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    Há muito, muito tempo, esse colar era a lembrança que havia sido deixada para Hamel depois que seus pais foram mortos por monstros.

    Agora que havia reencarnado, Eugene não sentia mais tristeza por essa tragédia de sua vida passada. Toda a tristeza daquele evento havia se transformado em ódio há muito tempo e, afinal, Hamel acabara se vingando pessoalmente da morte deles.

    Mesmo assim, Hamel continuou usando o colar no pescoço até o dia em que morreu. Não era como se aquilo o incomodasse, e nunca houve um motivo específico para tirá-lo. Ele imaginava que esse colar havia sido enterrado junto com seu corpo.

    Ou pelo menos era assim que deveria ter sido.

    Eugene ficou ali parado, segurando o colar por um bom tempo. Sua paralisia vinha da completa incapacidade de entender o que aquele colar estava fazendo ali.

    “…Será que o Vermouth levou meu corpo de Helmuth?”

    Mas nenhuma das armas que Hamel havia empunhado estava guardada naquele cofre de tesouros. A única coisa ali dentro que tinha alguma ligação com Hamel era esse colar gasto.

    Eugene bufou ao fechar a mão em torno do colar.

    “…Parece que não me esqueceram completamente.”

    Por algum motivo, sentiu um gosto amargo na boca.

    Para um dia matar todos os cinco Reis Demônio, esse era o juramento que todos haviam feito juntos. Mas apesar disso… Vermouth, Molon, Sienna e Anise, esses quatro fizeram um ‘juramento’ de paz com os Reis Demônio. Mesmo após trezentos anos desde então, Helmuth e seus dois Reis Demônio ainda estavam vivos e bem.

    “…Afinal, o que exatamente eles juraram nesse pacto? Mesmo tendo recuperado meus pertences e os colocado aqui para descansar, todos vocês… especialmente você, Vermouth… o que estavam pensando?”

    Eugene não conseguia largar o colar.

    Já que havia tido a chance de reencarnar, ele não queria se prender demais à sua vida passada. Ainda assim, por mais tênue que fosse, os vínculos com sua antiga vida continuavam existindo. E esse colar havia despertado vários sentimentos que Eugene estava tentando ignorar.

    De repente, teve um pensamento. Aquele colar não pertencia àquele lugar. Pertencia a Hamel, afinal de contas.

    Ele não queria guardar ressentimento contra Vermouth e os outros companheiros. Acreditava que eles deviam ter tido algum motivo para não conseguirem matar os Reis Demônio restantes.

    A Fiel Anise, a mulher que ele lembrava ser tão atrevida e irritante que mal se podia acreditar que havia se tornado uma santa… sua fé era real. Se até Anise havia concordado em recuar no momento final, então devia ter havido um motivo intransponível para não matarem os Reis Demônio.

    “…Talvez tenha sido porque eles não tinham mais força para isso depois da minha morte.”

    Afinal, os dois últimos Reis Demônio eram terrivelmente poderosos.

    Embora sentisse vergonha só de pensar nisso, precisava admitir que essa era uma possibilidade.

    — Que descoberta inútil — Eugene resmungou ao se virar.

    Ainda queria uma das armas, mas não conseguia suportar deixar aquele colar, a lembrança de Hamel, dentro do cofre de tesouros dos Lionheart.

    Esse era seu único motivo.

    — …Isso aí? — Gilead exclamou com uma expressão surpresa ao abrir a porta do cofre.

    Sua surpresa se devia ao fato de ter feito várias suposições sobre o que Eugene escolheria, mas jamais imaginou que ele sairia do cofre com um colar completamente comum.

    — …Ele me chamou — Eugene disse com um sorriso sem jeito, erguendo o colar para mostrar.

    Gilead piscou, surpreso, alternando o olhar entre Eugene e o colar.

    — …Tem certeza disso? — Gilead perguntou.

    — Sim — Eugene confirmou.

    — Mas há muitos outros tesouros muito mais impressionantes…

    — Como sou inexperiente, achei que não seria capaz de lidar com eles — Eugene recitou a desculpa que havia preparado. Mas nem ele mesmo achava aquilo convincente.

    Gilead se sentia cada vez mais confuso ao pensar nisso. É claro que uma criança não teria como avaliar plenamente o valor daqueles tesouros, mas havia muitas armas que pareciam extraordinárias só pela aparência. Eugene realmente teria recusado tais tesouros para escolher um colar como aquele?

    “…E o que exatamente é isso?”

    O que mais deixava Gilead desconcertado era o fato de não reconhecer o colar que Eugene havia trazido. Será que o Cofre dos Tesouros realmente continha um colar como aquele?

    E claro, havia muitos outros acessórios dentro do cofre que eram tão caros que apenas um deles poderia ser trocado por um castelo inteiro. Gilead teria aceitado e entendido a desculpa de Eugene se ele tivesse escolhido algo assim. Já que nada havia chamado a atenção de Eugene naquele momento, ele poderia muito bem ter escolhido algo que parecesse valioso e caro só para, mais tarde, usar os fundos da venda com algum propósito.

    — …Você se importa se eu der uma olhada? — Gilead pediu.

    — Por favor, fique à vontade — Eugene respondeu com um aceno de cabeça, entregando o colar.

    Assim que recebeu o colar, Gilead o examinou por completo. Mas era apenas um colar simples, malfeito e gasto. Não havia joias incrustadas, nem o trabalho era refinado. Mesmo quando inseriu sua mana, não houve reação.

    Era simplesmente um colar comum e barato.

    “…Por que um colar assim estava dentro do cofre de tesouros?”

    Quanto mais olhava, menos Gilead compreendia. Hesitou por um instante e então olhou para Eugene.

    — Por favor, espere aqui um momento — Gilead ordenou.

    — Sim, senhor — Eugene respondeu com uma expressão tranquila.

    Ele entendia por que Gilead estava tão confuso. Mesmo nos seus próprios pensamentos, Eugene sentia que escolher aquele colar tinha sido uma decisão idiota. Mas não havia como evitar. Já que não podia deixá-lo ali, teve que trazê-lo consigo.

    — …Hm… — Gilead murmurou pensativo, segurando o colar diante da porta do cofre.

    Tudo dentro do cofre, toda a honra e glória acumuladas pela família ao longo de trezentos anos, havia sido registrado pela magia do cofre.

    — …Isso é mesmo… um mistério. — Após aproximar o colar do leão entalhado na maçaneta, Gilead balançou a cabeça. — Esse colar não está registrado no cofre.

    — …Como assim? — Eugene perguntou.

    — Exatamente como eu disse. Esse não é um tesouro dos Lionheart. É um item que não deveria estar lá dentro.

    — …Mas então por que estava?

    — Por isso mesmo é um mistério. Eu… não me lembro de ter colocado esse colar lá. Onde você o encontrou?

    — No canto interno de uma prateleira.

    — Será que foi deixado pelo antigo Patriarca…? Mas, se fosse o caso, deveria ter sido registrado pela magia do cofre…

    — É possível que o antigo Patriarca simplesmente o tenha perdido lá dentro — Eugene sugeriu como explicação.

    — Haha — Gilead soltou uma risada involuntária. — Meu pai, o antigo Patriarca, não era uma pessoa tão descuidada. E também não era do tipo que faria uma brincadeira tão estranha…

    Eugene estava prestes a perguntar por que Gilead não simplesmente perguntava ao pai dele, mas se lembrou e parou a si mesmo. O pai de Gilead, o antigo Patriarca, já havia falecido há muito tempo.

    — …De qualquer forma, ainda quer ficar com esse colar?

    — Sim, quero.

    — Por quê?

    — Sem um motivo real… só… ele me chama.

    — Esse colar não parece ter valor. Também não tem nenhum encantamento. Então, mesmo que o vendesse, você não conseguiria comprar nem uma espada longa barata.

    “Exatamente isso”, Eugene concordou mentalmente enquanto assentia.

    — Mas ainda assim, gostaria de ficar com ele — foi o que Eugene acabou dizendo.

    — …Você realmente é especial — comentou Gilead.

    — Ouvi isso do meu pai a vida inteira.

    — Se você realmente quer ficar com esse colar… então não há o que fazer. No entanto, não posso entregá-lo a você imediatamente. Como a origem desse item é desconhecida, vou pedir para Lovellian examiná-lo.

    — Um exame?

    — Isso mesmo. Embora eu tenha verificado por conta própria, não tenho muita habilidade com magia. Só por precaução, acho melhor que um profissional o analise.

    — Então posso tê-lo de volta quando o exame for concluído?

    — …Sim, eu prometo que vou devolvê-lo assim que tivermos os resultados.

    Após acenar com a cabeça, Gilead ficou em silêncio por um instante.

    — …Quanto a esse colar, pode ser que tenha algum tipo de encantamento, ou pode ser apenas um colar comum, sem nenhuma qualidade especial. No entanto, como claramente não está registrado no cofre, significa que não deveria estar ali em primeiro lugar — Gilead disse por fim.

    — …Sim — Eugene respondeu, sem saber aonde aquilo iria chegar.

    — Embora eu realmente não esperasse que isso pudesse acontecer… Eugene, tecnicamente falando, o item que você trouxe não é um tesouro dos Lionheart.

    Por um momento, Gilead hesitou. Será que isso seria mesmo permitido?

    “Não deve haver problema algum nisso”, pensou Gilead, dando um leve tapinha no ombro de Eugene com um sorriso irônico.

    — Sendo assim, volte lá dentro e só saia depois de escolher outra coisa.

    Eugene mal conseguiu conter a exclamação de surpresa que quase escapou sem querer, e em vez disso perguntou — …Posso mesmo?

    — Está tudo bem. Afinal, eu prometi que, se fosse o primeiro a derrotar o minotauro, você poderia entrar no cofre de tesouros e sair com o tesouro que quisesse. Mas, Eugene, você não saiu com um tesouro. Então volte e traga algo que realmente deseje.

    — Muito obrigado! — Eugene gritou em gratidão, mesmo enquanto pensava: “Não dá pra acreditar que Gilead é descendente do Vermouth.”

    Eugene curvou-se profundamente diante de Gilead, contendo o riso. Jamais imaginara que Gilead mostraria tamanha flexibilidade ao lhe dar outra chance de pegar um tesouro.

    “Está decidido, é você”, Eugene pensou ao retornar ao cofre. Pegou Wynnyd sem hesitar. “A partir de agora, você é minha.”

    Como se tivesse lido os pensamentos de Eugene, sua lâmina prateada-azulada brilhou com um leve fulgor.

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