Capítulo 38: A Oferta (4/8)
Gilead não se ofendeu com o pedido ousado, ainda que infantil. Pelo contrário, sentiu-se satisfeito e até comovido ao ver o olhar faminto no rosto de Eugene. Se uma criança realmente era descendente de uma família marcial, então deveria mesmo possuir esse tipo de desejo voraz.
— …Claro que poderei ensiná-lo — disse Gilead, sorrindo para Eugene com satisfação. — No entanto, se quer mesmo aprender com o melhor, há alguém ainda mais habilidoso do que eu.
— Quem? — Eugene perguntou.
— Gion.
Eugene se lembrou de Gion e de seus dentes brancos brilhantes. Quando abrira a porta para Eugene, Gion dissera que gostaria que se vissem com mais frequência.
— No passado, minhas habilidades eram superiores às dele, mas hoje em dia isso já não é mais verdade — admitiu Gilead.
— Sério? — Eugene questionou, com ceticismo.
— Há algum motivo para eu mentir e diminuir minhas próprias habilidades? — devolveu Gilead.
Os olhos de Eugene brilharam com curiosidade e interesse.
Gilead continuou, rindo baixinho:
— Seu pai já lhe ensinou a escritura de treinamento de mana da família?
— Não, nem sequer me contou o nome dela ainda — respondeu Eugene.
— Isso é bem incomum — comentou Gilead.
Normalmente, os filhos dos ramos colaterais aprendiam suas escrituras de mana antes de partir para a Cerimônia de Continuação da Linhagem. Dessa forma, podiam tentar iniciar a mana assim que a cerimônia terminasse. Como já estavam vários anos atrás em relação aos filhos da família principal, os descendentes colaterais tentavam acelerar a iniciação, mesmo que fosse por alguns dias.
— Eu disse ao meu pai que ainda não queria aprender. Se aprendesse sem necessidade, achei que poderia acabar treinando minha mana sem querer — explicou Eugene.
— Então foi isso. Afinal, você é tão dedicado que não negligenciou o treinamento nem uma vez durante toda sua estadia aqui… — Gilead assentiu, compreensivo.
Ao mesmo tempo, não conseguiu deixar de sentir pena.
A família de Gerhard era uma das mais fracas entre todos os ramos colaterais. Ainda assim, enquanto carregassem o nome Lionheart, famílias como a dele podiam viver com certa prosperidade como senhores locais, mas seus filhos não podiam sonhar com muito mais do que isso.
Por outro lado, e as famílias de Dezra e Gargith? Entre os ramos colaterais, as famílias com tanto poder quanto as deles podiam ser contadas nos dedos de uma mão. Essas famílias podiam preparar todo tipo de recurso para apoiar o crescimento de seus filhos.
“Eles provavelmente começaram a comprar pedras de mana há anos.”
Cristais de mana podiam ser encontrados em monstros de alto nível ou em minérios densos de mana, como o mithril. Esses agregados de mana eram chamados de pedras de mana. Durante a iniciação, o auxílio dessas pedras era essencial.
“A família do Gerhard provavelmente não tem dinheiro suficiente para comprar sequer uma…”
Devido à sua grande utilidade e à dificuldade de obtê-las, o preço das pedras de mana era exorbitante. Além disso, para que um iniciante aproveitasse seu efeito ao máximo, precisava ser orientado por alguém extremamente habilidoso. Eward, Cyan e Ciel tinham sido pessoalmente guiados por Gilead quando iniciaram sua mana.
Por isso, não pôde deixar de sentir arrependimento. O garoto já havia provado seu talento, mas o solo do lar rural de Gerhard era pobre demais para permitir que esse talento florescesse plenamente.
No entanto, Gilead não podia deixar essas palavras escaparem. Mesmo que fossem ditas com preocupação sincera, não queria que um comentário imprudente seu levasse o filho a se afastar do pai ou da família onde nasceu.
Isso era algo que ele precisava discutir diretamente com Gerhard, não com Eugene.
Mas mesmo sem ouvir essas palavras, Eugene já conseguia adivinhar o que Gilead estava pensando. Não era difícil perceber, considerando o olhar compassivo que ele lançava.
“Fazer o quê. Nossa família é pobre mesmo.”
Depois disso, os dois continuaram conversando sobre diversos assuntos. Como o convidado de honra do banquete, Eugene foi perguntado se havia algo de que precisasse ou algum prato específico que desejasse.
O tempo passou rápido entre os tópicos. Por fim, ao ver pela janela que a noite já havia caído por completo, Gilead se levantou.
— Parece que já o segurei por tempo demais — desculpou-se Gilead.
— Não não, foi divertido para mim — Eugene negou qualquer incômodo.
— Vou chamar alguém para acompanhá-lo em breve, então, por favor, aguarde um pouco.
— Não precisa. A distância até o anexo não é tão grande. Posso muito bem voltar sozinho no escuro — assegurou Eugene.
Após recusar novamente a oferta de Gilead, Eugene deixou o escritório do Patriarca. Enquanto caminhava pelo corredor em direção à escada, sentiu que alguém o esperava de forma sorrateira no fim do corredor.
Era Ancilla. Tentava fingir um encontro casual, mas Eugene não se surpreendeu nem um pouco. Conseguiu notar a presença dela ainda escondida, graças ao perfume que usava.
Ao virar a esquina, Ancilla piscou os olhos, surpresa.
— …Ora, ora — exclamou, fingindo espanto, sem saber que seu teatro já havia sido desmascarado. — Não é o Eugene?
— Sim, boa noite, senhora — Eugene respondeu com um ar de surpresa deliberado, inclinando a cabeça em saudação. — Meu nome é Eugene Lionheart, venho de Gidol.
— É claro que sei seu nome — disse Ancilla com um sorriso falso.
Ancilla odiava Eugene. Não era apenas porque ele havia derrotado seu amado filho de forma humilhante, mas também porque esse moleque atrevido dera à família principal sua primeira derrota na história da Cerimônia de Continuação da Linhagem. E não havia um único motivo pelo qual Ancilla deveria gostar de Eugene.
Dito isso, ela não podia tratá-lo com hostilidade. Independentemente do que tivesse acontecido, ele era definitivamente um garoto talentoso. Se já havia alcançado tal nível naquela idade, contanto que não morresse de repente pelo caminho, continuaria a crescer e talvez até fosse capaz de tirar sua humilde família da obscuridade em menos de dez anos.
“Não há necessidade de fazer dele um inimigo desde já.”
Por isso havia permitido que Ciel se mantivesse próxima de Eugene. Ao contrário do marido, Ancilla achava que a ideia de envolver Eugene e Ciel em um casamento arranjado era uma proposta bastante promissora para o futuro.
— Ouvi dizer que você e o Patriarca estavam tendo uma conversa particular, mas parece que se estenderam bastante. Não sabia que ainda estava por aqui — Ancilla continuou, mantendo o sorriso forçado.
Eugene sentiu uma pressão estranha por trás daquele sorriso gentil e do tom excessivamente doce.
Por ora, decidiu testar as intenções dela com uma pergunta:
— Havia algo que gostaria de me dizer?
Gilead havia reagido bem ao seu comportamento ousado, mas esse não era o caso com Ancilla.
“A arrogância dele já está nas alturas.”
Embora conseguisse entender por quê. Para um caipira como ele, visitar a propriedade principal já devia ser empolgante por si só. Além disso, tinha derrotado um filho da família principal em um duelo logo no primeiro dia e ainda vencido a Cerimônia de Continuação da Linhagem. Ela queria, em segredo, quebrar o nariz arrogante daquele moleque, mas conteve o impulso.
“…Afinal, esse pirralho pode acabar virando meu genro um dia.” Repetindo isso internamente, Ancilla disse:
— Fiquei curiosa sobre o que discutiram com o Patriarca.
— Como foi uma conversa particular entre mim e o Patriarca, receio que não posso dizer — Eugene recusou com cortesia a tentativa sutil de sondagem.
— Ah, claro! Naturalmente é isso. Não quis te deixar desconfortável, por favor, não se sinta pressionado. Mas, além disso, havia outras coisinhas que eu queria conversar com você… — Ancilla disse, com um tom que parecia até constrangido.
Eugene apenas inclinou levemente a cabeça, em silêncio.
Ancilla manteve o sorriso amigável ao continuar:
— Bem, o Cyan foi bem rude com você há alguns dias, não foi? Em circunstâncias normais, como mãe do Cyan, eu já deveria ter me desculpado pessoalmente. Mas, com a cerimônia se aproximando, tudo estava uma confusão, e acabei adiando minhas desculpas.
Como se fosse verdade. Se realmente quisesse se desculpar, Ancilla poderia muito bem ter procurado Eugene naquele mesmo dia.
Mas, em vez de apontar isso, Eugene respondeu:
— Não há necessidade. Naquele momento, eu já havia resolvido o que tinha com o Cyan.
— …Ora, ora. Para alguém da sua idade, você é mesmo muito maduro e de mente aberta — os cantos da boca de Ancilla se contraíram enquanto ela forçava o sorriso. — Se esse é seu sentimento sobre o ocorrido, então isso nos deixa aliviados. Quanto ao Cyan, que foi tão desrespeitoso com você, já lhe dei uma advertência severa. Espero que, daqui em diante, vocês possam se dar bem.
— Claro, farei o possível. Afinal, carregamos o mesmo nome. No fim das contas, não somos todos da mesma família? — respondeu Eugene, com um sorriso.
Por outro lado, a expressão de Ancilla se contorceu de maneira sutil. Ele dissera que eram todos da mesma família? Embora não estivesse errado, por algum motivo, ouvir a palavra ‘família’ saindo da boca daquele moleque irritante a fazia se sentir desconfortável.
— Você se importaria se eu me retirasse agora? — Eugene perguntou.
— …Sim, claro, tudo bem — permitiu Ancilla.
Ela não queria manter Eugene por mais tempo. Precisava tomar cuidado para não chamar a atenção do marido, e também precisava estar atenta à esposa principal, Tanis. Não seria apropriado ficar conversando com Eugene ali no corredor por tanto tempo.
— Tome cuidado no caminho de volta — disse Ancilla com um leve sorriso, dando um tapinha no ombro de Eugene.
“Que pirralho irritante,” pensou. Mesmo tendo planejado esse encontro, parecia que havia começado com o pé esquerdo. No entanto, teria que ser mais cuidadosa da próxima vez que conversasse com Eugene.
— Sim. Desejo-lhe uma boa noite — Eugene também se despediu, curvando-se profundamente.
Ele não sabia ao certo que tipo de personalidade Ancilla escondia por trás daquele sorriso. Mas, considerando o assédio que ela havia autorizado no primeiro dia, era evidente que tinha um lado cruel. Por isso, não queria se envolver com ela mais do que o necessário.
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