Capítulo 142: O Deserto (12/13)
— Que diabos esse pirralho tá falando agora?
Os Xamãs da Areia se entreolharam, confusos, ao ouvirem o grito de Eugene ecoar pelo ar. Ladrões? Tecnicamente, era Eugene Lionheart quem havia invadido o território deles por vontade própria. Isso significava que o verdadeiro ladrão era aquele garoto audacioso e mal-educado.
— Meu lorde…! — Laman murmurou ao ouvir o grito de Eugene.
No momento em que suspirava de alívio, seu corpo estremeceu.
Ele se lembrou do que os Xamãs da Areia haviam dito antes. Ele não era um refém agora? Laman não queria se tornar um fardo, uma corrente presa ao tornozelo de Eugene. Por isso, tentou puxar os membros das amarras que o prendiam, mas os Xamãs da Areia não eram cegos.
— Não tente nada estúpido — veio o aviso.
Rumble rumble!
A areia do chão envolveu completamente o corpo de Laman. Após deixar clara a ameaça, os Xamãs trocaram olhares entre si.
— O que vamos fazer?
— Não podemos deixá-lo chegar até aqui.
— Eu sei disso… mas devemos relatar isso?
A pergunta foi feita com cautela, a voz carregada de um medo incontrolável. Os outros Xamãs hesitaram, sem saber o que responder.
— …Damos conta disso sozinhos — alguém decidiu, após um silêncio desconfortável, e os demais assentiram.
Eles não queriam ser obrigados a enviar um relatório sobre o problema ao superior.
Já havia dano demais para que o incidente pudesse ser encoberto, mas…
“Como se ele fosse se importar com perdas tão pequenas.”
Esse era um pensamento compartilhado por todos os Xamãs presentes. Muitos Assassinos e Xamãs da Areia tinham morrido em pouco tempo, mas aquela pessoa com certeza descartaria essas mortes como triviais.
Ainda assim, não podiam deixar a situação piorar. Mesmo que todos ali morressem, não podiam permitir que o intruso avançasse além daquele ponto.
Precisavam resolver tudo antes que ele retornasse. Se não conseguissem lidar com a situação a tempo, e aquela pessoa visse o que estava acontecendo, enquanto eles, derrotados, pedissem ajuda por não terem dado conta, então…
“Morrer seria melhor.”
Seriam deixados em um estado que não poderia ser chamado nem de vivo, nem de morto. Nenhum dos Xamãs da Areia ali queria imaginar a si mesmo nesse destino.
Aaaaargh!
Gaaaah…
Gritos distantes começaram a ecoar, e se aproximavam cada vez mais. Como os Assassinos jamais gritariam sob nenhuma circunstância, o que se ouvia agora só podia ser o grito dos outros Xamãs da Areia.
— Me soltem! — Laman rugiu ao ser arrastado para a frente da multidão pela areia que o prendia.
Laman arfava, se contorcendo para tentar escapar. Mas os Xamãs da Areia ignoraram seus gritos. Em vez disso, conectaram suas vontades à mana e transmitiram ordens para os outros Xamãs espalhados pelo labirinto.
No início, cinquenta Xamãs da Areia haviam sido designados para aquele labirinto. Mas, mesmo com tão pouco tempo decorrido, mais da metade deles já estava morta. E não por um exército disciplinado, mas sim pelas mãos de um jovem de dezenove anos.
Os Xamãs sobreviventes estavam agora todos reunidos naquele ponto.
E Eugene também sabia disso. Em algum momento, a frequência dos ataques mágicos havia caído drasticamente. E os sinais de aproximação haviam desaparecido à distância.
Uma grande concentração de mana se ativava à frente, e Eugene sentia uma presença familiar no centro disso.
Era Laman Schulhov.
“Por que você tá amarrado aí depois de eu ter feito de tudo pra te fazer fugir?”, Eugene pensou, irritado.
Bam!
Eugene chutou o crânio de um Assassino que havia tentado atacá-lo de surpresa vindo debaixo da terra. Embora os Xamãs da Areia estivessem todos concentrados em um lugar, alguns Assassinos ainda se escondiam pelos túneis.
— Tem muita coisa que eu quero perguntar pra eles, mas… — Eugene murmurou, colocando a mão dentro do manto.
Uma grande quantidade de mana flutuou no instante em que Eugene deu mais um passo à frente.
A areia no túnel girou em espiral. O caminho por onde Eugene vinha colapsou, fechando-se, e a areia se estendeu para engoli-lo. Era um feitiço conhecido como Prisão de Areia. Mesmo para Eugene, seria difícil usar magia para escapar de algo daquela escala.
Mas será que ele precisava mesmo escapar com magia?
Eugene tirou uma caixa de dentro do manto. Continha o fragmento da Espada da Luz Lunar. O fragmento que ele vinha usando como alvo de treino de mana nos últimos anos agora repousava silenciosamente dentro de sua caixa luxuosa.
Sem hesitar, Eugene jogou a caixa à frente.
A areia, que se contorcia como se tivesse vida própria, engoliu a caixa inteira.
— Bang — Eugene murmurou enquanto puxava o capuz do manto sobre a cabeça.
Boooom!
Um som alto, incomparável ao que Eugene havia feito antes, ecoou pelo túnel. A Prisão de Areia, lançada por dezenas de Xamãs da Areia trabalhando em conjunto, não foi capaz de suportar o poder daquele pequeno fragmento. Embora o feitiço tivesse sido fortalecido por uma grande quantidade de mana, sua coesão era fraca. A areia, liberta do controle da mana, desabou e se espalhou.
Eugene atravessou a areia que caía ao seu redor. Mesmo com dezenas de milhares de grãos de areia e poeira obscurecendo sua visão, seus sentidos captavam com precisão tudo ao seu redor, mesmo sem enxergar o que havia adiante.
De cima e de baixo, os Assassinos que haviam se aproximado junto com a areia lançaram seus ataques surpresa. Suas luzes da espada se acenderam num instante. Não emanavam sequer um traço de intenção assassina, até o fluxo de mana fora contido até o momento do golpe.
— Já vi isso vezes demais — comentou Eugene ao tocar o chão com os pés.
Bam bam bam!
A areia fluida se transformou em estacas que perfuraram os Assassinos.
O fragmento da Espada da Luz Lunar havia desfeito o feitiço e dispersado a mana. Durante os dois últimos anos, Eugene treinou a coesão de sua própria mana usando o fragmento como oponente. A mana refinada por esse método era mais forte e rápida do que a que Eugene possuía no início.
“O que ele fez?”, os Xamãs da Areia se perguntavam, mais surpresos com o método usado para destruir a Prisão de Areia do que com a morte dos dois Assassinos.
Seria isso uma Dissipação? Não, era diferente. A Dissipação envolvia interferência artificial na mana que compunha um feitiço. Mas Eugene não pareceu ter interferido diretamente na Prisão de Areia.
Ela simplesmente… parecia ter se esgotado. Nem mesmo Aroth, famosa como o Reino da Magia, possuía um Dissipar como aquele. Seria essa uma carta na manga do clã Lionheart?
Um dos Xamãs da Areia alertou os outros:
— Ele está vindo!
Não podiam se dar ao luxo de continuar em pânico. Os Xamãs lamberam os lábios e começaram a entoar um feitiço, unindo as mãos em forma de selo diante do peito.
— Meu lorde! — Laman gritou de onde estava preso na areia, à frente do grupo. — N-Não venha até aqui! Fuja!
— Quem você pensa que é pra me dizer o que fazer? — Eugene resmungou, bufando.
Laman ignorou a pergunta:
— Não há necessidade de se arriscar só pra me salvar!
— Quem disse que vim te salvar? Parece que você tá entendendo tudo errado — Eugene murmurou, pegando o fragmento da Espada da Luz Lunar que havia caído no chão.
Ele sentiu a mana se acumulando outra vez para formar um novo feitiço.
— Não quero perder mais tempo com isso — Eugene estalou a língua.
A localização que ele havia confirmado no mapa estava bem à sua frente. Atrás dos Xamãs da Areia, ele podia ver um caminho se prolongando adiante. Os olhos de Eugene se tornaram frios. Ele examinou o fragmento da espada em sua mão.
— Hm — resmungou.
Groaaan!
A areia à sua frente se ergueu, formando uma onda gigante. O chão sob seus pés foi puxado para frente como se fosse água sendo atraída pela onda. Eugene seguiu pelo caminho de menor resistência, avançando com o fluxo da areia. Os corpos arrastados primeiro foram engolidos pela onda e esmagados, tingindo a areia amarelo-pálida com um tom de vermelho escuro.
Eugene ergueu o braço acima da cabeça. Recuou o tronco, acumulando força no corpo para um arremesso.
No instante em que a onda estava prestes a atingi-lo, Eugene lançou o fragmento da Espada da Luz Lunar à frente. Desfazer o feitiço não era seu único objetivo com aquilo. Mesmo depois de atravessar a onda, o fragmento não perdeu força nenhuma no lançamento.
— Kagh!
O estilhaço atravessou a garganta do Xamã da Areia que estava ao lado de Laman. O escudo de mana que ele havia erguido não conseguiu resistir ao poder da Espada da Luz Lunar. Sem sequer conferir o resultado do lançamento, Eugene abaixou o corpo em posição de arrancada.
Então ativou a Fórmula de Círculos Flamejantes. Como já havia iniciado a sequência de explosões antes, o corpo de Eugene foi imediatamente envolvido por uma chama azul.
Roooooar!
Ao se lançar do chão, Eugene deixou um rastro de fogo no ar.
Avançando como um relâmpago, Eugene saltou no ar, passando por cima das cabeças dos Xamãs da Areia. Mesmo em pânico, eles tentaram reagir. A areia ao redor se agitou e começou a se reunir sobre os Xamãs.
Mas eles estavam reagindo ao que acreditavam ser o movimento óbvio, quando o verdadeiro ataque viria de cima, do teto.
Eugene puxou a mão que mantinha dentro do manto.
Swiiiish!
Um chicote negro se desenrolou pelo teto e varreu os arredores. Embora não gostasse muito de usá-lo, Eugene também era habilidoso com um chicote.
— Gurk!
O chicote flexível se enrolou no pescoço de um Xamã da Areia. Eugene puxou com força, fazendo a cabeça do homem voar enquanto seu próprio corpo era trazido de volta ao chão.
Laman tentou se levantar, mas foi forçado a deitar novamente, sem forças.
O ar estava cheio de gritos e sangue. Uma lâmina de vento cortava tudo acima da linha da cintura, areia e carne. Balas de mana atravessavam a multidão, e chamas azuis se espalhavam por toda parte. À medida que as tentativas de encantamento dos Xamãs da Areia eram interrompidas por gritos, os feitiços de areia lançados pelos últimos xamãs restantes eram desfeitos por uma única rajada de vento.
Enquanto dançava entre eles, Eugene parecia quase um fantasma. Sempre que estava prestes a ser atingido por um feitiço, escapava com um Piscar. Depois, abria o manto para engolir o feitiço e cuspi-lo de volta em outra direção completamente diferente.
As armas de Eugene mudavam constantemente, e quando os inimigos se concentravam em se defender contra elas, ele usava magia, e também não hesitava em usar os punhos ou as pernas.
Laman nem sabia que era possível lutar daquele jeito.
Se até mesmo um guerreiro como Laman sentia admiração, era evidente que os Xamãs da Areia não tinham flexibilidade suficiente para lidar com aquele tipo de ataque.
— Que tipo de feitiços são esses…? — os Xamãs murmuravam em pânico.
Eugene nem usava encantamentos. Não havia técnica de conjuração visível, e o processo pelo qual seus feitiços se formavam era tão rápido que nem podia ser acompanhado. Os feitiços eram lançados instantaneamente. Sozinhos, em grupos, ou de forma contínua. E o poder dos feitiços era absurdo. Com quantos Círculos eles eram lançados? Era impossível dizer.
Os Círculos dos feitiços em si não eram tão altos, mas o poder e a velocidade estavam muito além da compreensão dos Xamãs.
Até o fim, os Xamãs da Areia não conseguiram entender o enigma chamado Eugene.
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