentes cravados no lábio inferior. Cyan também estava calado, com o olhar abaixado, mesmo sendo alguém que normalmente acompanharia Ciel em tudo.

Mas os hematomas do dia anterior ainda marcavam o abdômen de Cyan. Era uma lembrança constante da derrota. Por isso, permanecia em silêncio, com medo de que o pai o repreendesse por ter perdido o duelo.

— Mas pai, quem é o seu convidado? — perguntou Ciel.

Depois de cruzar os olhos com Eugene por um breve instante, Ciel voltou-se para o homem sentado ao lado de Eward. Percebera que Eugene não parava de olhar para ele, mas sua pergunta não era só por isso. Ciel também estava curiosa quanto à identidade daquele desconhecido.

No momento, nem Ancilla nem Tanis, muito menos os dois irmãos de Gilead, tinham permissão para sentar-se àquela mesa.

Apenas o Patriarca Lionheart, que administraria a Cerimônia de Continuação da Linhagem, e as crianças que participariam da cerimônia deviam estar ali. No entanto, havia agora um estranho sentado entre eles.

— …Hm. Eu ia apresentá-lo mais tarde, mas… — Gilead hesitou.

— Não me importo de me apresentar agora — disse o homem, com um sorriso. — Afinal, a comida ainda não chegou. As crianças devem estar achando esse silêncio desconfortável, então seria melhor animar um pouco o ambiente com alguma conversa.

Gilead concordou firmemente — Com certeza. Eu mesmo estava me arrependendo de ter chamado essa reunião tão cedo por estar com pressa.

— Haha, não é culpa do Mestre Gilead. Qualquer um ficaria nervoso ao encontrar parentes distantes pela primeira vez — disse Lovellian, consolando Gilead.

O homem se virou para as crianças com um sorriso amigável. Eugene pegou uma xícara de chá para beber enquanto ouvia a história. Como estava com fome e não podia fazer nada a respeito, pelo menos queria ocupar a boca com alguma coisa.

— Olá, crianças. É um prazer conhecer todos vocês. Meu nome é Lovellian, e venho da Torre Vermelha de Magia de Aroth.

— …Hã? — Dezra soltou um som surpreso.

Lovellian. Várias das crianças inclinaram a cabeça, como se estivessem tentando lembrar de onde conheciam aquele nome.

— V-Você é o Mestre da Torre Vermelha… — disse Eward, virando-se para Lovellian com uma expressão de choque.
— Gurk — engasgou Eugene, sem querer, ao inalar o chá quente.