Índice de Capítulo

    O banquete para encerrar a Cerimônia de Continuação da Linhagem daquele ano foi realizado naquela mesma noite.

    Gerhard não era o único convidado presente. Embora os resultados da cerimônia deste ano só pudessem ser considerados uma vergonha para a família principal, como se não sentisse o menor constrangimento por esse desfecho, Gilead também havia convidado as famílias de todas as crianças que participaram da cerimônia.

    Era uma tentativa de fazer com que todos pensassem que a cerimônia daquele ano não havia sido uma desonra para a linha direta, mas sim uma honra para os ramos colaterais.

    Ancilla ficou satisfeita com a decisão do marido.

    Embora não considerasse a vitória de Eugene Lionheart o desfecho ideal, e de fato não havia desejado que isso acontecesse, no fim, Eugene derrotou a família principal e conquistou sua vitória. Se essa vitória fosse divulgada através do banquete, a derrota de Cyan pareceria ainda mais insignificante em comparação.

    — Fique ereto — ela ordenou.

    Ancilla vestia um suntuoso vestido de noite, que realçava sua postura régia. Cyan estava ao seu lado, com os ombros caídos e o semblante sombrio, e se assustou com as palavras da mãe, virando-se surpreso para ela.

    — Não há nada que se possa fazer quanto às derrotas que você já sofreu. Seja no duelo ou na Cerimônia de Continuação da Linhagem, o que aconteceu, aconteceu. No entanto, você ainda assim não deve demonstrar frustração — repreendeu Ancilla.

    — …Mãe… — Cyan murmurou, abatido.

    — Você é meu filho. O único filho de Ancilla Caines. Mesmo que tenha sido derrotado em um duelo e mostrado uma performance vergonhosa na cerimônia, isso não muda o fato de que você é meu filho.

    Cyan não compreendia completamente o significado por trás dessas palavras. Mas podia sentir, vagamente, que havia algo mais profundo nelas. Por isso, assentiu e endireitou os ombros.

    — …Cyan — disse Ancilla após uma pausa.

    — …Sim, mãe — respondeu Cyan, hesitante.

    — A partir de agora, você será constantemente comparado àquele garoto. A primeira coisa que todos vão lembrar ao olharem para você é que perdeu um duelo para Eugene. Também vão rir do fato de você ter sido parcialmente responsável pela primeira derrota registrada da família principal na cerimônia.

    — … — Cyan permaneceu em silêncio.

    — Isso é algo inevitável. Cyan, você tem o direito de sentir vergonha, mas não pode se deixar abater. Não importa quantas pessoas zombem de você, lembre-se de que é meu filho e está na linha de sucessão ao posto de Patriarca do clã Lionheart.

    — Sim, mãe.

    — Não podemos mudar o passado. Então lembre-se, Cyan, o que importa é o que você fará a partir de agora — disse Ancilla, mordendo cada palavra enquanto lançava um olhar penetrante para Eugene.

    Ancilla segurava firmemente a mão de Cyan. Através desse aperto, Cyan pôde sentir a leve tremedeira da mão da mãe.

    — Eu farei o meu melhor — tentou tranquilizá-la.

    — …Isso mesmo, como esperado do meu adorável filho — Ancilla disse, aceitando o consolo do filho.

    Eugene seria adotado pela família principal. Tanis e Ancilla haviam sido informadas disso no dia anterior. Naturalmente, haviam se oposto. No entanto, não conseguiram mudar a decisão do marido. ‘Pelo clã Lionheart e pela glória da linha direta’, ele dissera, com palavras cheias de orgulho familiar e entusiasmo, que não podiam ser refutadas.

    Ancilla, na verdade, preferia garantir a glória de seus próprios filhos do que a da família como um todo. Ainda assim, era ambiciosa o suficiente para desejar primeiro elevar o prestígio do nome Lionheart. Combinando essa ambição, seus desejos maternos e a importância do sangue na sucessão, ela se adaptara à nova realidade imposta à família principal.

    — Não há como Eugene se tornar Patriarca — Ancilla disse, abaixando a voz. — Mas Cyan, não se acomode por causa disso. Nunca se sabe o que o futuro pode reservar. E como você está em desvantagem diante dele, terá que se esforçar ainda mais para se tornar Patriarca.

    — Sim, mãe — Cyan não deixou os ombros caírem novamente, embora quisessem.

    Em vez disso, virou a cabeça para olhar na direção de Eugene, assentindo.

    — …Ainda assim. Não há necessidade de transformar Eugene em um inimigo à toa — acrescentou Ancilla.

    — …Porque seremos irmãos a partir de agora? — perguntou Cyan, incerto.

    — Exato — Ancilla não ficou feliz em reconhecer que Cyan teria que tratar Eugene como irmão, mas sua resposta não refletiu o que pensava. — Certifique-se de construir uma conexão fraterna com ele. Faça com que esse laço seja forte o bastante para que, no futuro, ele possa se tornar sua força. Afinal… você ainda tem o tempo ao seu lado.

    — …Tempo…? — Cyan repetiu, confuso.

    — Não o menospreze por ser adotado. Em vez disso, trate-o como um igual. Brinquem juntos, treinem juntos, criem boas memórias. Não permita que aquele garoto guarde rancor de você. E, assim… um dia, ele poderá estar disposto a ajudá-lo — continuou Ancilla, dando conselhos.

    — …Sim, mãe — respondeu Cyan, acenando com a cabeça, mesmo que de forma hesitante.

    Essa criança carregava uma gama bem complexa de emoções em relação a Eugene. Da derrota no duelo, surgiram humilhação, indignação e raiva. Mas, por conta da habilidade esmagadora que Eugene demonstrara durante a Cerimônia de Continuação da Linhagem, também havia admiração, inveja e até reverência…

    “…Agora tenho que ser amigável com ele…”, se fosse há apenas alguns dias, Cyan teria explodido de raiva ao pensar nisso. No entanto, o Cyan atual não demonstrava nada disso. Na verdade, ele até parecia um pouco envergonhado.

    — …M-Mãe — Cyan chamou, hesitante.

    — Diga o que quiser dizer — encorajou Ancilla.

    Cyan perguntou nervosamente: — Como exatamente… eu fico amigo dele? N-Não pode falar com ele por mim, mãe? Pode pedir pra ele ser meu amigo…

    Apesar dessas palavras serem de se esperar de uma criança mimada que nunca precisou fazer amizades, Ancilla olhou para o filho com um olhar cheio de desapontamento.

    — Fale com a Ciel — Ancilla sibilou por fim.

    Se não fosse pelos olhares ao redor, ela teria dado uma bronca severa. Em vez disso, soltou um suspiro e balançou a cabeça.

    Enquanto isso, Ciel estava ao lado de Eugene.

    Gerhard estava cercado pelos adultos de outras famílias colaterais e ocupado conversando sobre todo tipo de assunto. Dentre esses adultos, os pais de Gargith e Dezra estavam particularmente animados em falar com ele.

    — O senhor realmente criou um filho maravilhoso.

    — Ouvi dizer que ele será adotado pela família principal?

    — Que tipo de treino seu garoto fazia?

    — Dizem também que o Lorde Gerhard vai entrar na família principal.

    — Meu filho me disse que seu garoto é bem forte, considerando o tamanho.

    — Poderia nos dar conselhos sobre como educar nossos filhos?

    — Nem mesmo a família principal tem o nosso agente revolucionário de crescimento muscular. Tem interesse em experimentar?

    — É uma coincidência maravilhosa termos nos encontrado assim, então acredito que devíamos começar a organizar encontros regulares entre os ramos colaterais para promover mais integração.

    — Esse agente de crescimento muscular é mais eficaz em crianças, mas até adultos sentem algum efeito. Claro, precisa ser combinado com os exercícios certos e suplementos nutricionais, mas acho que o Lorde Gerhard pode se beneficiar muito.

    — Ora, que perfeito. Você ia sair pra caçar com os rapazes no mês que vem, não é, querido? O Gerhard devia ir junto também.

    — Depois de começar a suar correndo pelas montanhas, o Lorde Gerhard vai acabar ficando viciado no sabor do nosso agente de crescimento muscular.

    Gerhard não teve escolha a não ser continuar concordando com sons abafados enquanto ouvia palavras chegando de todos os lados.

    Eugene, por outro lado, queria evitar ser o centro das atenções daqueles adultos super entusiasmados. Por isso, se afastou imediatamente, com Ciel seguindo em seu encalço.

    — Meu pai disse que vamos ser irmãos a partir de agora.

    — Você tem alguma objeção a isso?

    — É meio estranho — Ciel disse com uma risadinha, puxando a parte de trás da camisa de Eugene. — Até agora, só tive o Cyan e o Eward como irmãos, mas de repente apareceu um novo irmãozinho.

    — Que papo é esse? Irmãozinho? — Eugene retrucou.

    — Mas seu aniversário é depois do meu — Ciel apontou.

    — E daí? Não tem diferença de anos, só alguns meses, então por que eu deixaria você me chamar de irmãozinho? — Eugene perguntou, irritado.

    — Eu nasci cinco segundos depois do meu irmão, e ainda assim sou a irmã mais nova — Ciel respondeu calmamente.

    Eugene ficou sem palavras diante daquela lógica.

    Após hesitar, tentou argumentar: — …Isso e aquilo são um pouco diferentes.

    — Diferente como? Sou mais nova que o Cyan por alguns segundos, então sou a irmã mais nova. Você é mais novo que eu por alguns meses, então é meu irmãozinho — Ciel insistiu incansavelmente.

    — Não, como eu disse, é diferente — Eugene continuava tentando escapar.

    — Por que é diferente? — Ciel não parava de pressionar.

    Eugene, mesmo com memórias de uma vida passada, não conseguia encontrar uma resposta razoável para essa pergunta.

    — …Isso é… porque eu não sou seu irmão de verdade! Temos pais diferentes, então… isso significa que não posso ser seu irmãozinho — Eugene tentou dizer com firmeza.

    — Mas mesmo assim, você ainda é meu irmão — Ciel não se deu por vencida.

    — Ainda que nominalmente, somos estranhos. Por isso, eu nunca vou te chamar de irmã mais velha.

    — Não pode me chamar só uma vez de irmã mais velha?

    — Nem se minha vida dependesse disso.

    Hmph — Ciel fez um biquinho.

    Começou a sacudir a camisa de Eugene de um lado para o outro, puxando o tecido com força.

    — Me chama de irmã mais velha só uma vez — implorou.

    — De jeito nenhum — ele recusou.

    — Não é nada difícil.

    — Eu disse que não, e é não.

    — Se continuar assim, a irmãzinha vai ter que te castigar — Ciel ameaçou.

    — Para de falar bobagem — Eugene resmungou.

    — Suas palavras são muito cruéis. Vou contar pra mamãe.

    — Pode contar, mas antes disso, por que você fica me agarrando assim? — Eugene reclamou, afastando as mãos dela da camisa.

    Isso fez Ciel empinar ainda mais o lábio.

    — Por que você é tão maldoso comigo? — ela choramingou.

    — Eu não tô sendo maldoso. É só que você tá fazendo uma idiotice…

    — Quer que eu comece a chorar? — Ciel interrompeu antes que ele terminasse.

    — E-Ei, pera aí — Eugene entrou em pânico, olhando ao redor em busca de socorro enquanto seus punhos tremiam inutilmente.

    Depois de encarar Eugene com um olhar manhoso, Ciel de repente mostrou a língua e disse:

    — Eu não vou chorar, idiota.

    — Claro que não ia… — Eugene suspirou.

    — Só queria ouvir você me chamar de irmã mais velha, só uma vez, é tão difícil assim?

    — Extremamente difícil — respondeu Eugene.

    Afinal, como ele poderia chamar uma pirralha de treze anos de irmã mais velha?

    “Eu preferia morrer”, Eugene realmente acreditava nisso.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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