Capítulo 23: A Cerimônia de Continuação de Linhagem (8/12)
Ao se deparar com monstros em um labirinto, enfrentá-los de frente e derrotá-los para seguir em frente nem sempre era a resposta correta. Os trolls daquele labirinto eram um exemplo disso. Com seus corpos enormes, que dificultavam movimentos rápidos, e suas reações lentas, em vez de serem lutas obrigatórias, deviam ser vistos como uma ‘armadilha’ que exigia encontrar uma brecha para passar.
Os únicos dois que ousaram lutar contra o troll foram Gargith e Eugene.
— Uwoooh! — Gargith soltou um rugido feroz.
Embora não tivesse saído ileso da luta, o corajoso Gargith finalmente derrotou o maldito troll. Ele puxou sua espada larga que estava cravada no peito da criatura e soltou outro grito.
Com esses urros, celebrou sua vitória e o fato de ainda estar vivo. Mas então perdeu todas as forças restantes e caiu sobre o corpo do troll.
“…Parece que levei golpes demais…”
Embora Gargith tivesse orgulho de seus músculos, os ataques do troll eram fortes demais. Achava até que alguns de seus ossos podiam ter sido quebrados.
— Isso dói…! — cuspiu entre os dentes cerrados.
Doía mais do que quando fora atingido por flechas ou quando colidira com aquela bola de ferro rolante. Embora soubesse que todos esses sinais de dor eram truques da magia… dor ainda era dor… Segurando as lágrimas ardentes, Gargith rolou para fora do corpo do troll e se colocou de pé. Depois, apoiando-se na parede, começou a cambalear para frente.
“Se eu me machuquei assim… os outros também devem estar…”
Sabia que Dezra era forte e que Eugene era ainda mais forte. Mas eles não deviam ser mais fortes que um troll. Como aqueles corpos frágeis conseguiriam lidar com uma criatura tão gigantesca…?
Contrariando todas as suas preocupações, Dezra estava completamente bem. Em vez de enfrentar o troll diretamente, encontrou uma brecha em seus movimentos e passou com sucesso. O mesmo valia para Cyan e Ciel.
Cyan e Ciel haviam se reencontrado no meio do caminho. Desde então, Ciel se recusou a liderar e secretamente convenceu Cyan a abrir o caminho. Na verdade, foi bem fácil fazer isso.
— Irmão, qual caminho devemos seguir? — perguntou Ciel.
— Você não consegue nem perceber isso? — respondeu Cyan com um olhar de desprezo.
— Não tenho certeza.
— Sua idiota, nós dois lemos o mesmo livro, como é que você não sabe? Só me observe.
Cyan nunca havia se sentido inferior à sua irmã mais nova, Ciel, que nasceu poucos segundos depois dele. Pelo contrário, acreditava que deveria ser um exemplo para ela e nunca perdia a chance de se exibir na frente dela.
Isso também se aplicava à situação atual. No momento em que as palavras ‘não tenho certeza’ saíram da boca da irmã, Cyan decidiu que era a oportunidade perfeita para bancar o superior diante dela. Como havia sido humilhado bem na frente dela alguns dias atrás, achou que aquele era o momento de restaurar sua imagem manchada.
— Não fique para trás e me siga de perto. Afinal, este é um labirinto criado pelo Mago-Chefe da Torre Vermelha — ordenou Cyan.
— E o que isso tem a ver? — Ciel perguntou com ingenuidade.
— Significa que nunca saberemos o que pode acontecer. Um monstro pode aparecer de repente na nossa frente. Ou algo estranho pode cair do teto.
— Algo como um fantasma?
— Idiota, numa hora dessas você devia pensar em mortos-vivos, não em fantasmas. Sabe o que são mortos-vivos?
— São coisas como zumbis e ghouls, certo?
— Exatamente. Estava escrito no livro que lemos juntos sobre o labirinto feito por um mago negro maligno. Ele virou o túmulo de qualquer aventureiro tolo cegado pelo tesouro! Dizem que os magos negros da antiguidade criavam mortos-vivos e quimeras com os aventureiros que morriam em seus labirintos.
— Mas o Mago-Chefe da Torre Vermelha não é um mago negro.
— Pode até não ser, mas nunca se sabe. Mortos-vivos podem aparecer como algum tipo de ilusão.
— Eu odeio fantasmas, eles são assustadores — confessou Ciel.
— Eu não tenho medo de nada — gabou-se Cyan.
Na verdade, Cyan também tinha medo de fantasmas.
Quando era bem pequeno, na época em que os gêmeos ainda dividiam o mesmo quarto, eram cuidados por uma babá que lia todo tipo de história antes de dormirem. Às vezes, quando a babá lia uma história assustadora, Cyan passava a noite inteira sem conseguir dormir, tentando vigiar em vão o espaço debaixo da cama e o interior do armário.
Mas ele não podia expor um medo tão vergonhoso na frente da irmã mais nova.
“Por que ela foi falar de fantasmas justo agora?” pensou Cyan enquanto tentava conter os tremores no corpo e lançava olhares nervosos para o teto.
A ‘coisa estranha’ que imaginara caindo do teto seria, no máximo, uma aranha ou algum outro tipo de monstro. Nem tinha cogitado fantasmas.
Naturalmente, Ciel mencionou os fantasmas de propósito. Sabia muito bem que o irmão tinha medo de fantasmas desde pequeno, e queria provocar o irmão, que seguia adiante todo arrogante.
“Seria divertido se algo aparecesse para assustar o meu irmão”, pensou Ciel com malícia enquanto o seguia de perto.
Em certo ponto, as bifurcações deixaram de aparecer no caminho. Mas isso não significava que o trajeto seguisse em linha reta. Em vez disso, começou a se curvar para cá e para lá à medida que os diversos caminhos iam se juntando. Cada vez que isso acontecia, Cyan ficava cheio de cautela com a possibilidade de algo pular de repente de algum canto.
Como seu irmão não gritou logo, como ela esperava, Ciel começou lentamente a se entediar. Pensou se não deveria simplesmente cutucá-lo pelas costas. Se fizesse isso, achava que o irmão poderia soltar um som bem engraçado de surpresa. Qual seria o melhor momento para isso? Como ele ainda estava em alerta, por enquanto, ela precisava esperar até que estivesse quase completamente relaxado.
— Irmão, você acha que o Eugene ainda está no labirinto? — perguntou Ciel.
— …Aquele desgraçado me derrotou. Não tem como ele ser derrotado por monstros ou armadilhas — admitiu Cyan com relutância.
— Mas existe a possibilidade de ele ter caído em alguma armadilha. Entre todas as que eu vi, teve uma que era praticamente um buraco sem fundo. Se ele caiu ali, não conseguiria sair, né?
— É possível — Cyan assentiu com uma expressão solene no rosto. — Graças à nossa mãe, aprendemos bastante sobre labirintos antes de entrar, mas os outros provavelmente não tiveram essa oportunidade. Especialmente o Eugene, sendo o caipira que é, provavelmente nem sabia o que era um labirinto.
— Mas seria divertido se todos nos encontrássemos no centro.
— Ei, o que teria de divertido nisso? Aqueles caras são nossos concorrentes.
— Mas o pai não disse que não havia necessidade real de lutar e competir uns com os outros?
Ao ouvir isso, Cyan franziu os lábios. Por fim, disse:
— …Ele pode até ter dito isso, mas também não disse que não podíamos lutar. Então, se eu encontrar um certo alguém, vou lutar com ele.
— Você acha que vai ganhar?
— Eu perdi daquela vez porque fui arrogante. Se lutarmos de novo, com certeza eu vou vencer!
— Sério?
— C-Com certeza!
Apesar do que dizia, Cyan não tinha tanta certeza assim da vitória. Ele se lembrava muito bem da dor que sentiu quando Eugene o atingiu, e do olhar frio que o garoto lançou. Seu corpo quase começou a tremer incontrolavelmente. Talvez fosse por causa da conversa anterior sobre fantasmas, que já o havia deixado nervoso, mas precisou se concentrar ainda mais para conter os tremores.
— Não diga coisas desnecessárias, Ciel — disparou Cyan ao se virar para a irmã.
Ciel apenas mostrou a língua para ele e sorriu.
Com um último olhar para a irmã, Cyan se virou para frente e disse:
— Preciso me concen… Aaaaargh!
Assim que viraram a esquina, uma mulher coberta de manchas de sangue apareceu de repente de um túnel lateral! Os olhos de Cyan se arregalaram e suas pupilas se contraíram enquanto ele cortava a própria fala com um grito.
— Kyaaah! — veio um grito em resposta.
Dentro do túnel lateral, Dezra escutava as vozes se aproximando. Percebeu que eram Cyan e Ciel! Dois de seus concorrentes na Cerimônia de Continuação da Linhagem. Estava pensando em surpreendê-los com uma emboscada caso estivessem desatentos, mas… quem acabou se assustando com o grito alto de Cyan foi ela mesma, e soltou um grito em resposta.
— Aaaaargh!
— Waaagh!
Enquanto os gritos se misturavam, Ciel segurou o estômago e caiu na gargalhada ao ver a cena. Depois de gritar por um tempo, Cyan finalmente recuperou os sentidos e sacou a espada.
— Dezra! Você ousa tentar me assustar?! — esbravejou Cyan.
— E-Eu é que me assustei! — retrucou Dezra.
Dezra era mais nova que Cyan. Além disso, sendo de um ramo colateral, simplesmente não conseguia se sentir confiante ao falar com ele. Então, deu um pequeno pulo para trás e recuou alguns passos. Sua emboscada foi um fracasso total.
— Por que eu te assustaria! E esse seu visual? Está vestida assim só para pular na minha frente e me dar um susto! — gritou Cyan, furioso.
— É porque eu me machuquei!
— Não minta pra mim!
Dezra sentia como se fosse explodir de tanta indignação com a acusação. Teve que passar por todo tipo de armadilha, monstros e até um troll gigante para chegar ali. Por mais precoce que fosse para a idade, ferimentos leves eram inevitáveis. O motivo do rosto ensanguentado era que havia ralado a testa no caminho até ali.
— Eu não posso perdoar isso…! Você ousa me assustar?! Achou mesmo que eu não ia perceber o que estava planejando? Você queria nos emboscar depois do susto, né! — gritou Cyan.
— Não, eu não queria!
Ele havia acertado exatamente o que ela planejava, mas Dezra nem teve a chance de tentar antes de seu plano dar errado. Gemeu de frustração e se virou. Então, começou a correr com tudo.
— Irmão, ela tá fugindo!
— Ela ousa!
Cyan estava genuinamente irritado. Foi forçado a gritar feito um idiota na frente da irmã! Dezra foi mesmo maldosa por ter saltado sobre ele fingindo ser um fantasma. Era ainda mais imperdoável do que o ataque surpresa de Eugene. Por isso, não podia deixá-la impune.
Cyan começou a perseguir Dezra. Ciel também foi atrás dele, ainda rindo. Por mais longos e ágeis que fossem os membros de Dezra, ela não podia ser mais rápida que os gêmeos, que já haviam começado a treinar sua mana. A distância entre eles foi diminuindo aos poucos.
Desesperada, Dezra se perguntou: “Onde foi parar aquele desgraçado do Gargith?”
— Gargith! — gritou Dezra em voz alta.
Naquele momento, porém, Gargith ainda estava rugindo sua vitória sobre o troll abatido e, por isso, não ouviu o chamado de Dezra.
— Não fuja! — exigiu Cyan.
— Eu não fiz nada de errado! — protestou Dezra.
— Então por que está fugindo?!
— Porque você quer me atormentar!
— É verdade. Eu quero mesmo! — exclamou Cyan.
Diante dessa resposta, Dezra reuniu ainda mais forças. Será que deveria ter tentado lutar de volta? Se Cyan estivesse sozinho, talvez fosse uma possibilidade, mas ele estava com Ciel. Além disso, com o corpo cheio de ferimentos, ela definitivamente não conseguiria vencer.
“Mas o Eugene talvez consiga,” lembrou-se Dezra.
Mas onde estava aquele desgraçado? Enquanto corria em disparada, Dezra pisou acidentalmente no gatilho de uma armadilha.
Booom!
O chão à frente desabou completamente. Com um grito de surpresa, Dezra saltou do solo.
Bangbang!
Ela conseguiu por pouco pular o buraco e aterrissou sentada do outro lado. Enquanto segurava o cóccix dolorido, soltou um gemido de dor.
— Por isso que eu disse pra não correr! — gritou Cyan, que havia parado imediatamente diante da armadilha repentina.
Ofegante, Dezra tentou recuperar o fôlego, até que voltou a correr mais uma vez.
— Irmão! — chamou Ciel ao alcançá-lo.
Cyan olhou para dentro da armadilha. Era tão profunda que ele nem conseguia ver o fundo. Além disso, o outro lado ficava bem longe. Cyan hesitou por um momento. Devia voltar e procurar outro caminho?
Mas quando estava prestes a se virar, viu nos olhos da irmã uma expressão de expectativa. Mordeu os lábios com força. Não podia mais mostrar um lado tão vergonhoso de si mesmo para ela.
— Iyaaaah! — Cyan saltou sobre a armadilha com um grito.
A mana fluindo por seu corpo o ajudou a atravessar facilmente aquela grande distância.
— Ciel! Pode pular também! Eu vou te pegar!
— Tá bom!
Com olhos confiantes, Ciel se lançou no ar e pousou ao lado dele do outro lado, sem precisar da ajuda de Cyan. Os gêmeos haviam recebido o mesmo treinamento desde pequenos. Se Cyan conseguia, era natural que Ciel também conseguisse.
— …Como esperado da minha irmãzinha.
Após abaixar de forma constrangida os braços que havia estendido, Cyan voltou a perseguir Dezra. Mas os gêmeos foram interrompidos antes de irem muito longe.
Dezra também havia parado à frente deles.
— …É o monstro chefe — sussurrou um dos três.
Ao final de sua corrida feroz, os três haviam chegado ao centro do labirinto. No fim do caminho havia uma enorme caverna subterrânea cercada por paredes em todos os lados. No centro da caverna estava um monstro ainda maior que um troll.
— …Por que vocês três estão juntos? — Perguntou Eugene, sentado com as costas apoiadas na parede, inclinando a cabeça ao ver os recém-chegados.
— …O que você está fazendo aqui? — questionou Cyan, saindo do estado de choque.
— O que eu tô fazendo? Não tá vendo que tô sentado?
— Mas por que aqui?
— Fiquei curioso pra ver quem chegaria primeiro — respondeu Eugene com uma risada.
Seus olhos redondos e arregalados transbordavam travessura.
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