Índice de Capítulo

    Quando Eugene acordou, estava na cama que vinha usando nos últimos dias. Nina, que aguardava ao seu lado, soltou um leve suspiro de surpresa e estava prestes a chamar alguém, mas Eugene imediatamente ergueu a mão para impedi-la.

    — Por favor, fique em silêncio — gemeu Eugene.

    — D-Deixe-me chamar alguém para ajudá-lo — sussurrou Nina.

    — Não, está tudo bem — recusou Eugene. — Apenas fique quieta.

    Nina fez um som confuso:

    — Hã?

    — Só fique parada e não diga nada — forçou-se a dizer, enquanto apertava a cabeça dolorida.

    Suas memórias não estavam turvas, e Eugene se lembrava claramente do que havia feito pouco antes de desmaiar, bem como do conteúdo da conversa com Tempest.

    Mesmo assim, a dor de cabeça latejante persistia, acompanhada por uma sensação de vazio em seu corpo. Para o Eugene de treze anos, aquilo talvez fosse estranho, se não fosse pelas memórias como Hamel. Aquele era o esgotamento de mana. Ele havia forçado até a última gota do pouco de mana que possuía.

    “…Tudo culpa do Tempest ter resolvido aparecer pessoalmente.”

    Toda a sua mana foi drenada só para abrir a porta para o mundo espiritual. A partir daí, Tempest assumiu e atravessou para o mundo físico com sua própria força.

    Isso também causou um peso considerável sobre o próprio Tempest. Mesmo espíritos poderosos não conseguiam abrir a porta para o mundo espiritual por conta própria. Mas como alguém que havia se tornado um Rei dos Espíritos, Tempest foi capaz de forçar a porta a se abrir mais, assumindo o fardo disso em si mesmo.

    “Parece que Tempest também ficou bastante empolgado.”

    Tempest assumiu o risco de forma imprudente e ampliou a abertura com força, tudo para descer ao mundo físico e confirmar a verdade com os próprios olhos. Esse foi o nível do choque que o Rei dos Espíritos do Vento sentiu ao ver que Eugene, ou melhor, Hamel, havia reencarnado.

    “…Ver que eu fui reencarnado com as memórias intactas já teria sido um choque por si só, mas o fato de eu ter renascido como descendente de Vermouth deve ter sido ainda mais impactante.”

    Espíritos reconheciam as pessoas por suas almas, então Tempest conseguiu reconhecer quem empunhava Wynnyd, Eugene, como sendo Hamel…

    Esse fato fez Eugene abrir um sorriso largo.

    Desde que aceitou ter reencarnado, Eugene não conseguiu afastar algumas preocupações incômodas.

    Será que ele era mesmo Hamel? O Hamel de suas memórias de trezentos anos atrás?

    E se… ele não tivesse reencarnado, mas apenas fosse alguém com as memórias de Hamel implantadas?

    “Mesmo que esse fosse o caso, essas memórias com certeza são reais”, Eugene repetia a si mesmo sempre que esses temores surgiam.

    Também se consolava dizendo que, mesmo se não fosse Hamel reencarnado, isso não fazia diferença. Não queria dar importância demais à natureza incerta de sua existência. ‘Penso, logo existo’; essa crença teria de bastar.

    “Mas Tempest me chamou de Hamel”, lembrou Eugene com um sorriso.

    Aquelas palavras haviam apagado completamente todas as preocupações incômodas. Eugene balançou a cabeça com um sorriso despreocupado.

    — …Mestre Eugene, tem certeza de que está bem? — perguntou Nina, incerta.

    Eugene acalmou sua preocupação:

    — Estou bem. Quanto tempo fiquei desacordado?

    — Aproximadamente meio dia…

    — Devo ter deixado todos preocupados.

    — O Patriarca e o Mestre Gion estão no anexo, esperando o senhor acordar.

    — Eles não precisavam fazer isso — disse Eugene, balançando a cabeça enquanto olhava para a porta fechada do quarto.

    Graças à mana absorvida por seu corpo, seus sentidos físicos estavam ainda mais aguçados. Como resultado, podia sentir algumas presenças ansiosas esperando do lado de fora da porta.

    — Que tal abrir a porta — sugeriu Eugene a Nina. — Acho que causei bastante preocupação a eles.

    Esses dois tinham todo o direito de entrar. Gilead lhe havia concedido muitos privilégios, o adotara na família principal e até lhe dera Wynnyd. Depois, ainda lhe transmitiram a Fórmula da Chama Branca, que só os membros da família principal podiam aprender, e abriram a linha ley para que ele pudesse iniciar sua mana.

    Mesmo com tudo isso sendo providenciado para seu treinamento, Eugene acabou desmaiando. Ao saber disso, Gilead e Gion correram aflitos para o anexo e agora aguardavam, ansiosos, do lado de fora para verificar seu estado.

    Assim que Nina abriu a porta, Gilead e Gion entraram apressados. Ao ver Eugene sentado na cama, Gilead soltou um suspiro de alívio e se aproximou com mais calma.

    — Você está bem? — perguntou Gilead, preocupado.

    — Sim, senhor — respondeu Eugene com um sorriso tranquilizador.

    Embora não pudesse verificar sua aparência num espelho, Eugene imaginava que seu rosto estava pálido como se todo o sangue tivesse sumido. Gilead e Gion observaram o rosto de Eugene por um momento antes de trocarem olhares.

    Então foi a vez de Gion perguntar:

    — O que exatamente aconteceu?

    Na saída da linha ley, durante o retorno ao anexo, Eugene parecia perfeitamente bem. No entanto, pouco tempo depois de voltar, ele desabou.

    Por conta disso, Gion não conseguia conter uma onda de preocupações. Ele foi quem transmitiu a Fórmula da Chama Branca a Eugene e o guiou na formação de seu próprio ciclo de respiração de mana. E se tivesse cometido um erro nesse processo, resultando em algo errado dentro do corpo de Eugene? Embora confiasse em suas próprias habilidades, agora não conseguia evitar a sensação de que algo terrível podia ter acontecido.

    — Já me contaram parte da história — dessa vez, Gilead voltou a falar. — Disseram que, depois de sacar Wynnyd, uma grande… brisa… começou a soprar de repente. Isso aconteceu porque você invocou um espírito?

    Embora já esperasse uma pergunta assim, Eugene hesitou por um momento antes de responder. Como deveria explicar aquilo? Teria mesmo que inventar uma mentira descarada?

    — O Rei dos Espíritos do Vento desceu do mundo espiritual — Eugene acabou admitindo.

    Não havia necessidade de contar toda a história, mas precisava dizer alguma coisa. Havia muitas testemunhas da descida de Tempest, e era impossível qualquer outro espírito provocar uma tempestade daquele nível ao cruzar para este plano.

    — …O quê? — Gilead engasgou.

    Eugene explicou:

    — Ele disse que fazia muito tempo desde a última vez que ouvira um chamado, então veio ver quem era.

    — Que tipo de…! — Gilead ficou tão chocado que nem conseguiu terminar a frase.

    Tanto Gilead quanto Gion não conseguiam esconder o espanto. Trezentos anos haviam se passado desde que Vermouth os deixara, e mais de um ancestral da linhagem principal já empunhara Wynnyd nesse período. E, como era de se esperar, a maioria conseguia invocar os espíritos do vento com a ajuda da espada.

    No entanto, as expectativas do Rei dos Espíritos do Vento, Tempest, para seus invocadores eram tão elevadas quanto sua posição real. Desde Vermouth, nenhum outro ancestral conseguiu invocar o Rei dos Espíritos do Vento com sucesso.

    Gion engoliu em seco e perguntou:

    — Isso é mesmo verdade…?

    Sabia que Eugene não teria motivo para inventar algo assim, mas a notícia era tão inacreditável que Gion sentiu que precisava confirmar.

    — É. O Rei dos Espíritos do Vento… uh… — Eugene parou.

    Franziu a testa, deixando claro que estava com dificuldades para lembrar.

    Enquanto batia com os dedos na lateral da cabeça bagunçada, continuou:

    — …Acho que ele disse que eu ainda não tinha força suficiente. E que, da próxima vez… quando eu tivesse poder de verdade, ele queria me ver novamente. Depois disso, voltou para o Mundo Espiritual.

    — …Hahaha…! — Gilead, que ouvia tudo em silêncio, caiu na gargalhada.

    Balançando a cabeça, ele se sentou na cadeira ao lado da cama de Eugene.

    — …Eugene. Você é mesmo… uma criança surpreendente — suspirou Gilead, aliviado.

    Eugene não sabia o que responder, então apenas sorriu. Após encará-lo por alguns instantes, Gilead colocou a mão dentro do colete.

    — Gion me contou o que aconteceu na linha ley. Em menos de uma hora, você conseguiu sentir mana e formar um núcleo com a Fórmula da Chama Branca. Isso já seria chocante o suficiente, mas ainda conseguiu atrair a atenção do Rei dos Espíritos do Vento.

    Algo assim jamais havia ocorrido antes. Mas o que, em Eugene, não era inédito? Vencer a Cerimônia de Continuação da Linhagem sendo um filho colateral, ser adotado pela família principal, tornar-se o novo dono de Wynnyd, receber a Fórmula da Chama Branca e ainda acessar a linha ley; tudo isso nunca havia acontecido antes na história da família Lionheart.

    “Sentir mana e acumulá-la no corpo em menos de um dia. Isso também… é algo sem precedentes”, Gilead pensou.

    Gilead sentia apenas satisfação diante daquela notícia. O Rei dos Espíritos do Vento havia notado aquela criança e até descido pessoalmente para vê-la. Um acontecimento desses podia até ser considerado como uma revitalização do Clã Lionheart.

    — Beba isto — ordenou Gilead.

    Ao tirar a mão do colete, segurava uma poção de tamanho pequeno.

    Gilead explicou:

    — Vai restaurar sua mana esgotada. Mas você tem que me prometer que, em vez de exagerar, vai ficar de repouso nos próximos dias.

    — Mas meu corpo está bem.

    — Ainda assim, quero sua promessa. Se você acabar ferindo seu corpo por forçá-lo demais, vai se arrepender depois.

    — Tudo bem, eu prometo — Eugene assentiu sem protestar.

    A poção de recuperação de mana era tão valiosa quanto eficaz. Sob o olhar atento de Gion e Gilead, Eugene engoliu o frasco todo.

    Seu corpo esvaziado começou a se preencher novamente com mana. Sem se deixar levar pela ansiedade, Eugene começou a usar imediatamente a Fórmula da Chama Branca para recarregar o núcleo com aquela mana, mas a poção não era suficiente para restaurá-lo por completo. Pela natureza da mana, a quantidade que podia ser contida numa poção era bastante limitada. Ainda assim, após tomar tudo, a dor de cabeça e a rigidez dos membros diminuíram consideravelmente.

    — Depois de alguns dias de descanso, Gion vai retomar suas lições — disse Gilead, se levantando. — Inicialmente, estávamos planejando fazer outra viagem de treinamento agora que a Cerimônia terminou, mas… parece que isso será impossível.

    — Por minha causa? — perguntou Eugene.

    — Exatamente. Acho que precisamos priorizar o cultivo de seus talentos em vez do nosso próprio treinamento.

    — Não quero tomar muito do tempo do Patriarca e do Sir Gion — admitiu Eugene, um pouco envergonhado.

    — Não pense assim. Na verdade, sou eu quem faz questão de orientá-lo pessoalmente — Gion falou, sorrindo ao dar um tapinha no ombro de Eugene.

    Gion acrescentou:

    — Ah, claro, vou ensinar Cyan e Ciel ao mesmo tempo. E o Patriarca também vai nos ajudar com as aulas.

    Eugene era, sem dúvida, especial. No entanto, não seria bom demonstrar favoritismo excessivo por causa disso. O filho mais velho, Eward, havia deixado a mansão principal e ido para Aroth, mas Cyan e Ciel ainda estavam ali. Eles também mereciam receber o mesmo nível de instrução que Eugene.

    “Treinar junto com Eugene será um ótimo estímulo para os dois”, pensou Gilead.

    Ao ouvirem que Eugene retornou da linha ley com resultados impressionantes em menos de um dia, Cyan e Ciel correram imediatamente para o ginásio e iniciaram seus próprios treinos. Por isso, Gilead também nutria grandes expectativas quanto a eles.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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