Capítulo 2: Hamel, o Estúpido (1/2)
Caçador de Demônios, Deus da Guerra, Mestre-de-Tudo. Esses foram alguns dos muitos títulos dados ao Grande Vermouth. Mas, entre todos eles, havia um que o definia melhor: o de Herói.
Há trezentos anos, nosso Herói, o Grande Vermouth, partiu em uma aventura junto de seus companheiros.
Era um conto de fadas antigo, lido para ele desde que aprendera a andar. Narrava as aventuras do Grande Vermouth, da Sábia Sienna, da Fiel Anise, do Corajoso Molon e do Estúpido Hamel.
“Todos os outros são chamados de grandes, sábios, fiéis ou corajosos. Por que só eu sou o estúpido?”
Sempre que sua babá lia essa história para ele antes de dormir, um fogo ardente se acendia no peito de Eugene Lionheart. Se ao menos ele conseguisse falar em vez de só balbuciar! Ou, no mínimo, se pudesse mover o corpo direito!
“Até aquele cabeça-oca do Molon saiu como o corajoso. Por que eu sou o estúpido? Será que trocaram a gente em algum momento?”
Por mais que quebrasse a cabeça, não conseguia entender como chegaram em o ‘Corajoso Molon’.
“Corajoso? Eles não sabem porra nenhuma sobre ele. Devia ser ‘o Idiota Molon’.”
O Estúpido Hamel sempre teve inveja de Vermouth.
Chamava Vermouth, que era melhor que ele em tudo, de rival.
Embora ninguém mais concordasse com isso.
— O desgraçado que escreveu isso deve ser alguém que eu arrebentei no passado — cuspiu Eugene, rangendo os dentes de raiva.
Na verdade, não era tão difícil entender por que a história era assim. Era um conto de ninar, feito pra crianças. Tinha que ser simples, divertido e educativo.
Hamel estava sempre correndo na frente de Vermouth.
Continuou assim até chegarem à encruzilhada que levava ao castelo do Rei Demônio.
Embora Vermouth dissesse que deviam ir pela direita, Hamel teimava em ir pela esquerda.
— Balela.
No fim, Vermouth aceitou seguir Hamel.
Porém, no caminho que tomaram, havia uma armadilha demoníaca à espera…
Estúpido Hamel!
Gritava cheio de orgulho que o Rei Demônio tinha preparado uma armadilha por medo dele.
Que idiota!
O Eugene de dez anos cerrou o punho com força. Já devia ter lido essa história centenas de vezes, mas toda vez que chegava nessa parte, a raiva voltava.
Hamel era encrenqueiro.
Tinha um temperamento explosivo e por isso vivia brigando com os companheiros.
— …Essa parte eles acertaram.
Após muitas aventuras, Vermouth e seus companheiros entraram no castelo do Rei Demônio.
Mesmo dentro do castelo, o estúpido Hamel continuava se recusando a ouvir Vermouth.
Hamel, que seguia sempre na frente, não conseguiu evitar nenhuma das armadilhas, e por causa disso, Vermouth e seus companheiros passaram por várias crises.
— Como se esse imbecil soubesse o que foi aquilo — rosnou Eugene entre os dentes.
As armadilhas no infernal castelo do Rei Demônio não podiam ser evitadas só por querer. Mesmo sabendo que estavam lá, eles não tinham escolha a não ser avançar na marra.
…Hamel vivia brigando com seus companheiros.
Estúpido Hamel.
Rude Hamel.
Mas Hamel amava seus companheiros.
Hamel, coberto de cicatrizes, se sacrificou por eles em vez de fugir.
— …
Em seus momentos finais, nos braços de seus queridos amigos, Hamel lamentou nunca ter sido sincero com eles.
— Sienna — disse ele — sempre gostei de você.
— Eu não gostava dela.
— Anise, por favor, reze por mim.
— Eu não disse isso.
— Molon, você é o guerreiro mais corajoso.
— Aquele desgraçado era só um cabeça-oca.
— Vermouth, derrote o Rei Demônio.
Vermouth jurou sobre as lágrimas de Hamel que derrotaria o Rei Demônio.
Com essas palavras, Hamel fechou os olhos em paz…
Não havia mais nada pra ver depois disso. Com a testa franzida, Eugene fechou o livro.
“Meu personagem foi sacrificado por causa de um bom conto de ninar.”
Incontáveis crianças tinham aprendido uma lição com a história de como até mesmo o Estúpido Hamel podia esconder um coração justo no peito. Ele se sacrificou pelos companheiros, e até se arrependeu de não ter sido sincero…
“Porra, tinham mesmo que vender meu nome assim por uma lição barata?”
Mesmo já tendo lido várias vezes, sempre ficava com raiva. Por fim, extravasou a fúria e lançou o livro do outro lado do quarto. Secretamente, queria encontrar o autor da história e espancar o desgraçado, mas o livro, que já existia há trezentos anos, era de autoria anônima.
— Vermouth, Sienna, Anise e Molon… vocês quatro também têm culpa, seus desgraçados. Como puderam deixar que escrevessem um conto de fadas assim? Maldita seja você, Sienna. Mesmo depois de chorar daquele jeito quando eu bati as botas…! Nenhum de vocês pensou em proteger a honra do colega morto?
Suspeitava que fosse exatamente isso, ou pelo menos achava, depois de recuperar o fôlego. Afinal, não era como se eles pudessem imaginar que Hamel renasceria com todas as memórias da vida passada intactas.
Maldita reencarnação!
Eugene se lembrou de todo o tempo que passou chorando no berço. Na opinião dele, aqueles anos de infância foram tão tortuosos quanto atravessar o castelo do Rei Demônio. Pensamentos confusos, sem conseguir se mover ou falar direito. Foi forçado a passar cada dia daqueles anos longos e horríveis mordendo uma chupeta ou encarando o móbile pendurado no teto.
Era por isso que, aos dez anos, tinha aquele olhar carregado. Desde pequeno, era obrigado a matar o tempo só encarando o vazio…
Eugene soltou um longo suspiro e esfregou a ponte do nariz.
“…Tudo bem reencarnar, mas por que eu tive que nascer justo como descendente do Vermouth?”
O sobrenome de Vermouth era Lionheart.
“Se era pra reencarnar, não tinha um monte de lugares onde eu podia ter ido? Por que, de todas as opções, eu fui cair justo no sangue do Vermouth?”
Qualquer outra pessoa teria comemorado ao nascer com um histórico tão poderoso, mas Eugene, que ainda carregava as memórias da vida passada, não conseguia fazer isso.
Durante toda a vida, quis superar Vermouth. Embora não tivesse saído gritando que eram rivais, como dizia a história, era verdade que Hamel vivia consciente da presença daquele sujeito ao longo da jornada.
No fim, não conseguiu sair da sombra de Vermouth. Por mais que treinasse e se esforçasse, a distância entre eles nunca diminuía.
“O Grande Vermouth.”
Eugene ergueu o rosto e olhou para o retrato enorme pendurado na parede. O Vermouth retratado ali era idêntico ao que ele lembrava da vida passada.
“O Estúpido Hamel.”
Pegou um espelho do bolso do colete e olhou o próprio reflexo. O rosto de uma criança de dez anos olhava de volta, alguém que não se parecia em nada com Vermouth. Mas, com o sobrenome Lionheart, ele era mesmo um descendente do Vermouth.
No começo… achou que tudo não passava de um longo sonho após a morte. Mas já fazia tempo que havia aceitado aquela nova realidade.
O Estúpido Hamel havia reencarnado como descendente do Grande Vermouth.
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