Índice de Capítulo

    Nas lendas e nas ilustrações dos contos de fadas, a imagem de Vermouth com a ‘Espada Sagrada’ sempre ocupava o centro. Mas, segundo as memórias de Eugene, a Espada Sagrada não era uma arma tão extraordinária quanto as histórias faziam parecer.

    “Embora brilhasse bastante.”

    Ela foi útil de várias formas no castelo escuro do Rei Demônio, mas só isso. Na verdade, como era mais uma espada cerimonial com foco na aparência do que na função, Vermouth nem gostava tanto de usá-la. Era do tipo que só aparecia de vez em quando, quando precisavam lidar com demônios especialmente difíceis.

    Vermouth era mestre em diversas armas, o que lhe rendeu os títulos de Deus da Guerra e Mestre-de-Tudo. Aquele cara sacava qualquer tipo de arma do subespaço sempre que precisava de algo específico.

    “E ainda por cima era bom com magia”, pensou Eugene.

    Em toda sua vida, Hamel nunca aprendeu magia.

    “Quero acreditar que, se tivesse me dedicado, teria superado o nível do cidadão comum.”

    Mas, mesmo que fosse o caso, naquela época ele não dava a mínima pra magia. Quando era criança e ainda se achava um gênio… a ideia de aprender magia nem sequer passava pela sua cabeça.

    “E provavelmente continuaria assim se eu não tivesse conhecido o Vermouth.”

    Hamel mudou muito depois de conhecer Vermouth.

    Nesse mundo, existiam pessoas chamadas de gênios, que eram boas em tudo que tentavam fazer. O jovem Hamel achava que era um desses, até o dia em que conheceu um verdadeiro gênio, e viu sua ilusão infantil ser destruída.

    Ele aprendeu que não era um gênio.

    “Mas agora?”

    Com um estalo de língua, Eugene inclinou a cabeça.

    “Tenho as memórias da vida passada. Se fosse só isso, já dava pra alcançar o mesmo nível que eu tinha naquela época.”

    Tinha certeza disso. Mas Eugene não queria se contentar em apenas voltar ao mesmo nível. Já que tinha reencarnado… qual seria o sentido de parar exatamente onde havia chegado antes? Ainda mais agora que tinha renascido como descendente de Vermouth.

    “Vermouth”, pensou Eugene enquanto massageava os braços robustos, “seu sangue realmente tem algo especial.”

    Mesmo que uma criança se exercite, não é fisicamente possível desenvolver muita massa muscular. Ainda assim, Eugene tinha que admitir: tirando o volume, o corpo novo era perfeito.

    Apesar de não estar encorpado, o corpo todo era definido e flexível. Era difícil imaginar que o corpo de uma criança pudesse ter uma musculatura tão densa. Os ossos também eram firmes. Mesmo forçando o corpo ao limite, ele não deixava sequelas, e até ferimentos sérios cicatrizavam depressa.

    “Meu corpo anterior já era bom o bastante pra pensarem que eu era um gênio… mas isso aqui… não tem comparação. Dá pra entender como você ficou tão forte.”

    Desde o começo, os atributos básicos do corpo deles eram diferentes. Isso causava em Eugene uma mistura de alegria e frustração. Se tivesse tido um corpo assim na vida passada…

    “…não adianta pensar nisso.”

    Balançando a cabeça, Eugene afastou a ideia. O que passou, passou. Já que tinha reencarnado, pra que ficar remoendo os arrependimentos da vida anterior?

    Com esse pensamento, tentou se desprender do passado. Mas não conseguia abandonar totalmente os arrependimentos. Afinal, o único legado deixado por Hamel tinha sido aquele maldito apelido insultuoso, ‘O Estúpido Hamel’.

    E os outros?

    Depois de voltar à pátria no Império Kiehl, o Grande Vermouth serviu como duque antes de abdicar do título. Foi celebrado como herói até o fim. O Império Kiehl realizou um funeral de Estado por sua morte, e até hoje o aniversário da morte de Vermouth era comemorado pelo império.

    A Sábia Sienna, aquela garota insuportável, foi convidada para o Reino Mágico de Aroth, onde se tornou a pessoa mais jovem da história a ocupar o cargo de Chefe de Torre. Embora houvesse apenas cinco Torres Mágicas em Aroth, duas delas atualmente eram lideradas por discípulos diretos de Sienna.

    A Fiel Anise, aquela mulher podre, foi canonizada como Santa pelo Império Sagrado de Yuras. Seus ensinamentos eram tão respeitados que chegaram a ser compilados como um volume separado das escrituras oficiais.

    E Eugene mal podia acreditar no que diziam sobre o Corajoso Molon. Alegavam que Molon, aquele cabeça-oca, fundou um reino! Supostamente, ele reuniu todos os refugiados das terras devastadas pelos Reis Demônios e estabeleceu um reino com o próprio nome.

    “E aqui é onde a coisa mais me incomoda.”

    Eugene franziu a testa. Sempre que pensava nisso, era nesse ponto que a raiva começava a ferver de novo.

    “Parece que todo mundo viveu muito bem até morrer… então por que os demônios ainda existem?”

    Na vida passada, como Hamel, ele e seus companheiros haviam se aventurado pelo Reino Demoníaco de Helmuth. Liderando as forças de subjugação enviadas por todos os países, mataram três dos cinco Reis Demônios.

    O Estúpido Hamel morreu no castelo do Quarto Rei Demônio.

    Lembrava claramente que, no momento da morte, acreditava que Vermouth e os outros companheiros com certeza derrotariam os Reis Demônios restantes.

    Mas e a realidade? O mundo estava em paz, claro. Os Reis Demônios já não tinham mais ambições de conquistar o mundo, tudo por causa do ‘Juramento’ que o Grande Vermouth fez com eles.

    “Por que ele fez um juramento daqueles? A gente não devia exterminar todos?”

    Não sabia os motivos. Mas, de qualquer forma, a guerra contra os Reis Demônios havia acabado, e o mundo vivia em paz. Uma paz que já durava mais de trezentos anos e continuava até hoje.

    — …Está um pouco nervoso, por acaso?

    Eugene ergueu a cabeça ao ouvir uma voz. Estava dentro de uma carruagem luxuosa. À sua frente, sentado no banco oposto, havia um homem de meia-idade com uma expressão rígida.

    — …É que é minha primeira vez na capital — murmurou Eugene, olhando pela janela.

    Ele havia deixado a mansão no interior e chegado à cidade mais próxima depois de um dia inteiro viajando numa carruagem puxada por cavalos. Então, após passar por vários portais de teletransporte, finalmente pisou na capital.

    — Entendo como se sente — disse o homem, simpatizando com Eugene.

    O nome dele era Gordon. Era um cavaleiro juramentado à casa principal dos Lionheart e atualmente estava servindo como escolta de Eugene.

    — Mestre Eugene, se me permite, posso lhe dar um conselho?

    — Pode.

    — Se já está se sentindo nervoso agora, cada dia que passar na propriedade principal será uma tortura.

    Não havia o menor traço de diversão no rosto de Gordon. E embora suas palavras fossem apresentadas como conselho, também não havia nenhuma preocupação nelas. Percebendo isso, Eugene sorriu.

    — Agradeço o conselho, Sir Gordon.

    Eugene sabia muito bem da situação em que se encontrava. Por não fazer parte da linhagem direta, os descendentes colaterais eram obrigados a tratar com cautela até mesmo os cavaleiros designados para escoltá-los. Que dirá sua própria família, que era ignorada até pelos outros ramos colaterais.

    “Mesmo assim, ainda sou um Lionheart. E só mandaram um cavaleiro pra me escoltar… e meu pai nem teve permissão pra me acompanhar.”

    Sem perder o sorriso, Eugene voltou a olhar pela janela.

    “Eles estão tentando colocar a gente no nosso devido lugar. Sem ser tão óbvio, é claro. Já começaram esmagando nosso espírito com antecedência. Bastardos. Vermouth, isso tudo é culpa sua por ter saído espalhando semente por aí.”

    Eugene imaginou como as coisas poderiam se desenrolar em breve. Já que estavam tentando esmagar seu ânimo, provavelmente enfrentaria opressão ainda mais escancarada assim que chegasse à propriedade principal.

    “Talvez reúnam todos os cavaleiros pra nos receber e anunciem em voz alta quem está chegando e de onde vem esse sangue plebeu.”

    Não, isso era o tipo de coisa que faziam com quem realmente consideravam como ameaça. Como só enviaram um cavaleiro para escoltá-lo, provavelmente nem se dariam ao trabalho de preparar uma recepção.

    — …Quantas pessoas vão participar da Cerimônia de Continuação da Linhagem este ano?

    — Incluindo o jovem mestre Eugene, há seis dos ramos colaterais. Além disso, três herdeiros da casa principal também estarão presentes.

    — Três da casa principal?

    Embora Eugene fingisse surpresa com o tom de voz, ele já sabia muito bem quem participaria da cerimônia. Tudo graças às precauções de Gerhard.

    Dos três da linhagem direta, um era filho da primeira esposa, e os outros dois eram gêmeos da segunda esposa.

    Entre os cinco dos outros ramos colaterais, apenas dois vinham de famílias que, mesmo sendo colaterais, haviam conquistado bastante prestígio, e por isso valiam alguma atenção.

    “Acho que o mais velho tinha só quinze anos, e alguns são até mais novos que eu…”

    Eugene tinha treze. Ao lembrar disso, soltou um suspiro. Por causa daquela tradição ridícula, ele realmente teria que competir com crianças de dez anos?

    — Eugene. O que quer que aconteça, não tente competir com os filhos da casa principal. Por mais talentoso que você seja, não tem como vencer as crianças da linhagem direta. Por isso, é melhor que…

    Eugene se lembrou da expressão sombria que Gerhard tinha naquele momento. Seu pai não conseguia esconder o medo de que o filho acabasse mergulhado em desespero depois de conhecer as crianças da casa principal.

    “…ainda assim, não consigo evitar uma certa empolgação pra ver quão talentosos são os descendentes de Vermouth.”

    Eugene desviou os olhos da janela. Já tinham passado por toda a paisagem exuberante da capital e agora a carruagem deixava a cidade para entrar numa floresta.

    — A partir daqui, estamos dentro da propriedade dos Lionheart.

    A floresta era cercada por muros altos.

    — Mas não precisa se apressar pra preparar suas coisas. Ainda temos um longo caminho pela frente.

    Mesmo que Eugene nem estivesse tentando sair da carruagem, Gordon ainda assim sorriu e soltou esse conselho provocador.

    “Entendi, seu desgraçado. Deve ser ótimo ter uma propriedade tão grande. Nem é sua terra, então por que tá bancando o dono orgulhoso?”

    — Uau, então essa floresta inteira é propriedade privada da casa principal?

    — Exato.

    — Se é tão grande assim, não atrapalha se locomover?

    — Existem portais de teletransporte instalados por toda parte.

    “Ah é? Então por que estou nessa carruagem? Porque nem se deram ao trabalho de me autorizar a usar os portais.”

    Enquanto sustentava esse diálogo mental, Eugene continuou observando a paisagem pela janela.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota