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    — É verdade?

    No momento em que chegaram ao anexo depois de saírem da casa principal, Gargith, que até então tinha mantido a boca fechada, se virou para fazer uma pergunta a Eugene. Então, como se também estivesse esperando por esse momento, Dezra também virou o olhar para Eugene.

    — O quê? — Eugene respondeu com outra pergunta.

    — Você… é verdade que você duelou com Cyan Lionheart… e venceu?

    — Sim.

    Os olhos de Gargith tremeram de surpresa diante da resposta honesta. Ele examinou Eugene de cima a baixo com um olhar de descrença.

    Gargith Lionheart, aos catorze anos, era um ano mais velho que Eugene. Sua família só havia se separado da linhagem principal na época do Patriarca anterior. Além disso, viviam em meio a uma floresta infestada de monstros. Por isso, desde pequeno, Gargith costumava brincar na floresta esmagando a cabeça de pequenos monstros como goblins. Em outras palavras, sua família podia ser considerada uma das mais fortes entre os ramos colaterais em termos de poder marcial, uma verdadeira família guerreira.

    O mesmo valia para Dezra. Embora sua família tivesse se separado da linhagem principal várias gerações atrás, desde a época de seu avô, havia se tornado uma família marcial bastante prestigiada, com membros conhecidos por ingressarem nas forças armadas do império.

    Acontece que os dois tinham muito contato desde pequenos. Apesar de compartilharem o mesmo sobrenome, o grau de parentesco entre eles era bem distante, e tinham mais ou menos a mesma idade. Por causa disso, e da proximidade entre suas famílias, brincadeiras sobre um possível casamento entre eles no futuro eram comuns.

    Naturalmente, as duas famílias também haviam trocado opiniões sobre a Cerimônia de Continuação da Linhagem daquele ano. Não se esperava muito dos outros descendentes colaterais. No fim das contas, previa-se que Gargith e Dezra competiriam contra os filhos da linhagem direta. Em vez de lutarem entre si sem motivo, os dois haviam concordado em preservar suas forças e se unir para tentar impedir os filhos da casa principal.

    Assim, partiram para a casa principal incentivados por seus pais. No entanto, ao chegarem, descobriram que um caipira de um ramo colateral havia aparecido do nada e duelado com Cyan Lionheart da linhagem principal. E ainda havia derrotado Cyan com um único golpe, chamando a atenção do Patriarca dos Lionheart.

    “Quem é esse tal de Gerhard?”, se perguntavam.

    Os dois sequer sabiam quem era o pai de Eugene. Isso era compreensível, já que existiam inúmeros ramos colaterais que carregavam o nome Lionheart. Entre esses Lionheart, os únicos cujos nomes se tornavam amplamente conhecidos eram os mais próximos da linhagem direta e alguns poucos prestigiados entre os colaterais.

    “Ele também não foi à festa de aniversário três anos atrás.” Gargith e Dezra trocaram olhares significativos, como se estivessem se comunicando em silêncio.

    — Terminou suas perguntas? — Eugene perguntou.

    — Ah… sim?

    — Então posso ir, né?

    Eugene não esperou resposta. Passando entre os dois, eles o observaram sair com expressões confusas. Ficaram se perguntando para onde ele iria, e viram que, em vez de entrar no anexo, Eugene se dirigiu ao ginásio próximo.

    — Já voltou?

    Entre todos os serviçais do anexo, Nina foi a que apareceu mais rápido para recebê-los. Como se estivesse esperando por ele em especial, entregou imediatamente uma toalha grossa a Eugene.

    — Pra que isso? — Eugene perguntou.

    — Vai treinar, não vai? — Nina confirmou.

    — Agradeço — disse Eugene com um sorriso e um aceno.

    Embora só tivesse se passado um dia desde que se conheceram, Nina já havia aprendido tudo o que precisava saber sobre Eugene. Só precisava planejar como se seu jovem mestre de treze anos estivesse possuído por um fantasma que morreu porque não conseguiu treinar; antes de comer, ele precisava treinar para abrir o apetite, e depois de comer, precisava treinar para ajudar na digestão.

    — Quando deseja tomar seu banho? — Nina perguntou.

    — Daqui a algumas horas.

    — Vai estar bem com água fria?

    — Claro que sim.

    Nina trotou atrás de Eugene. Ela havia acabado de concluir seu período de aprendizado. Normalmente, Nina deveria cuidar das tarefas mais simples do anexo. No entanto, os outros serviçais estavam cautelosos com Eugene e não designaram nem uma única tarefa para Nina. Graças a isso, ela pôde se concentrar totalmente em ajustar sua rotina aos hábitos de Eugene.

    “O que será que eles estão aprontando?”, pensou ele ao notar dois bisbilhoteiros.

    Eugene havia feito um treino completo mais cedo naquele dia e, como a brisa da noite estava refrescante, planejava balançar sua espada de madeira algumas vezes, mas… Gargith e Dezra estavam o observando de longe. Então, como se tivesse chegado a alguma conclusão, Gargith começou a se aproximar.

    — … — Eugene o observou em silêncio.

    Sem hesitar, Gargith tirou a parte de cima da roupa e a jogou de lado. Seu corpo mostrava um nível de desenvolvimento muscular inacreditável para alguém de catorze anos. Além disso, estava coberto de pequenas cicatrizes.

    — … — Eugene continuou a encarar Gargith sem dizer uma palavra.

    Gargith então respirou fundo e estufou o peito, mostrando os músculos peitorais largos e os abdominais que se contraíam.

    Com um ar de arrogância, Gargith bateu nos músculos do peito e perguntou:

    — Quer tocar?

    Eugene estava justamente se perguntando: “O que esse idiota tá tentando fazer?”

    Mas ao olhar para Gargith, Eugene percebeu que ele tinha se metido em algum tipo de delírio idiota, achando que estavam competindo em termos de músculos.

    — Não — Eugene respondeu sem hesitação.

    Com uma expressão desapontada, Gargith deixou seus peitorais murcharem devagar. Então também foi até um canto onde ficava o depósito do ginásio. Depois de um tempo, Gargith voltou carregando uma espada de madeira.

    Com uma expressão cheia de desagrado, disse para Eugene:

    — As armas nesse depósito são bem ruins. Parece que tem menos de um quarto do que o depósito da minha casa tem.

    — É mesmo?

    — Digo, me livrei desse tipo de espada de madeira comum quando tinha uns seis anos. Em casa, tenho até uma espada larga enorme feita sob encomenda. Claro, como é pra treino, ela não tem o fio afiado, mas tem um núcleo de ferro no meio, então é pesadíssima.

    — Impressionante.

    — Parece que você também já treinou bastante antes de vir pra cá, mas… — Gargith lançou um olhar para o antebraço de Eugene, com o qual ele segurava a espada.

    Definitivamente, não dava para comparar com os próprios antebraços grossos de Gargith, mas ele conseguia perceber claramente que Eugene tinha braços moldados por anos de treino.

    — Que tipo de treino você faz normalmente? — Gargith perguntou.

    — Por que quer saber? — Eugene respondeu com outra pergunta.

    — Ouvi dizer que você derrotou o Cyan, né? Como é que você treinou pra conseguir vencer o Cyan Lionheart, um filho da linhagem direta?

    — Eu só treinei bastante.

    Explicar era chato demais, então, com essa resposta casual, Eugene voltou a balançar sua espada de madeira. Cada golpe era um movimento básico, subindo e descendo pelo ar. Enquanto Eugene repetia esses movimentos em silêncio, Gargith, que estava parado e atônito, também levantou sua espada de madeira.

    Whoosh!

    O som produzido pelo golpe de Gargith era tão alto que parecia absurdo imaginar que vinha de uma simples espada de madeira. Era um som causado puramente por força muscular, sem ajuda alguma de mana.

    Gargith lançou um olhar orgulhoso para Eugene, mas este nem sequer olhou de volta.

    — …Quantas horas por dia você treina? — Gargith finalmente perguntou, ao não receber resposta.

    — Tirando as horas em que como, vou ao banheiro e durmo, passo o resto treinando — Eugene explicou.

    — E quanto você dorme?

    — Pelo menos seis horas.

    — Eu só durmo cinco.

    — Impressionante.

    — Na verdade, eu queria dormir ainda menos, mas meu pai disse que o sono é como um remédio. Ele disse que se você quiser que os músculos cresçam, precisa dormir…

    — Entendi.

    — A diferença entre o tamanho dos seus músculos e os meus não é só porque eu treino mais. A gente tem um suplemento revolucionário de crescimento muscular na nossa família.

    — Impressionante.

    — Fizemos esse suplemento com a ajuda de um alquimista famoso de Aroth… Se a pessoa ainda não acumulou mana no corpo, o remédio ajuda no crescimento muscular quando combinado com o treino. Tem interesse em testar?

    — Nenhum.

    — Existe um limite pro quanto dá pra desenvolver músculo só com treino básico. Normalmente, esse tipo de suplemento é popular entre mercenários, mas os suplementos baratos deles não se comparam ao nosso. O nosso não tem nenhum efeito colateral.

    — Ah.

    — Só olha pra mim. Apesar de eu ter a vantagem de treinar por uma hora a mais do que você, seus músculos ainda não chegariam aos meus. E quanto à diferença de altura?

    Gargith realmente tinha razão pra se gabar. Ele era apenas um ano mais velho que Eugene, mas já era uma cabeça mais alto. Mesmo com o rosto ainda juvenil, não parecia ter só catorze anos.

    — Como se não tivesse efeito colateral nenhum. Quem você acha que engana com essas mentiras?

    A pessoa que gritou isso num tom afiado foi Dezra, que tinha voltado depois de trocar de roupa. Seus cabelos longos estavam amarrados num rabo de cavalo, e ela parecia estar usando um uniforme de treino grande demais.

    — Sobre esse remédio. Depois que toma, começa a crescer pelo no rosto — Dezra reclamou.

    — E daí? É normal homem ter barba. Eu gosto de poder deixar crescer. Não me faz parecer mais adulto? — Gargith disse com orgulho.

    — Mas cresce em mulher também, seu idiota!

    Dezra lançou um olhar cortante para Gargith. Apesar de ter apenas doze anos, talvez por serem amigos de infância, falava com ele de forma bem rude.

    — Você. Ouvi dizer que usou uma lança no duelo com Cyan. Por que tá usando espada de madeira agora? — Dezra perguntou.

    — Eu sei usar tanto lança quanto espada — Eugene respondeu simplesmente.

    — Ridículo… Você consegue usar as duas de forma intercambiável? E ainda autodidata?

    Se fosse qualquer outra pessoa dizendo isso, ela teria olhado com descrença. Mas Dezra não ousou fazer isso e apenas observou Eugene, avaliando-o. Afinal, diziam que ele havia derrotado Cyan com um único golpe.

    — …Sou especialista em lança — Dezra finalmente admitiu.

    — Combina com você — disse Eugene.

    Eugene não estava mentindo. Dezra era alta para a idade, e seus membros eram especialmente longos.

    — Só ficar balançando a espada não tem graça nenhuma. Que tal um duelo de treino comigo? — Dezra disse.

    — Tudo bem.

    Eugene assentiu. Preferia Dezra, que havia pedido um duelo com naturalidade, a Gargith, que só falava sobre músculos. Além disso, estava curioso para ver as habilidades das crianças consideradas elite entre os colaterais.

    — Você devia usar lança também, já que vou usar uma — Dezra disse.

    — Precisa mesmo disso? — Eugene perguntou.

    — Mais do que sua esgrima, quero ver sua arte com a lança.

    Sem esperar resposta, Dezra correu até o depósito. Logo voltou, trazendo duas lanças compridas ao lado do corpo.

    — Pegue — disse, enfiando uma das lanças nas mãos dele.

    Logo os dois estavam frente a frente, empunhando suas lanças. Gargith ficou no meio, ainda sem camisa.

    — O que tá fazendo aí? — Dezra perguntou a Gargith.

    — Achei que poderia ser o juiz — Gargith respondeu.

    — Que tipo de duelo precisa de juiz?

    — Duelo também precisa ser justo — disse Gargith enquanto levantava os braços.

    Mesmo que Eugene não tivesse nenhum interesse em ver as axilas completamente expostas de outro homem…

    “Esse idiota. As ações dele me lembram muito certo imbecil.”

    Seu porte também ajudava nessa impressão. Se o sobrenome dele não fosse Lionheart, Eugene suspeitaria seriamente que Gargith descendia de Molon, não de Vermouth.

    — Podem começar assim que eu disser ‘já’ — Gargith anunciou.

    — Anda logo com isso, idiota — Dezra gritou.

    Ao comando, Gargith abaixou os braços com um salto rápido para trás.

    — Já! — gritou.

    Apesar de ter encerrado sua luta contra Cyan com um único golpe, Eugene não tinha intenção de fazer o mesmo agora, pois queria ver toda a extensão das habilidades de Dezra.

    Em vez de avançar de imediato, Dezra se aproximou lentamente, alguns passos por vez, tentando encontrar uma brecha na defesa de Eugene. Eugene segurava a lança com as duas mãos e se recusava a sair do lugar. No entanto, só a ponta da lança mostrava leves sinais de movimento, acompanhando os passos de Dezra.

    “…Ugh…”

    Os olhos de Dezra se contraíram de frustração. Embora estivesse bastante confiante em sua arte com a lança, naquele momento, ela realmente queria se perguntar se estava segurando uma lança ou apenas um galho inofensivo.

    “Não tem nenhuma brecha…”

    Ela já havia feito vários movimentos e fintas, mas ainda não conseguia ver nenhuma abertura na defesa de Eugene. Com uma lança em mãos, já devia ter conseguido algo, mas… Dezra mordeu o lábio inferior, preocupada. Se continuasse esperando uma abertura, acabaria sem fazer nada. Convencendo a si mesma disso, Dezra avançou com ousadia.

    A distância entre os dois foi encurtada num instante. Apenas um pouco mais lento que seu primeiro passo, sua lança avançou em linha reta.

    Clack!

    Um leve movimento da ponta da lança de Eugene fez a de Dezra voar para o lado. Nesse momento, Dezra girou o corpo acompanhando o movimento da arma. A ponta de sua lança então fez um arco no ar e voltou a avançar em direção a Eugene. Porém, o resultado foi o mesmo de antes.

    Clack!

    Com o segundo golpe desviado, os olhos de Dezra vacilaram.

    — Haah…!

    Ela mordeu os lábios e tensionou os braços, atacando com a lança, recuando e atacando de novo. Misturado a cada movimento de sua arma estava o som abafado do choque entre as lanças de madeira. Cada uma de suas investidas decididas e precisas era desviada suavemente por Eugene.

    “Ela sabe incorporar rotação, e também sabe usar o recuo e o impulso,” Eugene observou.

    Considerando que ela não podia usar mana, era uma performance bastante impressionante. Além disso, seu potencial de crescimento futuro era ilimitado, dada a juventude. Mas isso era algo para o futuro. No presente, ela ainda não era páreo para Eugene.

    O cabo da lança deslizou repentinamente pelas mãos de Dezra. Ela propositalmente desceu a empunhadura para estender o alcance do golpe.

    Whoosh!

    O ataque desceu sobre Eugene de cima. Com um sorriso, Eugene torceu o corpo para o lado.

    Depois de só aparar os golpes, essa foi a primeira vez que ele realmente desviou. Dezra tirou confiança disso. Se conseguisse recuar e atacar de novo… Mas a realidade não seguiu o que ela imaginava.

    No momento em que sua lança chegou perto do chão, Eugene pisou nela. E, no mesmo instante, ele estocou com a própria lança em direção a Dezra. Ela se encolheu ao ver a lança voando em direção ao rosto e jogou a cabeça para trás com um grito.

    A lança parou bem diante da ponta do nariz de Dezra. Ela franziu os lábios e olhou além da ponta da arma, vendo o rosto sorridente de Eugene.

    “…Por que ele é tão pesado…?!”

    Dezra tentou puxar a lança presa com toda a força, mas por mais que tentasse, ela não se movia. E ele estava usando só um pé… Contendo as lágrimas, Dezra largou a lança.

    Mais do que a impossibilidade de recuperar a arma, foi o fato de o corpo de Eugene nem ter se mexido um centímetro, apesar de todo o esforço dela, que convenceu Dezra de sua derrota.

    Gargith, que estava de pé como juiz, assumiu uma expressão séria e declarou:

    — Eugene Lionheart é o vencedor.

    Dezra, já tomada pela decepção e tristeza, franziu a testa e lançou um olhar feroz a Gargith.

    — Cala a boca, seu gordo desgraçado! — gritou ela.

    — Eu não sou gordo. Gordo é o Hansen.

    — Eu mandei calar a boca!

    Gargith balançou a cabeça, desapontado:

    — Dezra. Então você não aprendeu nada com o discurso inspirador do Patriarca Lionheart? A derrota não deve ser vista como vergonha, e você devia ser capaz de respeitar a honra do oponente.

    Ugh… — com esse gemido, Dezra recuou alguns passos, sem conseguir dizer nada em sua defesa.

    Depois de soltar um suspiro cansado, ela se virou e abaixou a cabeça para Eugene, dizendo:

    — …Eu perdi.

    — Isso mesmo — Eugene respondeu com um sorriso feliz. — Mas você é bem boa com a lança.

    — Tá me zoando?

    Mesmo sendo sincero, Dezra gritou com raiva. Só então Eugene lembrou que era um garoto com mais ou menos a mesma idade que ela. Então decidiu corrigir seu erro agindo como tal.

    — Mas eu sou melhor — Eugene deu um sorrisinho.

    — Seu desgraçado…! — Dezra rosnou entre os dentes cerrados.

    — Por isso que eu ganhei, né? Se isso te incomoda tanto, devia ter vencido.

    — Cala a boca!

    Eugene riu de forma provocativa:

    — Kekeke, fala a que perdeu sem conseguir acertar nem um golpe.

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